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domingo, 12 de agosto de 2018

🌄 Taubaté: Onde Fui Feliz Sem Saber

  





🌄 Taubaté: Onde Fui Feliz Sem Saber

Por El Jefe — Bellacosa Mainframe Chronicles

Há cidades que passam por nós.
E há cidades que ficam — como tatuagem, cicatriz e perfume antigo.

Porque amei — e ainda amo — a cidade de Taubaté.
Foram quase quatro anos vivendo ali, mas cada dia parecia um verão inteiro. Posso afirmar, sem cerimônia, que foram os anos mais intensos e livres da minha vida.

Andava de bicicleta pra lá e pra cá — Caçapava, Tremembé, Quiririm, distritos perdidos na Mantiqueira. Taubaté era plana, aberta, convidativa. Uma cidade feita para se andar a pé, com o vento leve batendo no rosto e a sensação de que o tempo não tinha pressa.

O povo, ah o povo... acolhedor, divertido, cheio de causos e risadas. Dava pra nadar nas lagoas, pescar no rio Paraíba, mergulhar na culinária do interior com pastel de feira, caldo de cana e aquele frango com quiabo que abraçava o estômago e o coração.
Havia verde por todos os lados, bosques, matas, córregos, e o mar de Ubatuba logo ali, como promessa de um fim de semana sem relógio.

Era um tempo doce. Não havia violência nas esquinas.
As crianças brincavam na rua até tarde, e a noite era um convite à liberdade — e não ao medo.
Gostava das escolas por onde passei, dos amigos que a vida me presenteou, dos amores, sapequices e pequenas rebeldias que ajudaram a moldar o homem que me tornei.

E no centro de tudo, um refúgio: a Biblioteca Municipal, meu templo.
Entre aquelas prateleiras, minha imaginação voava sem limites. Ali, aprendi que o mundo cabia dentro de um livro — e que o futuro podia ser escrito com uma caneta azul e um coração inquieto.

Mas um dia, com o coração pesado, parti.
Deixei Taubaté para trás e fui parar na fria, cinzenta e poluída metrópole de São Paulo.
A cidade grande me engoliu com seu concreto e suas urgências.
Mas Taubaté... ah, Taubaté ficou.

Ficou como lembrança que visita nas madrugadas.
Como cheiro de chuva no asfalto quente,
como saudade de um tempo em que a vida era simples — e a felicidade, distraída.


☕ Notas de Rodapé de Um Bellacosa

  1. A liberdade, às vezes, é uma bicicleta e um pôr do sol no Vale do Paraíba.

  2. O homem se forma não nas metrópoles, mas nas cidades pequenas onde ainda é possível ouvir o barulho do próprio coração.

  3. A saudade é o arquivo imutável do nosso mainframe interior.


💭 Epílogo

Hoje entendo: Taubaté foi meu compilador emocional.
Ali, compilei meus sonhos, debuguei meus medos, e rodei o programa mais importante da vida: ser feliz sem saber.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

A Arqueologia do Caos Infantil: Um Relato Bellacosa Mainframe Para o Século XXII

 


A Arqueologia do Caos Infantil:
Um Relato Bellacosa Mainframe Para o Século XXII

No século XXII, quando drones-escavadores, IA paleo-doméstica e arqueólogos com exoesqueleto vasculharem as antigas coordenadas da Rua Ultrecht, eles não farão ideia do que estão prestes a encontrar. Nos relatórios oficiais aparecerá algo como:

“Estrato C-22B — Depósito Ritualístico Lúdico.
Artefatos plásticos mutilados, rodas soltas, cabeças de bonecas e fragmentos de carrinhos.”

Eles vão achar que era algum tipo de culto.
E não estarão tão errados assim.

Mas, antes da escavação, antes do carbono-14 aplicado numa Barbie sem cabeça, antes da perplexidade dos doutores tentando entender por que diabos havia braços de Falcon misturados com rodas de rolimã, existe o contexto.
E o contexto é a sagrada liturgia dominical da Rua Ultrecht.



📜 A Feira de Domingo — A Eucaristia Paulistana

Domingo, sol na cara, pouca verba e muita felicidade.
Minha mãe puxando a velha máquina de macarrão caseiro — aquela de ferro, presa na quina da mesa — e preparando a massa como quem prepara o destino da semana. A missão era clara:

  1. Comprar tomates extra maduros (quase virando geleia, perfeitos pro molho).

  2. Comer pastel de feira (mordida com crocância e queimadura de óleo na língua).

  3. Beber caldo de cana (com ou sem limão, dependendo da coragem).

  4. Comprar um brinquedo vagabundo (que quebrava no caminho de volta, mas tudo bem).

E assim começava o ritual.



🚑 O Hospital de Brinquedos da Rua Ultrecht

Um dia, somando:

  • os carrinhos baratos da feira,

  • os presentes usados que ganhávamos de famílias vizinhas,

  • e nossa capacidade natural de destruir tudo em 48 horas…

…minha casa virou um pronto-socorro de brinquedos.

Carrinhos sem rodas.
Bonecas sem cabeça.
Falcons amputados.
Transformers que só “formavam” meia transformação.
Robôs que só acendiam um olho.
Armas de ray-gun enferrujadas que atiravam com imaginação.

Um caos doméstico organizado, um data center de sucatas infantis, um JES2 de brinquedos esperando encaminhamento.
Até que um dia…




☢️ Evento de Nível Crítico: Modo Faxina Hardcore Ativado

Quando minha mãe entrava no Modo Faxina Hardcore, nem o CICS segurava o commit.
A ordem era simples:

“TUDO QUEBRADO VAI EMBORA.”

Minha irmã e eu acionamos o protocolo padrão de emergência:

  • crianças chorando,

  • apelos emocionais,

  • negociação digna de diplomacia intergaláctica,

  • tentativas desesperadas de esconder itens,

  • gritos silenciosos do tipo ‘não, esse não, pelo amor de Deus!’.

Nada funcionou.



Mãe é igual mainframe rodando system finalization:
quando ela decide, é GO.

E então veio a parte mítica da história.



🕳️ O Poço — O Fim de Todas as Coisas

Ao lado da casa havia um antigo poço de água, profundo, escuro, desativado, quase um buraco dimensional.
Minha mãe, com a serenidade de quem faz o que precisa ser feito, decretou:

“Vai tudo pra dentro.”

E ali, naquele precipício ancestral, o saco gigantesco de brinquedos —
nosso tesouro, nossa bagunça, nossa infância quebrada
desceu para o abismo, como oferenda a alguma entidade subterrânea desconhecida.

Choramos.
Suplicamos.
Lutamos.
E perdemos.



🛸 Século XXII — A Descoberta Arqueológica do Milênio

Agora imagine…
Duzentos anos depois.
Tecnólogos-paleo-infantis encontram o poço.

O drone desce com sua câmera, ilumina o fundo e registra:

“Objeto humanoide decapitado (boneca).
Artefato metálico com rodas ausentes (carro).
Conglomerado plástico derretido (origem desconhecida).
Fragmentos de braço articulado (boneco de ação).”

Os arqueólogos concluem:

“Provavelmente um ritual de sacrifício infantil ligado a práticas domésticas do início do século XXI.”

E estarão quase certos.



Porque aquele poço não era só um depósito.
Era o cemitério oficial da infância barulhenta da Rua Ultrecht, gerenciado por uma mãe que sabia muito bem que:




toda casa tem seu limite.
E todo mainframe precisa de limpeza de spool.