quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

🥄 O Som dos Panelaços

 


🥄 O Som dos Panelaços

Por Vagner Bellacosa Mainframe

Havia silêncio demais em 2020.
As ruas vazias, os carros parados, o medo suspenso no ar como poeira de um mundo que de repente esqueceu de respirar.
E então, veio o som — o som metálico, áspero, ritmado: o barulho das panelas.

Era o som do homem comum.
Não o das elites, nem dos discursos;
era o som de quem perdeu o chão, o trabalho, o costume de abraçar.
De quem se trancou em casa e, pela primeira vez, percebeu o tamanho da própria solidão.
Os panelaços foram o desabafo coletivo de um país confinado, um grito dentro das janelas.

Cada bairro ecoava como uma tribo.
Em alguns, era protesto;
em outros, catarse.
Alguns batiam contra o governo;
outros batiam contra o destino.
Mas no fundo, todos batiam contra a mesma coisa:
a sensação de impotência.

Porque o homem moderno, acostumado a controlar tudo — o tempo, o corpo, o dinheiro —
descobriu que não controlava nada.
E então, restou-lhe o som.
A batida repetida de uma colher contra o metal.
Uma música primitiva, de raiva e medo, que atravessava a noite e subia pelos prédios como uma oração pagã.

As panelas eram o novo tambor tribal.
O novo Twitter das sacadas.
O eco do desespero travestido de cidadania.
Enquanto o vírus espalhava invisibilidade, o som trazia presença.
Era o “estamos vivos” de quem já não tinha o que dizer.

Houve quem chamasse de “ato político”, quem zombasse, quem ignorasse.
Mas, sob qualquer análise, aquele ruído era puro instinto social
o barulho de um povo que ainda queria existir, ainda que à distância.
Porque o silêncio mata mais devagar que a doença, mas mata.

E, como tudo, passou.
As panelas se calaram.
Vieram as eleições, as crises, as novas pautas, os novos medos.
O som se perdeu, mas deixou rastro.
Talvez nunca mais voltemos a ouvir o país inteiro batendo panelas,
mas aquele eco — aquele som metálico de frustração e esperança —
ainda vive em cada brasileiro que, por alguns minutos,
sentiu-se parte de algo maior do que o próprio isolamento.

Os panelaços foram o retrato fiel de quem somos:
emocionais, desorganizados, passionais, ruidosos,
mas vivos — e ainda tentando se entender.

Sem comentários:

Enviar um comentário