🌆 El Jefe Midnight Lunch – Bellacosa Mainframe Log nº 005
“Meu Pai, o Super-Herói do Formigueiro”
Hoje eu escrevo não para debochar, não para cutucar feridas familiares, não para repassar as falhas que tantas vezes narrei com ironia ou mágoa.
Hoje é mea culpa.
Confissão.
Revisão de código emocional.
Porque, sim — eu já listei defeitos do meu pai como quem roda IEBGENER despejando linha por linha sem filtro, sem compressão. Já contei episódios que machucaram, já mostrei versões dele cheias de abend S0C7, falhas lógicas, corrupção de memória emocional. Mas existe uma verdade que preciso gravar neste blog como se fosse LOAD TO PDS PERMANENTE:
meu pai também foi herói.
De verdade. Daqueles que sangram e salvam.
Não sei se veio dos tempos de escoteiro.
Não sei se foi o treinamento duro na Polícia do Exército.
Só sei que havia nele algo raro:
conhecimento de primeiros socorros + uma coragem temerária, daquelas que fazem alguém correr em direção ao acidente enquanto os demais recuam ou entram em desespero. Se fosse em nossos dias estariam filmando e fazendo selfies.
E o trânsito brasileiro — você sabe — não perdoa nem no século XXI.
Imprudência alcoólica, velocidade inconsequente, ultrapassagem suicida, farol ignorado…
Um campo de batalha diário.
E lá estava Wilson, sempre em circulação: ônibus, caminhão, táxi, quilômetros de asfalto sob pneus e destino.
E quando havia acidente… ele não desviava.
Ele parava.
Sinalizava a via.
Corria.
Prestava socorro.
Voltava para casa com sangue seco na camisa e histórias que ele contava nas festas como quem narra guerra vencida com as próprias mãos.
E eu vi.
Com estes olhos que agora digitam.
Padaria da Vila Rio Branco, rua Utrecht.
Um Fusca verde atropela uma criança — pequena demais para o impacto da vida.
Antes da multidão, antes do caos, antes da gritaria, meu pai voou.
Literalmente.
Levantou o carro — sim, levantou — com ajuda de outros, mas ele na linha de frente, joelho cravado no asfalto, rosto vermelho de esforço.
Resgatou a criança do assoalho quente, aplicou primeiros socorros, conteve o sangramento até que outra alma caridosa a levou para o Hospital da Penha.
Eu, pequeno, petrificado.
Vendo meu pai com o carro erguido no ar.
Como se fosse Hulk em versão SP suburbana.
Como se nada no mundo fosse mais importante do que aquele menino preso entre o metal e o medo.
Outras vidas ele salvou.
Outras ele somente acompanhou no último suspiro — mas não deixou as pessoas morrerem sozinhas.
Essa parte ninguém conta, ninguém ergue estátua, ninguém registra na Wikipédia.
Mas eu registro aqui.
Porque às vezes esquecemos que heróis reais não usam capa.
Usam chave de fenda no bolso, mãos calejadas, coragem imprudente.
Erram muito.
Acertam onde importa.
Meu pai — com todas as falhas, com todos os logs sujos, com todo o dump de mágoas —
foi super-herói de formiguinha.
Daqueles anônimos que sustentam o mundo nas costas sem plateia.
E hoje, finalmente, eu reconheço.
Bellacosa — desligando, coração em RC=0000, consciência mais leve no spool.
Ps: Muitos anos depois, inspirado nesses eventos do meu pai, em diversos locais que trabalhei, sempre me escrevia como voluntario na Brigada de Incêndio e ao longo dos anos fiz alguns cursos de primeiros socorros, para poder ajudar, mas isso acaba sendo uma história para outro dia.
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