🎤 MÁRCIA PASTEL & FREDDIE MERCURY — O CROSSOVER IMPROVÁVEL
Naqueles tempos em que paquera acontecia no metrô, olhares eram offline, e anotar telefone era ato de coragem logística, conhecei a Márcia.
Entre passeio no shopping, sorvetes no mac donalds, visitas a cohab José Bonifacio, namorico de sofá no apartamento da avó umas escadas acima — romance urbano clássico do suburbio de São Paulo numa era pré-internet.
E como todo romance paulista raiz…
tinha detalhe gastronômico:
a mãe dela era pasteleira.
E surge então um dos apelidos mais simetricamente paulistanos que já existiu:
Márcia Pastel.
Romântico? Talvez não.
Inevitável? Com certeza.
Durou pouco, mas deixou marca.
E aí veio o dia fatídico.
Na mesma tarde em que o mundo perdia Freddie Mercury, perdi Márcia.
Duas batidas fortes no peito na mesma frequência.
Dois lutos distintos, mas que o cérebro conectou no mesmo dataset.
Freddie virou trilha sonora.
Márcia virou capítulo.
E o dia virou marco.
🌑 A NOITE EM QUE ME PERDI NO MEU PRÓPRIO TERRITÓRIO
Coração partido tem um poder estranho:
ele desorienta.
Desfaz o GPS emocional.
Zera o mapa interno.
Eu — um andarilho experiente, navegador de cidades, o homem que nunca se perde, nem com idioma estranho, nem com clima hostil — resolveu ir andando de Itaquera até Guaianases.
Andar pra esquecer.
Caminhar pra curar.
Pisando no asfalto como quem tenta reiniciar a alma.
Mas naquele novembro…
Me perdi, virei pro lado errado e quase cheguei em São Mateus.
Não numa cidade desconhecida.
Não num país distante.
Não num labirinto europeu.
Me perdi no seu bairro. Teatro conhecido de inumeras voltas de bicicleta e mesmo a pé.
E isso é a definição poética perfeita do luto amoroso:
quando até as ruas que eu conheço deixam de me reconhecer.
🕍 A IGREJINHA PROTESTANTE — O CHECKPOINT DIVINO
Caminhando sem norte, atravessando vielas que pareciam cena de Cidade de Deus, rostos fechados, becos suspeitos…
o perigo era real.
E então surge a NPC salvadora da quest:
uma senhora protestante.
Saião longo, cabelo comprido, Bíblia apertada embaixo do braço — o uniforme oficial das anciãs sagradas do subúrbio.
Você pergunta o caminho.
Ela arregala os olhos, já imaginando o tamanho da encrenca.
E como toda boa crente-raiz,
te deu instruções como quem narra uma missão da Arca de Noé:
— “Filho… é longe. Mas você vai fazer assim…”
E te entregou instruções detalhadas para o meu mapa mental.
O único mapa da noite.
🚶 A JORNADA DE 5 HORAS ATÉ O VIADUTO SAGRADO
Seguindo as instruções, passos rápidos, cabeça baixa, coração pesado…
assustado,
preocupado,
andei.
E andei.
E andei.
Até que no horizonte surgiu o farol urbano, o checkpoint final, o save point da minha adolescência:
o viaduto de Guaianases cruzando os trilhos da velha CBTU, a antiga Ferrovia Central do Brasil.
Era como ver o USS Enterprise saindo da dobra espacial depois de horas na escuridão.
Já sabia:
estava salvo.
Cheguei em casa quase à meia-noite, exausto, mas inteiro.
E, principalmente, reencontrado.
🌟 CONCLUSÃO — O QUE FICA QUANDO A GENTE SE PERDE
Algumas histórias entram na nossa vida como música do Queen:
intensas, trágicas, grandiosas, cheias de eco.
Aquela noite não foi só o fim de um namoro.
Foi um rito de passagem.
Foi o momento em que descobri que até quem nunca se perde…
pode se perder quando o coração falha.
Mas também descobri que sempre existe:
-
uma senhora de saião para guiar,
-
uma rua correta para virar,
-
um viaduto iluminado esperando como um Farol de Alexandria,
-
um lar ao fim da jornada.
E que, no fim,
como diria Freddie…
The show must go on.
E eu continuei.
Fui ainda mais longe.
E contei a história.
E hoje ela vive —
ao estilo Bellacosa Mainframe —
preservada como um snapshot imortal em meu diário estelar.






