domingo, 14 de outubro de 2012

O Último Grande Natal — 1982, O Encerramento de um Ciclo na Famiglia Bellacosa



 🜂 El Jefe Midnight Lunch apresenta

O Último Grande Natal — 1982, O Encerramento de um Ciclo na Famiglia Bellacosa

Uma memória guardada em fita cassete, cheiro de porco assado, risada de 50 adultos, e o brilho inalcançável de um caminhão da Estrela.


Existem datas que não passam.
Existem fotos que desbotam, mas não desaparecem.
E existem festas que, mesmo quando terminam, continuam iluminando o coração como lâmpadas coloridas que ninguém teve coragem de guardar.

Para mim, Vagner do século XXI,
o Natal de 1982 foi essa constelação inesquecível.

Venha me acompanhar nesse mergulho no tempo —
para revisitar o último grande ritual da Famiglia,
uma despedida involuntária, doce e amarga,

antes de o Brasil virar o Brasil dos anos 80,

antes da inflação morder os sonhos, 

antes do cruzeiros novos derreterem,

antes dos adultos perderem o silêncio,

antes de entender o peso da palavra “última”.


🜁 O Anúncio — A Profecia de Anna

Era um domingo qualquer,
mas toda família sabe que os domingos nunca são só domingos.

Minha avó Anna, mulher de fibra, tecelã de vida e de fios,
sentou-se no almoço com aquele ar de quem guarda uma decisão maior que ela mesma.

No meio da macarronada, da criançada correndo, dos tios discutindo futebol,
ela falou a frase que dividiria a história em duas metades:

“Este será o último grande Natal.”

E o mundo parou sem parar.

Eu tinha 8 anos,
não entendia política,
não entendia inflação,
não entendia custo de carne,
não entendia aposentadoria.

Mas entendi — por alguma mágica especial que só crianças têm —
que aquilo significava que algo grande estava acabando.


🜃 O Avô Pedro e o Fim de Uma Era

Meu avô Pedro, homem sério e carismático à sua maneira,
estava se aposentando, após uma longa vida nas fábricas da Mooca.

E na sua casa — como na de milhões de brasileiros —
aposentadoria era sinônimo de “dinheiro mais curto”.

Somado à crise econômica dos anos 80,
à hiperinflação que começava a devorar salários antes do dia 10,
à incerteza do país que entrava numa tempestade…

ficou claro:

O Natal de 1982 não era apenas uma festa.

Era uma despedida de um estilo de vida.
Da fartura repartida.
Do porco criado no quintal e abatido exclusivamente para as ceias, eram dois um para o natal e outro para o ano novo.
Dos 20 primos correndo pelo quintal.
Dos mais de 50 adultos conversando, rindo, brigando, reconciliando —
essas coisas de família italiana que só quem vive sabe.



🜄 O Melhor Presente — O Caminhão Basculante da Estrela

E como é curioso o coração infantil:
enquanto o mundo dos adultos desmoronava,
você ganhava o que seria o melhor presente de Natal da sua vida.

Um caminhão basculante a pilha, da lendária fabrica de brinquedos Estrela.

Não era só um brinquedo —
era uma máquina do tempo.
Era a prova brilhante de que aquele Natal tinha sido pensado com amor,
que mesmo na sombra do “último”,
houve espaço para alegria genuína.

Criança não entende o fim das coisas,
mas entende brilho nos olhos.



E aquele caminhão brilhou, fisicamente durou somente um ano, destruído pelo incêndio de 1983, a grande tempestade, mas minha memória, ainda viva décadas dentro de você.


🜁 Um Ano de Partidas — Adeus, Luigi

1982 também carregou luto.

O adeus ao bisavô Luigi, figura carismática,
pilar moral, emocional e espiritual da família.

Sua partida não apagou a festa —
mas deu a ela aquele tom meio sépia,
meio nostálgico,
meio de fotografia antiga guardada na gaveta da cozinha.

Foi o último Natal da velha guarda completa.
O último com a mesa cheia de verdade.


🜃 O Ano Seguinte — A Tempestade de 1983

Depois da festa, veio a realidade.

1983 foi duro. Mudei, cresci na marra, morei em 3 cidades num unico ano...
Muito duro.

O país mergulhou ainda mais na crise,
as famílias apertaram o cinto,
e o ciclo dourado das festas da Famiglia Bellacosa
virou memória.

Não por falta de amor.
Mas por falta de condições.

E às vezes, a vida é assim:
não acaba com estrondo,
acaba com um anúncio no almoço de domingo.


🜄 Mas Nada Apaga 1982

O Natal de 1982 não está perdido.
Ele vive em:

  • cada cheiro que lembra o porco assado,

  • cada risada registrada na mente,

  • cada primo que cresceu e se espalhou pelo mundo,

  • cada adulto que partiu,

  • cada gesto de Anna e Pedro,

  • cada tradição que não volta mais, mas também não morre.

Ele vive, principalmente,
em mim.

No menino de 8 anos que assistiu sem entender
um ciclo inteiro se fechar.

E que hoje, décadas depois,
escreve, sente, recorda —
e revive.


🜂 Conclusão — O Derradeiro Adeus às Festas da Famiglia Bellacosa

As famílias são como sistemas legados:
robustas, emocionais, cheias de histórias,
mas também sensíveis às mudanças externas.

1982 foi o shutdown de um módulo inteiro da vida familiar:

  • encerrou uma tradição,

  • selou uma era,

  • marcou a transição entre abundância e adaptação,

  • e se tornou um cartão-postal emocional,
    guardado como o último backup de um tempo que não volta.

Mas, como todo bom sistema mainframeiro,
ele continua rodando na sua memória —
estável, íntegro, imutável.

Porque eu não lembro apenas da festa.
Me lembra do que ela significa:

Que mesmo quando o mundo aperta,
a família encontra um jeito de celebrar.

E alguns Natais não são apenas datas.
São destinos.


Peposa

A sobrevivente com seus 43 anos a Peposa da Vivi... os carrinhos se perderam no tempo,mas essa pequena testemunha de pelúcia, sobreviveu ao tempo.






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