🌒 O Eros que dorme no sofá
Por Vagner Bellacosa Mainframe
No início, tudo é incêndio.
Palavras são faíscas, toques viram explosões e o simples olhar acende o corpo inteiro.
É o tempo da dopamina, da conquista, do “te quero agora e não importa onde”.
O mundo se comprime num quarto, e o amor parece ser o próprio milagre da existência.
Mas, aos poucos, o fogo vira brasa.
A rotina entra de mansinho, como quem não quer nada, e começa a organizar o caos.
A cama perde o improviso, o espelho perde o susto, e aquele mistério que fazia o coração tropeçar… adormece.
O Eros, outrora selvagem, se deita no sofá — cansado, domesticado, quase confortável.
Muitos chamam isso de amor maduro.
Outros, de tédio.
Na verdade, é apenas o corpo obedecendo à biologia e o cérebro trocando o vício da paixão pela morfina da estabilidade.
A dopamina dá lugar à oxitocina, e a necessidade de possuir vira medo de perder.
O sexo, que antes era ritual, transforma-se em rotina.
E o toque, antes febril, vira apenas prova de que ainda existe algo — mesmo que pequeno — entre dois mundos que já se afastam.
E é aí que o erro acontece.
Não porque alguém mudou, mas porque o que era conquista virou costume.
A mulher, antes curiosa e livre, agora se protege na previsibilidade.
O homem, que buscava intensidade, se perde no eco do que já foi.
Ambos trocam a vertigem pela certeza, esquecendo que o desejo nasce do abismo — não do conforto.
O fetiche, o risco, o segredo — tudo aquilo que fazia pulsar — é trancado num cofre de culpas.
E o casal que um dia queimava lençóis agora divide o cobertor como quem divide o silêncio.
O amor, paradoxalmente, continua.
Mas o desejo, esse fugitivo, vai dormir em outra casa.
Não há vilões nessa história.
Há apenas a natureza humana tentando conciliar o impossível:
querer segurança sem perder a chama da descoberta.
E talvez o segredo não seja reviver o que foi,
mas continuar curioso — mesmo depois de anos, mesmo com rugas, mesmo com lembranças.
Porque o desejo não morre de velhice,
morre de previsibilidade.
E o Eros, se adormece no sofá,
é só porque esquecemos de chamá-lo para dançar.

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