O Panetone da Dona Mercedes — Quando a Cozinha Virou Mainframe e 1982 Foi Nosso JOB de Natal
Existem memórias que não apenas voltam — elas bootam dentro da gente.
Carregam devagar, como um IPL frio de um mainframe antigo, até que de repente tudo aquece, ganha vida e você sente aquele cheiro inconfundível do passado.
No meu caso, esse cheiro é de panetone assando na cozinha da Dona Mercedes, minha saudosa mãezinha, em pleno ano mágico-derradeiro de 1982.
Sim, aquele mesmo 1982 que contei no outro post:
o último grande Natal da Famiglia Bellacosa, o fim de um ciclo de fartura antes que a aposentadoria do vô Pedro e a tempestade econômica dos anos 80 transformassem nossa vida.
Mas antes do adeus às grandes festas, antes da inflação virar o demogorgon da economia brasileira, antes de 1983 dar sua voadora histórica…
teve o panetone da Dona Mercedes.
E, meu amigo… aquilo virou lenda de sistema legado.
O Mistério das Latas de Leite Ninho (Release: Mercedes v1.0)
Durante o ano inteiro, minha mãe foi acumulando latas de Leite Ninho.
Pequenas, médias, grandes…
A cozinha parecia o HSM (Hierarchical Storage Management) da Nestlé.
Nós — eu, Vivi e Daniel — achávamos apenas curioso.
Criança não lê logs administrativos.
Só percebe o evento quando o abend estoura.
Mas lá estava ela, absolutamente determinada, cheia de planos e segredos, como se tivesse recebido um business requirement direto do Papai Noel.
Mais tarde entendemos:
as latas seriam formas improvisadas de panetone, solução engenhosa e totalmente Bellacosa-style para assar dezenas de unidades sem falir nos utensílios.
Improviso nível mainframe:
"Se não tem budget, usa gambiarra."
A escola de engenharia brasileira agradece.
Quando a Cozinha Virou um CPD
No avançar de dezembro, começamos a notar uma movimentação estranha.
Bagunça. Massa para todo lado.
Testes. Compilações gastronômicas.
Primeiro veio a fase POC — Proof of Cake.
Panetones de teste.
Nós, claro, servíamos como QA (Quality Appetites).
E aprovávamos todos.
Depois veio a fase produção:
uma ida épica ao armazém de panificação —
-
frutas cristalizadas,
-
uvas passas (a moeda oficial do Natal),
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essência de panetone,
-
saquinhos natalinos brilhantes
…e um aroma que parecia o SNA (Sistema Nervoso Afetivo) inteiro resetando.
E foi ali, naquele ambiente, que percebemos:
minha mãe estava preparando uma operação industrial de panetones caseiros.
A Dona Mercedes virou, literalmente, uma batch job scheduler da própria casa.
Meu pai entrava como operador, abrindo as latas, ajustando, cortando, deixando o “device” pronto para execução.
Cada fornada era uma JCL enviada para execução:
//NATAL82 JOB (FAM), 'PNTONE', MSGCLASS=A
e o forno rodava, firme como um MVS 3.8 rodando o JES2 na unha.
A Produção em Massa — Level: Famiglia Bellacosa
A família era grande.
Muito grande.
Para um Natal com mais de cinquenta adultos e vinte primos,
era preciso escala, meu amigo.
E a Mercedes entregou escala.
Os panetones cresciam lindos dentro das latas de Leite Ninho,
como se dissessem:
“Te prepara, esse será o último Natal grandioso — então vamos fazer bonito.”
E fez.
O aroma tomava a casa inteira.
Subia pelas paredes, entrava nos quartos, grudava na gente.
Hoje entendo: era memória sendo impressa, spoolada no coração.
A produção foi tão épica que até os vizinhos receberam um panetone.
Porque generosidade, naquela época, era default.
E carinho não tinha inflação.
O Ano que Tudo Mudou, Mas Nada Se Perdeu
1982 foi aquele marcador de fim de ciclo.
O último super-Natal.
Depois vieram os anos duros, a crise, as mudanças.
Mas o panetone da Dona Mercedes ficou.
Ficou na lembrança do aroma,
na bagunça da massa grudada na mesa,
nas latas de Leite Ninho empilhadas como discos 3380,
no sorriso das crianças testando cada fornada como se fosse a primeira.
Ficou como fica um dataset catalogado e nunca apagado.
Um membro importante da biblioteca da alma.
Conclusão — O Panetone Como Memory Dump da Infância
Hoje, quando lembro daquele 1982,
percebo que a verdadeira festa não foi apenas a última reunião da família inteira.
Foi ver a Dona Mercedes
criando magia com as próprias mãos,
transformando sucata em ferramenta,
transformando farinha em afeto,
transformando dezembro em história.
É por isso que, aqui no El Jefe Midnight Lunch,
no turno da madrugada, quando minha mente está mais viva,
eu resgato essa memória e a deixo registrada no spool do tempo.
Porque alguns panetones a gente come.
Outros a gente guarda para sempre.
E o da minha mãe?
Ah… esse nunca saiu do meu coração.