quinta-feira, 13 de agosto de 2015

🏬 A Mercearia do Agnelo e o Portal para o Mundo Adulto

 


🏬 Crônica — A Mercearia do Agnelo e o Portal para o Mundo Adulto

Nos anos 1970, existia um tipo de magia que não vinha de desenho animado, nem de videogame — vinha das pequenas tarefas.
E para o pequeno Vagner, ir às compras era mais que responsabilidade: era aventura, era rito de passagem, era quase um “mini estágio” para a vida adulta.

Ser o filho mais velho significava ter missões:
– Buscar pão e leite na padaria.
– Comprar mantimentos na mercearia.
– E até a ousada e nada proibida tarefa de ir ao boteco comprar cigarros para os pais — coisa que hoje pareceria ficção científica, mas na época era normalíssimo.

E entre todas essas missões, havia um destino especial:



A Mercearia do Agnelo

Um templo do cotidiano.
Um portal para outro mundo.

A mercearia tinha um cheiro próprio, uma mistura de café moído, madeira antiga, açúcar cristalizado e conversa de vizinhança.
E logo na entrada, trono absoluto da experiência sensorial, estava a máquina de moer café dos Moinhos Tupã.

Aquilo não era uma máquina.
Era um dragão vermelho que cuspia aroma.
O café entrava em grãos, dançava lá dentro, e saía em forma de pó fresquinho, quente, quase vivo.
A mercearia inteira se impregnava daquele perfume.
Era a assinatura olfativa da infância.

Havia também os grãos a granel, expostos em urnas de madeira com tampa: feijão carioquinha com manchas desenhadas pelo universo, feijão preto da mitica feijoada, milho de pipoca parceira dos desenhos da tarde, amendoim sem casca para torrar,  arroz soltinho, canjica branquinha que parecia pérola — tudo vendido por medida e conversa.



E o bidon de óleo vegetal.
Meu Deus, aquilo era item de museu.
Um tonel metálico, com torneirinha e uma bomba manual. O Agnelo pegava a garrafa de 1 litro de coca-cola reusada para unidade de medida e servia um litro certinho, sem desperdiçar.
Era o pré-histórico do “refill sustentável”.



Mas nada, absolutamente nada, superava o baleiro.

Aquele baleiro de vidro grandalhão, giratório, hipnótico.
Cada compartimento guardava um tesouro:
bala de coco, balas de café, jujuba, hortelã, gominha, tutti fruti ,caramelo, puxa-puxa e a divina bala de doce de leite…
O giro do baleiro parecia magia negra da gula.
Um comando arcano, uma rotação e lá estava, a tentação escolhida pelo destino.



Além disso, havia as rifas.
Meu pai, o Wilson, vendia.
O Agnelo revendia.
E eu assistia, fascinado, sem entender muito, mas achando tudo chiquérrimo — uma mistura de comércio, confiança e esperança em ganhar um relógio, óculos de sol, isqueiro ou a mítica bicicleta.



O Caminho com a Sacolinha

Aos sete anos, eu caminhava pelo bairro carregando a pequena sacola de pano no braço, como se estivesse carregando a vida adulta embrulhada ali dentro.
Hoje parece absurdo, mas na época era simples, natural.
As ruas eram livres, sem paranoia.
Pais davam conselhos — não entrar em carro de estranho, não conversar demais — mas o bairro era território seguro.



Brincar na rua era difícil, pois vivíamos numa via movimentada, a rua Ultrecht via de ligação entre  a Estrada de Mogi das Cruzes e a Avenida São Miguel.
Mas caminhar até o comércio era tranquilo, quase meditativo. Encontrando colequinhas de escola, velhas senhoras que conheciam a vida de todos, senhoras que sabiam do segredo do universo e além.

Eu recebia o dinheiro, comprava o que precisava, conferia o troco direitinho (aprendizado vital) e voltava pra casa com a sensação de missão cumprida.

Mal sabia eu que essa habilidade simples — andar sozinho, comprar, conferir, conversar, negociar, observar — seria o primeiro passo para algo que mudaria meu futuro:

Trabalhar anos depois como office-boy na Avenida Paulista, o coração financeiro do Brasil. Mas isso é outra historia para outro dia.

Foi ali, na mercearia do Agnelo, que atravessei pela primeira vez o portal entre o mundo infantil e o adulto.

Uma travessia silenciosa, cotidiana, mas transformadora.
Cada compra era um savepoint do meu RPG da vida real.

E no fundo, quando hoje fecho os olhos, ainda ouço o barulho do Moinhos Tupã moendo café…
a trilha sonora perfeita da infância que me ensinou a caminhar sozinho.

O Agnelo além de mercearia do Bairro era o coração vivo dos acontecimentos, point de informação, mais bem informado que a CIA ou o KGB. Espaço sagrado que os homens da família Bellacosa matavam o bicho antes do tradicional Almoço de Domingo e discutiam sobre futebol, fazendo mesas, ou melhor, balcão redondo sobre os resultados da rodada.



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