**Doce ladina: A Primeira Paixão 2D
(ou como uma Ladina ruivinha salvou um menino de 1986)**
Por El Jefe – Bellacosa Mainframe Midnight
Todo mundo, em algum momento da vida, já caiu no feitiço de um personagem que nunca existiu.
Hoje os analistas falam dos jovens apaixonados por VTubers, waifus e husbandos,
dos que se derretem por pixels, polígonos, desenhos ou palavras de um livro.
Mas isso não é novo — nunca foi.
Os gregos já sabiam disso quando esculpiram o mito de Pigmaleão, o escultor que se apaixonou pela própria obra.
Narciso caiu de amores por seu reflexo.
Heróis e heroínas mitológicas despertavam paixões impossíveis desde antes do alfabeto existir.
E eu, menino de 1986, também não escapei.
Minha primeira paixão verdadeira não era de carne e osso,
não estudava na minha escola,
não morava na Taubaté dos meus sonhos,
e nem passava perto de Guaianazes, para onde a vida insistia em me arrastar.
Ela morava num mundo de fantasia chamado Reino,
fazia parte de um grupo amaldiçoado por um mestre de cavalete e roteiro,
e tinha um sorriso que perfurava qualquer tristeza que eu carregasse no peito.
Estou falando dela:
Sheila.
A Ladina.
A ruivinha sardentinha de “Caverna do Dragão.”
A Ladina e o Menino em Ruínas (Taubaté → Guaianazes: o salto quântico emocional)
1986 foi meu “ano zero”.
O divórcio dos meus pais,
as brigas em casa,
a ameaça de deixar Taubaté — minha terra macia —
para cair em Guaianazes — minha selva desconhecida.
O mundo estava caindo.
Eu era um pré-adolescente tentando entender por que tudo ficou tão frio tão rápido.
Mas então, todo dia na televisão,
lá estava ela,
com seu manto de invisibilidade,
aquele jeito tímido, inocente, doce,
aquele rosto com sardas que pareciam constelações de outro universo.
E, sem perceber, eu me apaixonei pela personagem.
De verdade.
A cabeça sabia que havia uma linha entre 3D e 2D,
mas o coração?
O coração é analógico.
Não tem resolução para separar fantasia de abrigo emocional.
Sheila virou uma espécie de bóia salva-vidas na enxurrada que foi 1986.
O AMOR IMPOSSÍVEL (e todas as meninas que carregavam um pedacinho dela)
Claro que eu tinha amigas 3D —
Livia, Fernanda, Fabíola, Efigênia…
Meninas reais, risadas reais, ombros reais quando o coração ficava pesado.
Mas havia algo silencioso entre eu e elas:
eu estava procurando um eco da Sheila em cada uma.
Um gesto doce.
Um sorriso tímido.
Uma calma que atravessava o caos.
Aquela delicadeza que só uma personagem 2D consegue ter,
porque foi desenhada exatamente para que a gente se apaixone.
Sheila foi minha versão particular de “a fruta no galho mais alto”.
Inacessível.
Irreal.
E justamente por isso — perfeita para aquele momento.
Enquanto tudo desmoronava em casa,
a ruivinha sardentinha segurava parte da minha alma com as duas mãos.
O QUE FICA DEPOIS DO DESENHO
Hoje, olhando para trás, vejo com nitidez:
Eu não estava apenas apaixonado pela Sheila.
Eu estava apaixonado pela sensação de segurança,
pelo manto de invisibilidade emocional
que ela representava para um menino ferido.
Ela era:
• o abrigo,
• o ideal de doçura,
• o sorriso que não gritava,
• a fantasia que não se quebrava,
• a aventura que não terminava em briga.
E a paixão 2D?
Meu amigo…
Ela foi só o nome que meu coração deu para sobreviver àquele capítulo turbulento.
E NO FIM, É SEMPRE ASSIM
A gente acha que se apaixona por uma personagem 2D.
Mas, na verdade, quem nos apaixona é
o que ela ativa dentro de nós.
E Sheila ativou um pedaço meu que estava precisando de cuidado.
De abraço.
De magia.
De algo bonito no meio da tempestade.
Talvez seja isso que os especialistas de hoje esquecem:
Paixões 2D não são fuga.
São portos temporários.
E o menino de 1986 precisou muito desse porto.
Não imaginava que muito anos depois enfim encontraria uma ladina... mas isso já é historia para outro dia.
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