EL JEFE MIDNIGHT LUNCH
DONA MERCEDES — O CORE SYSTEM DA MINHA VIDA
por Bellacosa Mainframe
Há datas que não se apagam.
Algumas viram cicatriz. Outras viram tatuagem na alma.
29 de agosto de 2010 foi as duas coisas: um abend definitivo no coração deste escriba, o desligamento do sistema mais importante que já conheci — minha mãe.
Dona Mercedes não foi apenas minha mãe.
Foi coautora, debugger emocional, analista de suporte vital, e personagem coadjuvante — embora essencial — em cada aventura dessa minha existência meio torta, meio épica, cheia de riso, pancada, poeira, fusquinhas vermelhos, latrinas assassinas e caminhos improváveis.
E em todas essas histórias que o leitor fiel do El Jefe Midnight Lunch já conhece, sempre havia um dedinho de Dona Mercedes ali, escondido entre as linhas, como quem mexe na memória do mainframe e injeta amor sem ninguém perceber.
🌾 ORIGEM: O PRIMEIRO BOOT DO SISTEMA
Dona Mercedes nasceu em Cornélio Procópio, no Paraná, filha de colonos vivendo em um regime duro, daqueles em que o suor era mais constante que o sol.
Família grande, terra pouca, dívida muita.
Vida que começava cedo, sem tutorial, sem manual, sem help desk.
Antes mesmo de entender o mundo, ela já criava irmãos, ajudava no plantio, e trabalhava como babá e empregada doméstica ainda menina.
Estudar?
Não teve essa luxury feature.
A escola dela foi a vida — e foi mestra severa.
🏙 MIGRAÇÃO PARA SÃO PAULO — O PRIMEIRO UPGRADE
Veio para São Paulo com o primário, coragem no bolso e esperança no coração.
Trabalhou a vida inteira.
E ainda arrumou espaço para amar, casar, ter cinco filhos — onde este humilde escriba Bellacosa foi o terceiro processo na fila do batch.
Foram 15 anos de casamento com meu pai, entre brigas, separações, reconciliações e, por fim, o divórcio.
Mas Dona Mercedes era daquelas que faz IPL após desastre:
cai, levanta, recompila, segue.
Quando finalmente veio a separação definitiva — e isso é curioso — a família ganhou estabilidade.
Eu já trabalhava, ajudava em casa, e a vida de penúria foi sendo gradualmente apagada do spool.
🏡 1995 — A CONSTRUÇÃO DO PROJETO MERCEDES
Com sacrifício, suor e fé na marreta, comprei em 1995 o terreno onde futuramente ergueríamos a casinha dela.
A fortaleza.
O castelo possível.
Em 1999, levei para Itatiba a mulher que passou a vida carregando o mundo nas costas.
Ela finalmente teve paz.
Sol.
Rotina.
Família por perto.
E risadas — muitas risadas.
Porque Dona Mercedes sempre foi festeira por natureza.
Se tivesse existido carnaval no interior do Paraná, ela seria porta-bandeira.
✈️ 2005 e 2009 — O SONHO DA MENINA DO PARANÁ
Eu jamais esqueço da cena: minha maezinha — a antiga menina da roça — caminhando pelas ruas de Portugal, olhando castelos, azulejos, igrejas centenárias…
Era como se o mundo dissesse a ela:
“Olha onde você chegou.
Olha o tamanho da sua força.”
Levei-a novamente em 2009, porque memórias boas devem ser replicadas como backup redundante e conhecer o novo membro da famiglia: Luis Renato.
❤️ SAÚDE, LUTA E O ÚLTIMO BATTLE MODE
Mas a vida cobra.
E ela cobrou cedo.
A febre reumática que minha mãe pegou ainda criança, sem remédio, sem recurso, sem hospital, acabou por danificar a válvula aórtica.
Diagnóstico só veio em 1979, quando ela estava grávida do Dandan.
Foram quatro cirurgias.
Quatro batalhas épicas de alguém que já tinha lutado demais.
Na última, o corpo cansou.
E em 29/08/2010, minha maezinha partiu aos 56 anos.
Jovem demais.
Boa demais.
Importante demais.
🧩 A PEÇA QUE UNI A FAMÍLIA
Dona Mercedes não era só mãe.
Era o elo agregador, o middleware emocional, o sistema de mensagem que mantinha todos conectados.
Sabia de tudo.
Contava tudo.
Armazenava cada pequena vitória ou drama dos filhos como se fossem registros preciosos.
Era o nosso CICS familiar: sempre ativa, sempre atendendo requisições, sempre resolvendo tranqueira.
🕊 SAUDADES QUE FICAM
Hoje, quando puxo na memória todas as cidades, poeiras, aventuras, fusquinhas, poços cheios de brinquedos, latrinas assassinas, aranhas, escorpiões, galinhas psicopatas e odisséias interioranas…
Em todas elas, lá estava ela.
Mesmo quando não estava fisicamente — estava na intenção, no conselho, no afeto.
A verdade é simples e brutal:
Eu só fui quem fui porque Dona Mercedes existiu.
E sigo sendo quem sou porque ela ainda existe — aqui, no código-fonte da minha alma.





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