🌊 Crônica Bellacosa Mainframe — “O Rio, os Salgados e o Pequeno Guerreiro do Mogi-Guaçu”
(Para o blog El Jefe Midnight Lunch)
Há rios que cortam cidades.
E há rios que cortam vidas.
O Mogi-Guaçu dos anos 80 fazia os dois.
Para um paulistano recém-teletransportado para Pirassununga, aquele rio não era apenas água correndo:
era um animal vivo, pulsante, cheio de voz.
Era a primeira vez que eu via a natureza não como paisagem, mas como espetáculo.
🐟 O Mogi-Guaçu antes da ganância: água limpa, peixe farto, vida abundante
-
Pirassununga.
O rio era quase uma entidade mística.
-
Águas mais claras, mais calmas.
-
Muitas áreas verdes.
-
Barrancos que eram convites ao descanso.
-
Pescadores em fila, cada qual com seu kit de aventura.
-
Lambaris, piaus, dourados, cascudos — parecia cardápio ambulante.
O pessoal da cidade tratava o rio como um templo.
E eu, com apenas 9 anos, tratava como um parque de diversões gratuito.
🐟✨ A piracema: o milagre que parecia invenção do Maurício de Sousa
Se tem algo que nunca mais esqueci, foi a primeira piracema que vi.
Peixes voando do rio.
Sim, voando.
Saltando contra a correnteza como os samurais da água.
E o mais surreal:
os moradores usando guarda-chuvas abertos como redes improvisadas —
capturando os peixes que vinham literalmente pulando para dentro.
Era a Pirassununga versão "modo lendário ativado".
☀️🧺 Praiamas, represa e piqueniques com cheiro de infância
As tardes à beira do Mogi-Guaçu eram um convite ao ócio criativo:
-
brincadeiras nas “praiamas”, pequenas faixas de areia improvisadas;
-
visitas às instalações da represa, que para mim pareciam uma espécie de usina futurista;
-
adultos rindo, crianças correndo, vento soprando cheiro de mato e água.
Era tudo tão vivo, tão fresco, tão…
Brasil que deu certo, antes da mão pesada do progresso sem alma.
💸 A parte dura da história: a vida real da Família Wilson Bellacosa
Mas todo paraíso tem sua fenda de realidade.
A fotografia — a paixão do meu pai — não sustentava uma família inteira.
E ali começava o capítulo que me forjou:
o trabalho infantil involuntário mais épico e mais formador que já tive.
Sim, meus caros leitores do El Jefe:
antes de ser Bellacosa Mainframe, eu fui Bellacosa CoxinhaWare 1.0.
🍗🔥 O Empreendimento da Coxinha — Versão 1983
A operação era digna de startup:
Squad Bellacosa:
-
Dona Mercedes (Product Owner & Masterchef)
-
Eu e Vivi (junior devs de empanar, testes e QA de textura)
-
Sr. Wilson (DevOps: fritava, entregava e tentava não queimar nada)
Nós produzíamos coxinhas e risoles artesanais.
E nos finais de semana…
lá estávamos nós à beira do Mogi-Guaçu, vendendo salgados para turistas.
Eu com 9 anos.
Tabuleiro na mão.
Subindo e descendo o barranco.
Chamando clientes.
Fazendo troco.
Entendendo capitalismo raiz antes de saber o que era economia.
Parecia brincadeira.
Mas hoje vejo:
era sobrevivência.
Era caráter em construção.
Era vida me empurrando pra frente.
⚔️ O Pequeno Guerreiro do Mogi-Guaçu
Eu cresci rápido.
Aquele trabalho de final de semana, aquela responsabilidade, aquele suor pré-adolescente, forjaram algo em mim:
-
resiliência;
-
senso de urgência;
-
autoconfiança;
-
noção de valor;
-
e a certeza de que nada cai do céu — nem peixe, a não ser na piracema.
Fui moldado ali, entre barrancos, coxinhas e trocos contados.
O mesmo menino que carregava tabuleiro à beira do rio…
anos depois desembarcou em Lisboa com a coragem de quem já havia conquistado o Mogi inteiro.
🥚 Easter Egg Bellacosa Mainframe
A receita da coxinha original da Dona Mercedes ainda existe.
E pasme:
até hoje nunca comi outra igual —
nem no Brasil, nem em Portugal, nem na Europa inteira.
Quando o sistema é clássico…
não tem update que supere.
Sem comentários:
Enviar um comentário