1979 – O Nascimento do Dandan: O Dia em que a Morte Quase Derrubou Nosso Sistema
(Bellacosa Mainframe – El Jefe Midnight / Arquivos da Família em Modo HEX)
Em outro post, meus cartões perfurados já tinham rodado o job que trazia o ano de 1979 de volta para a memória principal. Mas aquilo era o modo soft, a narrativa otimista, travestida de açúcar cristal.
Agora, vamos acessar o dataset bruto, sem filtros, sem SLIP, sem EXIT para suavizar.
A vida da minha família, naquela década, parecia um mainframe antigo sofrendo com sobrecarga, paradas não programadas e abends fatais. E eu só entenderia o tamanho disso muito tempo depois.
Os Dois Que Vieram Antes de Mim – Jobs Abortados por Falhas do Sistema de Saúde
Eu sou o terceiro filho.
Mas antes de mim já tinham passado dois pequenos programas que nem tiveram chance de subir para production.
Wilson Jr, o primogênito, resistiu apenas cinco meses.
Broncopneumonia.
Minha mãe — uma menina de 19 anos, inexperiente, assustada — confiou no hospital.
E o hospital devolveu apenas silêncio, infecções oportunistas e um caixãozinho branco.
Depois veio Ana Cristina.
Prematura.
Fruto de um choque violento: minha mãe descobriu uma traição do meu pai.
O susto virou parto antecipado; e o parto virou perda.
Outra vida que não encontrou tempo para florescer.
Duas dores que nunca foram embora.
Só ficaram ali, rodando em background.
1974 – Finalmente Eu, o Terceiro Job da Linha
Nasci em 1974, carregando no peito a sombra dos irmãos que não voltaram para casa.
Em 1975 veio a Vivi, minha parceira de crime, minha dupla dinâmica na infância.
Mas entre nós e eles, entre um nascimento e outro, o caos seguia firme.
Brigas.
Fechamento temporário da fábrica.
Uma separação.
Um exílio em Guaianases na casa da minha avó Alzira — aquele tipo de exílio que cabe em sacolas de feira, com promessa vazia, juras de mudança, lágrimas silenciosas.
Voltaram.
Reataram.
Temos depois me deixaram um tempo com a minha avó Anna — eu, pequeno, sem entender nada, apenas obedecendo à linha de comando dos adultos.
Mas no retorno…
Havia um quarto elemento silencioso.
O Dandan estava a caminho.
A Descoberta do Problema Cardíaco – E a Gravidez que Virou Jogo da Morte
Minha mãe recebeu uma notícia que mudaria tudo:
Uma doença cardíaca, fruto de infecções de garganta mal tratadas na infância, febre reumática e, como diziam, “látex no sangue”.
Era uma bomba-relógio no peito de uma mulher que já havia enterrado dois filhos.
A gravidez do Dandan virou uma roleta russa.
Consultas, dores, repouso obrigatório, idas e vindas ao hospital.
E cada ida era um risco real.
O médico não dourou a pílula:
— "Wilson e Mercedes, se tiverem outro filho depois desse… dos dois, ninguém voltará do hospital."
O Parto do Dandan – Nascido no Modo Emergencial
Dandan nasceu antes da hora.
Frágil.
Pequeno.
Com a vida dependurada num fio fino, quase invisível.
Minha mãe também quase se foi.
E aí aconteceu uma das maiores demonstrações de coragem que já ouvi:
Ela peitou médicos, enfermeiros, protocolos, todo mundo.
Disse que levaria o Dandan para casa.
— “Perdi dois. Se deixar aqui, perco o terceiro. Eu cuido dele. Nem que tenha que vir todo dia.”
E ela foi.
E ela cuidou.
Minha avó Anna veio ajudar — aquela santa mulher que sustentou metade da família mais de uma vez.
E nós, os dois diabinhos, assistíamos tudo como quem vê um milagre acontecer na cozinha de uma casa simples.
Gigi, a Girafa de Borracha – Meu Primeiro Amuleto
Nessa época, ganhei algo que para mim foi quase um totem mágico:
Gigi, a girafinha de borracha.
Pequena, amarela, meio torta — mas era ela quem me ajudava a dormir nas noites em que a casa respirava medo e esperança ao mesmo tempo.
As Fórmulas de Baunilha e Tutti-Frutti – O Sabor da Sobrevivência
O hospital recomendou fórmulas nutricionais para minha mãe e o Dandan.
Eles odiaram.
Quem amou?
Eu e a Vivi.
Misturávamos aquilo em mingau, papinha, suco improvisado…
Era uma experiência sensorial que só quem viveu entende:
o sabor de uma infância dura, mas saborosa nos pequenos detalhes.
E Assim, Contra Todas as Probabilidades… Ele Viveu
Dandan cresceu.
Sobreviveu.
E nós sobrevivemos junto.
Aquele ano — duro, cinza, tenso — deixou marcas profundas no nosso firmware emocional.
Mas também deixou beleza.
Deixou força.
Deixou o exemplo de uma mãe que lutou como uma leoa.
De uma avó que segurou o mundo nas costas.
E de um bebê que venceu estatísticas, médicos e até a própria fraqueza do corpo.
1979 não foi só um ano duro.
Foi um ano lendário.
Um ano que provou que, às vezes, milagres acontecem em casas simples, com sacolas de feira, gelatina mole, medo constante e uma girafa de borracha como guardiã da noite.