quarta-feira, 8 de julho de 2015

Vovó Anna: A Tecelã de Bolos e Destinos

 


El Jefe – Anna: A Tecelã de Bolos e Destinos

Por Bellacosa Mainframe

Existem memórias que chegam como cheiros: o perfume quente do pão de ló abrindo a alma da casa, a nota doce do leite condensado que escorre da colher, o toque macio da farinha fina levantando nuvens no ar.
E existem memórias que chegam como ecos: o bater dos teares industriais da Mooca, o “tac-tac-tac” das máquinas de costura do salão paroquial, o murmúrio das orações das 18h que atravessam gerações.

Este é um poste sobre Anna, minha avó e madrinha — tecelã de tecidos, tecelã de bolos, tecelã de vidas.




I – Novo Mundo, Urupês, e o fio que começa a trama

Anna nasceu em Novo Mundo (onde hoje repousa Urupês), no interior vigoroso de São Paulo.
E como todo bom paulista de raiz, cresceu entre terra vermelha, quintal vasto, vizinhança que sabe o nome de todos e histórias contadas no portão. 

Do Noroeste paulista do café, vieram pelos trilhos da companhia Paulista, instalaram-se em São Caetano do Sul e depois parque São Lucas, reduto de imigrantes espanhóis, que rivalizavam com os imigrantes italianos da Mooca. Outro dia introduzo meu bisavô Luis, o patriarca da família e que mais confusão colocou nessa historia.

São nossas raízes que definem nossa engenharia — no Mainframe e na vida.




II – Da Mooca ao Mundo: a tecelã industrial

Ainda jovem, Anna encarou o coração industrial da Mooca — bairro de imigrantes, suor, máquinas e sonhos de metal.

Tecelã de fábrica, comandava teares como quem rege uma sinfonia:
cada fio, um compasso;
cada trama, uma decisão;
cada tecido, um código que só os olhos treinados decodificam.

E ela tinha esse dom:
o “olho mágico” — o debugger humano — capaz de encontrar qualquer falha invisível na trama de fio.
Sim, minha avó era uma espécie de SPOOL humano, identificando erros, direcionando saídas, ajustando rotas.
Pura engenharia viva.




III – A reinvenção: da fibra ao açúcar

Quando o tear ficou para trás, Anna abriu espaço para outro tipo de arte:

A confeitaria.

E aí, meu amigo…
Aí nasceu a lenda.

Os Bolos da Vila Rio Branco™

(um patrimônio não catalogado, mas reverenciado)

Bolos de noiva, aniversários, batizados, festas — todos coroados por:

  • pão de ló úmido,

  • vinho licoroso infiltrado com precisão cirúrgica,

  • glacê de banha vegetal + leite condensado (o santo graal da doçaria caseira),

  • miniaturas que pareciam um parque de diversões em cima da massa.

  • cobertura de coco ralado colorido com corantes

  • tiras de coco feitas com plaina de madeira criada pelo meu avô Pedro

  • e eu o diabinhao da familia, a formiguinha, roubando ameixas secas como se fossem ouro.

  • pegando os restinhos das latas de leite condensado

E eu ali, padawan oficial da lambança,
lambendo as travessas como quem consome o último setor do dataset mais precioso do universo.

Easter egg culinário:
O bolo farofa de geladeira — criação experimental que só quem viveu sabe descrever.




IV – Avon, reunião e o quintal que era um mundo

Nos encontros da Avon, a casa virava um OPS log social:

  • perfumes,

  • catálogos,

  • risadas,

  • bandejinhas com doces estratégicos,

O quintal?
Ah, o quintal...

Toda família brasileira tem um quintal que, na verdade, é um portal interdimensional.
O dela era desses:
meio roça, meio experimentação, meio Disneyland com cheiro de terra molhada.




V – O Salão Paroquial e a liturgia do afeto

Anna, católica fervorosa:

  • missa de sábado a tarde,

  • rezar ao terço em alguma novena

  • Ave-Maria das 18h religiosamente seguida,

  • voluntária de corte e costura na igreja.

E quando ela ia dar aula, claro: carregava este escriba junto, como unidade auxiliar para gastar energia.



(Deus escreve certo por linhas tortas, mas avó escreve certo por linhas de costura.)

Ali onde eu conhecia um outro mundo e fazia novas amizades, sem imaginar que ali havia um abismo social com crianças vindo de favelas, para as mães aprenderam uma profissão. Mas isso não percebia, magia da infância e brincava com outras crianças enquanto minha avó ensinava o mundo a criar, moldar, alinhavar — costurar destinos.

São Paulo tem disso até hoje, abismos sociais, onde uns poucos têm muito e uma multidão nada tem, lutando para conseguir uns trocados em biscastes e serviços sazonais.



VI – Bisavós, Tia Maria e o “patch de açúcar” da infância



Próximo da casa dela viviam:

  • minha bisavó Isabel,

  • meu bisavô Francisco,

  • e a lendária Tia Maria, dona dos divinos bolinhos de chuva.

  • sem esquecer do famoso cagado, que viveu quase até a imortalidade

Essa vizinhança não era só geografia;
era sistema distribuído familiar.
Um cluster de afeto, açúcar e memórias eternas.




VII – Filosofia Bellacosa Mainframe para fechar a compilação

Toda avó é uma arquiteta de memória.
Mas a Anna…
A Anna parece ter me tecido — literalmente:

  • um fio no tear,

  • um fio no glacê,

  • um fio na fé,

  • um fio no quintal,

  • um fio no carinho,

  • um fio no destino.

E eu, que lambia travessas de massa de bolo, brincava no quintal, bagunçava no quartinho de ferramentas e corria pelo salão paroquial da igreja,
onde carrego até hoje esses fios dentro de si. Não posso me esquecer do Mappin, ah outra lembrança doce de minha querida avó.

Moral do job:

Existem pessoas que compilam sistemas.
E existem pessoas que compilam famílias.

Anna foi das segundas —
um COBOL humano,
feito de estrutura, força, doçura, propósito,
e uma capacidade sobrenatural de transformar trabalho em amor.


Easter-egg da Alma:

Quem escolheu meu nome VAGNER, foi ela e para desgosto da minha mãe foi registrado pelo meu pai, mas isso é historia para outro post.


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