O que é ser fetichista — entre o desejo e o delírio
Existe um território curioso entre o desejo e o delírio.
Um ponto onde o corpo deixa de ser o centro e o detalhe passa a ser o universo.
É ali que nasce o fetiche — esse pequeno desvio do olhar que transforma o comum em irresistível.
Ser fetichista não é apenas gostar “demais” de algo.
É transformar um fragmento em mito.
Um par de sapatos, um perfume, uma voz rouca, um gesto inocente, o jeito que o cabelo cai sobre o rosto.
Não é o corpo inteiro que atrai — é a centelha, o símbolo, o objeto, o ritual.
Freud dizia que o fetiche é um truque do inconsciente para lidar com o medo e o desejo.
Mas talvez seja mais poético que isso.
O fetiche é a arte de personificar o desejo no detalhe.
É quando o toque vira linguagem, e o olhar vira altar.
Há quem veja o fetichista como um excêntrico — alguém que “desvia do normal”.
Mas o que é o normal, afinal?
O amor também é uma forma de fetiche: a gente escolhe uma pessoa, entre bilhões, e diz “essa aqui é única”.
Isso não é racional, é mágico.
O fetichista só leva essa mágica a sério demais — transforma o detalhe em religião.
No fundo, ser fetichista é ser devoto do detalhe.
É enxergar beleza onde os outros veem banalidade.
É transformar o toque de uma luva, o som de um salto, o cheiro de uma roupa em poesia.
É uma confissão disfarçada de vício, uma forma de dizer:
“não amo o todo, amo o que nele me fascina.”
Talvez por isso o fetichista viva entre o mistério e o tabu.
Porque o mundo teme quem vê beleza onde os outros não veem nada.
Mas é aí que mora o encanto — o fetichista é o último romântico do inconsciente,
aquele que ainda acredita que o desejo é feito de símbolos, não de corpos.

Sem comentários:
Enviar um comentário