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quarta-feira, 25 de março de 2015

⚙️ O Hotbit — o sonho em preto, cinza e azul

 


⚙️ O Hotbit — o sonho em preto, cinza e azul

O Hotbit HB-8000, fruto da parceria Sharp/Milmar, era o ápice da microinformática nacional dos anos 80.
Baseado no processador Zilog Z80A de 3,58 MHz, com 16 ou 64 KB de RAM, rodava o padrão MSX 1.0, criado pela Microsoft e pela ASCII japonesa.
Suas principais características:

  • Teclado integrado com teclas mecânicas de viagem longa (luxo da época)

  • Cartuchos para jogos e aplicativos — como o lendário Nemesis ou Knightmare

  • Interface de fita cassete e saída de vídeo composto, ideal para TVs domésticas

  • MSX BASIC, interpretador embutido que transformava qualquer curioso em aprendiz de programador

Era a ponte entre o videogame e o computador.
Você podia jogar pela manhã e programar à tarde — desde que ninguém quisesse ver a novela.




🧠 A semente do programador

Aquela tarde em Quiririm foi o ponto de ignição.
O barulho da fita K7 carregando, o “beep” do programa iniciando, o cheiro de poeira no tubo da TV — tudo ficou gravado em mim.
Anos depois, quando tive meu TK-85, aquele pequeno 8 bits que roubava o televisor da sala, eu já sabia: queria viver nesse universo.
E de lá, um salto natural me levou para o outro extremo — o IBM Mainframe.

🏢 O salto para o gigante — o MVS/360

Enquanto eu digitava minhas primeiras linhas em BASIC, o mundo corporativo vibrava em outra frequência.
Nos longínquos anos 1980, o IBM System/360 já era lenda viva — uma arquitetura modular lançada em 1964 que mudou para sempre o conceito de computação empresarial.
Rodava o sistema MVS (Multiple Virtual Storage), herdeiro do OS/360, e foi o primeiro a introduzir a ideia de compatibilidade entre gerações de máquinas — um verdadeiro milagre de engenharia.

O MVS/370 e seus descendentes moviam bancos, governos e indústrias enquanto nós, os garotos do Hotbit e TK-85, brincávamos de lógica em 8 bits.
Do lado de cá, o som era de fita K7.
Do lado de lá, o som era de fita magnética de 9 trilhas rodando a 75 polegadas por segundo.

E o mais curioso?
Ambos — o menino no quarto e o operador no CPD — falavam a mesma língua: o código.
BASIC ou COBOL, MSX ou MVS, pouco importava.
Era tudo a mesma busca: dizer à máquina o que fazer e se encantar quando ela obedecia.

💡 Easter Eggs e curiosidades

  • O MSX BASIC do Hotbit foi desenvolvido pela Microsoft, e seu código-fonte serviu de base para versões posteriores usadas em máquinas japonesas.

  • O Hotbit vinha com saída RF — ou seja, ligava direto na TV, ocupando o “canal 3”, o mesmo da novela das oito.

  • Havia um comando secreto: COLOR ,,, que alterava a paleta da tela — recurso avançadíssimo pra quem vinha do mundo monocromático dos TKs.

  • A Milmar fabricava o Hotbit com componentes nacionais, graças à reserva de mercado, o que deu ao computador um charme “brasileiro” no hardware.

  • Alguns usuários ousados ligavam dois Hotbits via porta de joystick para trocar dados — o sneakernet raiz.

🖥️ Da tela azul à tela preta

A vida me levou do Hotbit doméstico ao MVS corporativo — do “OK” piscando na TV de 14 polegadas à tela preta do TSO.
Mas a sensação, curiosamente, é a mesma:
olhar o cursor piscando, digitar uma linha, e saber que algo vai acontecer.

O Hotbit me ensinou a imaginar.
O TK-85 me ensinou a persistir.
O Mainframe me ensinou a respeitar a grandeza das máquinas e a precisão das ideias.

E hoje, entre mainframes que processam bilhões e inteligências artificiais que escrevem poesia, eu ainda lembro daquele quarto em Quiririm.
De um garoto curioso, hipnotizado pela tela azul, sem saber que estava assistindo à primeira linha de código do próprio destino.


☕ Epílogo

A televisão daquela casa não era só uma tela — era uma janela para o futuro.
O Hotbit, o TK-85 e o MVS eram capítulos de uma mesma história: a da curiosidade humana e da vontade de dominar o invisível.

E talvez seja isso o que une o garoto do BASIC ao analista do mainframe:
a certeza de que toda máquina, por mais fria que pareça, guarda um eco do nosso espanto — aquele mesmo que começou, um dia, diante de uma pequena TV de 14 polegadas em Quiririm.


Bellacosa Mainframe
☕ Porque toda máquina tem alma — e todo código começa com um olhar curioso diante de uma tela azul.

quarta-feira, 26 de março de 2014

💾 TK-85 — O 8 bits que roubava a televisão da novela

 



💾 TK-85 — O 8 bits que roubava a televisão da novela

Por Bellacosa Mainframe

Antes da IA, antes do chat, antes do Wi-Fi, existia um tempo em que o computador ligava na televisão da sala.
E essa televisão era a única da casa.
Era um Brasil analógico, dividido entre o chiado da fita cassete e o som do tema de abertura da novela das oito.
E foi nesse cenário que chegou o TK-85 — meu primeiro microcomputador pessoal, e talvez o primeiro portal que me levou ao universo digital.



🧩 O nascimento de um herói de 8 bits

O TK-85 foi lançado em 1983 pela Microdigital Eletrônica, em São Paulo.
Era o sucessor direto do TK-82C, e um clone brasileiro do ZX Spectrum, da inglesa Sinclair Research.
Mas, como tudo no Brasil, o TK-85 tinha sotaque próprio: tropicalizado, adaptado, cheio de improviso e paixão.

Ele vinha com um processador Zilog Z80A rodando a 3,25 MHz, entre 16K e 48K de RAM, e um interpretador BASIC gravado na ROM.
O armazenamento? Fita cassete comum — o mesmo gravador usado pra ouvir Roberto Carlos no domingo.
Era o computador de mesa… sem mesa. O monitor era a TV da família, e o “boot” acontecia quando ninguém estava assistindo novela.



📺 Drama doméstico: a TV ou o futuro?

Ligar o TK-85 era um ritual doméstico e diplomático.
Eu esperava pacientemente a hora certa — quando o jornal acabava e a novela ainda não tinha começado.
Conectava o cabo de RF na traseira da televisão, girava o seletor até aparecer aquela imagem mística:

MICRODIGITAL TK-85 OK

Era um milagre tecnológico piscando na tela da Philco.
Mas bastava minha mãe gritar da cozinha — “Menino, desliga isso que vai começar Roque Santeiro!” — e o futuro precisava esperar mais um capítulo.
Hoje penso que, de alguma forma, era poético: enquanto o Brasil inteiro sonhava com a ficção das novelas, eu sonhava com as ficções da lógica, com universos feitos de números e comandos.

🧠 Um professor silencioso

O TK-85 foi meu primeiro professor digital.
Com ele aprendi o poder da lógica, a paciência da depuração, a beleza de ver uma linha de código funcionar.
Era simples, direto — e absolutamente mágico:

10 PRINT "HELLO, WORLD" 20 GOTO 10

A tela da TV se enchia de palavras infinitas, e eu sentia que tinha descoberto uma nova linguagem — uma conversa secreta com a máquina.
Enquanto o mundo via apenas letras piscando, eu via mundos inteiros surgindo de um “OK”.

🕹️ Cultura, curiosidades e nostalgia

  • O nome “TK” vinha de Tadao Kogyo, fundador da Microdigital.

  • Jogos clássicos como Manic Miner e Jetpac eram carregados de fita cassete, e o ruído do carregamento era o hino não-oficial da programação doméstica.

  • O TK-85 tinha teclas firmes, de verdade — um luxo frente ao teclado de membrana dos modelos anteriores.

  • O BASIC era o idioma universal de quem acreditava que a imaginação podia caber em 48K.

  • E cada travamento no meio do LOAD era uma lição precoce sobre resiliência.

💾 Do 8 bits à nuvem

O TK-85 me ensinou muito antes de eu entrar no mundo do mainframe e, décadas depois, ver nascer a inteligência artificial.
Naquela tela de TV disputada pela família, eu aprendi o que significava falar com a máquina — não como servo, mas como cúmplice.

Hoje, quando vejo algoritmos escrevendo textos, interpretando imagens e criando mundos, lembro do meu TK-85.
Ele não tinha voz, não tinha rede, não tinha nada além de 48K de sonho.
Mas foi ali que o futuro começou a carregar — um LOAD longo, com chiado, mas inevitável.

☕ Epílogo

O TK-85 não era apenas um computador: era um rito de passagem.
Foi ele que me ensinou que o digital podia ser humano, e que cada linha de código era uma forma de poesia.
Ele roubava a televisão da novela, sim — mas devolvia algo muito maior: a sensação de que o impossível podia ser aprendido, tecla por tecla.

E talvez, no fundo, essa tenha sido a primeira forma de inteligência artificial que conheci:
a capacidade do ser humano de sonhar com a máquina e, ao sonhar, reinventar o próprio mundo.


Bellacosa Mainframe
☕ Porque toda máquina tem alma — e toda infância tem um terminal piscando em “OK”.