đ Um Ano apĂłs o Retorno — quando o silĂȘncio fala mais alto
por El Jefe, Bellacosa Mainframe Edition
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Quarenta anos cravados.
Aquele nĂșmero redondo, simbĂłlico, que bate no peito como o sino do tempo: “e agora, o que fiz de mim?”
Eu voltava da Europa.
Trazia na bagagem mais que roupas e lembranças — vinha carregado de ausĂȘncias, de vozes que falavam em outros idiomas, de uma calma que o Brasil parece ter desaprendido.
E de repente, o barulho. O calor. O caos.
A dura realidade de um paĂs que te ama com um abraço que sufoca.
O primeiro ano do retorno foi estranho — parecia que eu tinha desembarcado num passado paralelo.
As pessoas falavam das mesmas coisas, riam das mesmas piadas, reclamavam das mesmas dores.
Mas eu… eu jĂĄ nĂŁo era o mesmo.
Meu corpo estava aqui, mas a alma ainda caminhava pelas ruas de Lisboa, Paris ou Milão, procurando aquele café de esquina onde eu me sentia inteiro.
HĂĄ uma dor curiosa em voltar.
NĂŁo Ă© tristeza pura — Ă© um tipo de vazio que nĂŁo grita, apenas existe.
Uma dor silenciosa, educada, que se senta ao seu lado todas as manhĂŁs e te pergunta:
“E aĂ, vocĂȘ ainda se reconhece aqui?”
A verdade Ă© que nĂŁo.
Durante meses, vivi num estado de meia-luz.
Nem lĂĄ, nem cĂĄ.
O estrangeiro em casa, o forasteiro no prĂłprio espelho.
E ninguém pra compartilhar.
Porque esse tipo de dor nĂŁo cabe em palavras simples — ela Ă© feita de lembranças, de cheiros, de tempos que nĂŁo voltam.
Ă a saudade do que fomos em outro lugar.
Mas o tempo, ah, o tempo Ă© um professor paciente.
Aos poucos, ele vai limpando as janelas da alma e a gente volta a ver o sol daqui — diferente, imperfeito, mas nosso.
Hoje entendo: o retorno também é uma viagem.
SĂł que pra dentro.
E Ă© nela que a gente descobre que pertencimento nĂŁo Ă© geografia — Ă© alma em paz com o prĂłprio caminho.
☕️ Bellacosa Mainframe — porque atĂ© o sistema operacional da alma precisa de um IPL de vez em quando.
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