🕯️ Wilson, o fotógrafo que apagou a própria luz
(Por Vagner Bellacosa – Bellacosa Mainframe)
Estamos em 19 de dezembro de 2021.
Meu pai morreu.
Não éramos próximos — nunca fomos daqueles que trocam conselhos, risadas ou abraços fáceis.
Vivíamos à distância, entre mensagens ocasionais, telefonemas espaçados e uma visita anual ao Quiririm, em Taubaté, onde ele insistia em permanecer, como uma árvore que se recusa a ser transplantada.
Senti a perda, claro. Mas não foi aquela dor cortante, não houve lágrimas em avalanche.
Foi mais como ver o passado se dissolvendo, como se uma parte antiga da história da família tivesse chegado ao fim natural, levando consigo lembranças, silêncios e mágoas que já estavam envelhecendo.
O tempo encerrou o ciclo — com a mesma calma com que ele costumava observar o mundo pela lente de sua câmera.
Sempre me frustrou o potencial desperdiçado de meu pai.
Um homem lúcido, curioso, de raciocínio vivo.
Teve oportunidades — de estudar, crescer, prosperar —, mas se deixou levar pelo desinteresse, pelos desentendimentos familiares e pelo amargo refúgio do álcool.
Wilson poderia ter ido longe. Mas escolheu — ou talvez foi engolido — por uma vida pequena, rotineira, sem brilho.
E, no entanto, havia nele uma estranha dignidade.
Lembro-me de uma conversa, muitos anos atrás, quando ele ainda era jovem, talvez com quarenta e poucos anos.
Olhou para o nada e disse, com uma serenidade desconcertante:
“Quando eu ficar velho, aceitarei minha solidão. Não vou perturbar ninguém. Morrerei sozinho.”
Ele cumpriu a palavra.
Somos cinco irmãos — talvez mais, quem sabe —, mas ele nunca pediu nada a ninguém, nunca buscou abrigo, nunca deixou que a velhice virasse fardo.
Ficou em Taubaté, naquela casa velha e cansada, observando o tempo pela janela, fiel à própria solidão.
Como se dissesse: “não dei, também não quero.”
Assim foi o fim de Wilson, o fotógrafo —
um homem que amou muitas mulheres, teve filhos e histórias espalhadas,
um empreendedor de impulsos, sempre guiado mais pela curiosidade do que pela direção.
Viveu intensamente o corpo, mas nunca aprendeu a cuidar da alma.
E no final, restou apenas o eco de suas escolhas, a poeira dos retratos antigos e o rumor de um nome que se apagava devagar.
Mas ainda assim, há algo de respeitoso nesse fim.
Ele viveu e morreu do jeito que quis.
Sem pedir, sem dramatizar, sem fingir.
Manteve-se fiel à própria sentença, com uma integridade áspera — dessas que não pedem perdão, apenas silêncio.
Hoje, olhando para trás, vejo que meu pai foi o retrato de uma geração que soube começar, mas não soube terminar.
E talvez essa seja a herança que ele deixa: o alerta de que o tempo não perdoa quem se abandona.
Wilson se foi.
E com ele, uma parte da história da família se apaga —
como uma fotografia antiga que o tempo desbota, mas nunca apaga de tudo.

