**🥤 A Gini, a Caçulinha e as Caminhadas —
Memórias de Infância ao Estilo Bellacosa Mainframe**
Existem memórias que ficam guardadas na gente como datasets que nunca passam por scratch. São arquivos afetivos com RETPD=FOREVER, que resistem a incêndio, mudança, ditadura, separação e ao famigerado tempo — esse SYSOP invisível que tenta dar purge na gente.
A minha infância… ah, essa roda em fitas cartucho de 1600 bpi, guardando aventuras, tombos, corridas e, principalmente, caminhadas. Porque se existe uma família que nunca soube ficar parada foi a minha.
Bellacosa não anda; percorre.
E no topo desse ranking afetivo, estão três figuras míticas:
-
meu tio Rubens, o lendário Rubão, caminhante olímpico, contador de causos e dono de um pulmão que deixava qualquer criança exausta;
-
meu avô Pedro, senhor das histórias, dos conselhos, dos silêncios e dos passeios à beira-mar;
-
meu pai, o protagonista de dezenas de quilômetros percorridos em todas as direções possíveis da Pauliceia.
Cada um deles foi um mestre Jedi da arte de caminhar — e eu, o padawan de calças curtas.
👣 Rubão: o andarilho de bairro e de coração
O Rubão não caminhava — ele deslizava.
Era aquele cara que dava o passo largo, firme, decidido, como quem sempre sabia para onde estava indo, mesmo quando não sabia.
Com ele eu aprendi a ver detalhes do bairro:
a vendinha que ninguém dá bola, o vizinho reclamão, a senhora com o cachorro temperamental, o cheiro de café saindo das janelas às seis da tarde.
Rubão tinha o dom de transformar qualquer volta na quadra numa microaventura.
🌊 Vô Pedro: caminhadas à beira-mar e histórias na mochila
Com meu avô Pedro, a caminhada tinha outra vibração.
Era praia, mar batendo na canela, areia quente e histórias de família sendo desfiadas como rosário antigo.
Ele contava sobre a Itália, sobre seus pais, sobre sua juventude, sobre a dureza do trabalho e o orgulho do sobrenome.
E eu, pequeno, ia ouvindo…
absorvendo…
construindo meu próprio repertório de lendas Bellacosa.
Caminhar com ele era como abrir um livro vivo — cheio de personagens que eu nunca conheci, mas que moldaram quem eu sou.
👣🌆 E aí vinha meu pai — o maior caminhante de todos
Ah… meu pai.
Caminhar com ele era aventura, caos, espontaneidade e quilometragem infinita.
Não existia destino definido.
O homem simplesmente andava.
Podia ser:
-
da Vila Rio Branco até a Vila Alpina,
da Vila Rio Branco até a Vila Esperança
da Vila Rio Branco até o Cangaíba,
-
do bairro até o centro,
-
do centro até a próxima missão fotográfica,
-
dos laboratórios às lojas de revelação,
-
dos desmanches de carro às oficinas,
-
ou apenas caminhadas porque era domingo, porque tinha sol, porque era o jeito dele de viver.
Com ele aprendi a observar gente, esquina, rua, placa, padaria, boteco, ferro-velho.
Sim, ferro-velho fazia parte do nosso roteiro afetivo.
Nada mais Bellacosa do que uma boa loja de sucata.
🥤 E quando eu cansava? Entrava em cena a lendária GINI.
Ahhh…
A Gini.
Aquele refrigerante doce, amado pelas crianças, meio gasoso, meio mágico — e que era também conhecida como caçulinha, a bebida oficial das nossas aventuras.
Era o save point das longas jornadas.
A dinâmica era simples:
-
Eu cansava.
-
Meu pai percebia.
-
Entrávamos em algum boteco, mercearia, armazém ou bar.
-
Ele pedia algo para ele.
-
E eu ganhava minha Gini.
E de repente:
✨ Energia restaurada
✨ Ânimo de volta
✨ Caminhada retomada
✨ Conversa fluindo
✨ O mundo ficando bonito de novo
Até hoje sinto o gosto da Gini no meio da memória — doce, simples, inesquecível.
🥾 E então… Santiago de Compostela. Porque Bellacosa não para.
Cresci.
O mundo girou.
Outras cidades entraram na minha vida.
Outros caminhos se abriram.
E numa dessas, lá estava eu:
👉 andando quilômetros e quilômetros até Santiago de Compostela.
Sim.
Aquele mesmo menino que bebia Gini em boteco de bairro percorreu caminhos milenares na Europa, como se estivesse repetindo o gesto ancestral de três homens que moldaram sua infância.
Rubão, vô Pedro e meu pai caminharam sem nunca sair do Brasil.
Eu caminhei o mundo — carregando os três na sola do pé.
Mas isso…
ah…
isso é história para outro post.
💾 Conclusão Bellacosa: memórias boas têm cheiro, gosto e passada.
As caminhadas da infância não foram só deslocamentos.
Foram rituais.
Foram conversas.
Foram vínculos.
Foram GPS emocional.
Foram Gini gelada em copo de vidro grosso.
Foram fundações de quem eu me tornaria.
E cada vez que eu ando — sozinho, com gente, no Brasil, na Europa, em trilhas ou avenidas — uma parte de mim ainda é aquele menino que descansava numa mercearia, bebendo um refrigerante barato, feliz da vida por estar ao lado de quem amava.
Porque memórias assim…
meu caro…
nem o tempo ousa deletar.

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