🛒 Bellacosa Mainframe — Dump de Memória: Supermercado Versão 1970
El Jefe Midnight Lunch – Log nº 004
Ir ao supermercado.
Hoje banal, corriqueiro, item de rotina como rodar um batch diário: vai, pega, paga no cartão, volta, reclama do preço do tomate.
Mas lá nos anos 1970... ah, aquilo era mainframe de 64k rodando Apollo 11, era foguete, era portal dimensional aberto uma vez por mês — e olha lá.
Supermercado era templo.
Lugar de ir arrumado. Roupa de sair. Chinelo? Jamais.
A família entrava séria, solene, como quem pisa no Vaticano do consumo. Corredores que pareciam infinitos, caixas registradoras estalando como impressoras matriciais, etiquetas coladas a mão, promotoras com penteado de laquê estruturado em código IBM 360.
Não existia padaria, não existia hortifruti — isso é feature de patch muito posterior, update da década de 80 pra frente.
Era secos e molhados. Só. Mas, paradoxalmente, era um mundo vasto:
Latas de sardinha por marca, sabão em pó por cor, óleo por litro em garrafa de vidro, arroz em saco grosso costurado na boca, macarrão de pacote áspero, firme como TPU militar.
Naquele tempo o mercado não era um oligopólio, era farol aberto: dez marcas de goiabada, vinte de café, açúcar cristal de fábrica pequena que ninguém lembra mais.
E como não tínhamos muitas posses, a viagem era mensal.
Compra de guerra. Compra de sobrevivência.
Um mês inteiro decidido em 1 hora de carrinho.
Às vezes o Fusca azul do meu pai carregava tudo no porta-malas minúsculo e no banco de trás, esmagando filhos e mantimentos no mesmo payload.
Outras vezes o Fusca pifava (o normal, diga-se) e aí entrava em cena o meta recurso milagroso: a Kombi do supermercado.
Clássica. Ladeirando pelas ruas, barulhenta, cheirando mistura de pão dormido, diesel e detergente.
Mas compra boa mesmo — ah, meus amigos — era com Vó Anna.
Aí a coisa mudava de patamar de processamento.
Dois, três carrinhos. Fácil.
Eu, pequeno oni glutão, seguindo como subtarefa autorizada, torcendo pelos itens proibidos, pelos chocolates, pelas balas, pelo achocolatado que durava três dias em vez do mês inteiro.
Acompanhá-la era como entrar no modo bonus.
Era o Chefão final do RPG abrindo portal secreto só pra mim.
Porque até então minha realidade era outra:
comprar óleo avulso na mercearia, embrulhar em sacola de pano, trazer meia dúzia de itens miúdos para casa — transação simples, sem glamour.
Mas no supermercado mensal com a família?
No ritual triunfal com a avó?
Aquilo era entrar no paraíso da abundância.
Era o spool infinito onde tudo era possível, onde sonhos tinham código de barras.
Saía de lá flutuando, carregando sacolas como troféus, sentindo que tinha invadido um data center de delícias, capturado loot raro e voltado vivo para contar.
Hoje passo pelo mercado como quem troca storage sem emoção.
Mas se fecho os olhos…
a luz fluorescente azulada ainda acende, o corredor se abre, o carrinho range em 8 bits…
E eu volto.
Pequeno, feliz, segurando uma lata de pêssegos em calda como se fosse ouro.
🛒✨
Bellacosa — RC=0, carrinho cheio, coração idem.
Ps: Anos mais tarde iria me maravilhar com a Praça do Jumbo em Taubaté, que era o máximo em sonho de consumo, um dos primeiros Hipermercados com a mistura de mercado com loja de eletrodomesticos.
Ps2: Nem conto para vocês a primeira vez num Shopping Center, desta vez em Campinas no Iguatemi
Ps3: Mas até hoje guardo com carinho a velha mercearia do Agnello na Vila Rio Branco, passei por mercados, supermercados, hipermercados, ultramercados em mais de 20 países... mas aquelas memorias infantis estão gravadas no fundo da alma.
Ps4: Hoje sinto falta da variedade de produtos, os mercados ficaram tão sem graça com poucas marcas.