quinta-feira, 14 de março de 2024

📜 O Retorno, Parte II — O Velho da Montanha e o SilĂȘncio do Mundo

 


📜 O Retorno, Parte II — O Velho da Montanha e o SilĂȘncio do Mundo
por El Jefe, Bellacosa Mainframe Edition

Dez anos se passaram desde o retorno.
O tempo fez o que sempre faz: apagou alguns rastros, aprofundou outros, deixou a alma com cicatrizes que sĂł se sentem em dias de silĂȘncio.

Cinquenta anos de idade — a curva do caminho onde o corpo desacelera, mas o pensamento ganha fĂŽlego.
Hoje, olho pra trås e me vejo partindo em 2002, cheio de sonhos, cruzando o Atlùntico com a cabeça leve e o coração aberto. O mundo parecia vasto, possível, ainda cheio de cores.
A Europa era o cenĂĄrio, mas o enredo era meu.

Quando voltei, em 2014, o Brasil me pareceu um espelho embaçado.
Agora, dez anos depois, percebo que o mundo inteiro virou esse espelho — rachado, confuso, ruidoso.
Guerras, extremismos, ruĂ­nas polĂ­ticas, falsos profetas de todas as ideologias.
NĂŁo existe mais aquele “lĂĄ fora” que um dia me encantou.
E o “aqui dentro” aprendeu a se defender ficando quieto.

A dorzinha ainda estĂĄ aqui.
NĂŁo Ă© grito, Ă© suspiro.
Um incĂŽmodo discreto, desses que se sentam contigo no fim do dia e perguntam:
“Lembra de quem vocĂȘ era?”

Sim, lembro. E Ă s vezes sinto falta.
Mas entre um voo e outro — Lisboa, Porto, Madrid, Paris — jĂĄ aprendi que o retorno nunca mais serĂĄ completo.
Hoje cruzo o oceano como turista, e talvez seja isso que me mantém são: saber que o passado continua lå, mas que não hå mais casa possível no tempo.

Meu filho cresce em Portugal.
É estranho vĂȘ-lo seguir um caminho que parece o mesmo que um dia escolhi, mas com uma leveza que jĂĄ nĂŁo tenho.
Ele Ă© o futuro, eu sou o arquivo — um dataset antigo, ainda funcional, mas lido apenas por quem entende a linguagem.

A polĂ­tica ficou pra trĂĄs.
As ilusÔes também.
Sobrou o professor, o consultor e o velho da montanha — meio ermitĂŁo, meio filĂłsofo de estrada, vivendo longe da confusĂŁo, aprendendo a ouvir o som do vento e o ruĂ­do da prĂłpria respiração.

Descobri que a paz nĂŁo Ă© o oposto da guerra, Ă© a arte de nĂŁo participar dela.
E que o silĂȘncio, esse companheiro fiel, Ă© o mais honesto dos diĂĄlogos.

Hoje, se me perguntam se sou feliz, nĂŁo sei responder.
Mas sei que sou inteiro — mesmo que em pedaços.
E isso, aos cinquenta, Ă© uma forma de vitĂłria.

☕️ Bellacosa Mainframe — porque algumas almas sĂł rodam bem no modo batch, processando o tempo em silĂȘncio.

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