O Beijo do Enigma
Houve um tempo em que o mundo cabia dentro de um teatro.
Chamava-se Enigma, e era mais que um lugar — era um refúgio.
Entre cortinas vermelhas e risadas de juventude, encontrei Patrícia.
A musa que não pedi, mas que o destino insistiu em colocar no meu caminho.
Ela chegou como se o universo tivesse dado “play” em uma nova trilha sonora.
Aos treze, não sabia o que era o amor — só o senti.
Ela se tornou o meu norte, meu referencial, meu verso inacabado.
O beijo dela... ah, aquele beijo… ainda vive em mim,
como se o tempo tivesse parado só para assistir.
E havia as cartas.
O carteiro que atravessava a cidade trazia o mundo dela em envelopes simples,
cada palavra escrita como um fio que me puxava para perto dela.
E havia também as ligações.
O telefone tocava, e ouvir sua voz era sentir o universo inteiro
reduzido a segundos de riso, de hesitação, de calor.
Cada “alô” carregava o poder de parar a respiração,
de fazer o coração dançar entre alegria e saudade.
E havia as madrugadas, silenciosas e insones,
quando a cidade dormia e eu escrevia versos pensando nela.
Palavras improvisadas, sentimentos crus, sonhos desordenados
transformavam-se em poesia que só eu lia,
mas que guardava cada fragmento dela,
cada rastro do que sentia e nunca se apagaria.
Depois vieram os anos — implacáveis, mudos, necessários.
Nos tornamos memórias ambulantes um do outro:
primeiro namorados, depois amigos, depois ecos.
E no fim, apenas conhecidos.
Mas a alma reconhece o que o tempo finge esquecer.
Alguns lugares guardam marcas que ninguém mais vê.
A Avenida Tiradentes, o Shopping Paraíso,
os encontros com Amélia, os caminhos pelo Parque do Ibirapuera —
São Paulo inteira respira Patrícia em cada sombra, em cada riso antigo.
Cresci nesta cidade, me tornei quem sou aqui,
e certos amores, mesmo distantes,
se tornam parte da paisagem da alma.



