🥃 Paco, o Espanhol de Aço — O Imigrante que Derrotou a Morte Três Vezes
Crônica ao estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight Lunch
Alguns homens vêm ao mundo para trabalhar, outros para sobreviver, e uma pequena minoria para desafiar as estatísticas, a lógica e até mesmo a Morte.
Entre esses últimos, estava meu bisavô Francisco — mas para a família, o nome verdadeiro era Paco, espanhol de sangue quente, sotaque carregado, bigode bravo e coração leal.
🚢 Do Mar de Almería à Pauliceia dos Trilhos
Paco não nasceu no Brasil — ele atravessou o Atlântico, ainda pequeno, espremido com a família num navio a vapor que partiu de Almería.
Espanha vivia dias difíceis; o Brasil prometia fartura, café e futuro.
Chegaram em Santos, foram para a célebre Hospedaria dos Imigrantes, e dali seguiram para o interior profundo — o então Novo Mundo, hoje Catanduva. A família cresceu como crescem famílias fortes: espalhando-se em raízes, galhos e histórias por São José do Rio Preto, Barretos e arredores.
Foi ali que Paco conheceu Bel, moça firme, descendente também de espanhóis, com quem construiu um lar. Mas o destino, esse maquinista incansável, os chamava de volta aos trilhos — e embarcaram rumo a São Paulo pela Companhia Paulista, a ferrovia que costurava sonhos e cidades.
Foram morar em São Caetano, depois Parque São Lucas, depois onde a vida pedisse. Família sempre crescendo, sempre trabalhando, sempre lutando.
🔥 Paco: pouca fala, muito jornal
Meu bisavô era de poucas palavras e muitas opiniões. O português dele vinha carregado de Espanha, de poeira, de trabalho.
Bravo, mas justo.
Sério, mas com um sorriso meio torto que valia mais que discurso.
E havia uma liturgia diária:
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A Gazeta Esportiva — porque todo espanhol de respeito é corinthiano sofredor por vocação.
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O infame Notícias Populares — porque ninguém resiste a uma manchete absurda antes do almoço.
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O Estado de São Paulo aos domingos — porque até os bravos têm seu dia de calmaria.
Eu gostava de ouvi-lo. Às vezes achava que ele exagerava nas histórias. Depois percebi que não. Ele era realmente aquilo tudo.
💀 Primeiro Superpoder: vencer a Morte por desabamento
Um dia, enquanto trabalhava como encarregado no restauro de um alto-forno, aconteceu o impensável: a chaminé inteira desabou.
Gente morreu.
Houve gritos, poeira, caos.
Do meio dos escombros, levantou-se Paco — machucado, sangrando, mas vivo.
E, segundo ele, xingando em espanhol quem tivesse culpa.
A Morte errou a mão.
E Paco devolveu a encarada.
🚗 Segundo Superpoder: atropelamento? Só um incômodo
Anos depois, atravessando a famigerada estrada Mogi das Cruzes — a querida Avenida Imperador da Vila Rio Branco — um motorista covarde o atropelou e fugiu.
Ambulância. Hospital.
E alguns dias depois ele já estava em casa, rindo da situação, como quem toma chuva sem guarda-chuva.
A Morte tentou de novo.
Paco 2 x 0.
🍽️ Terceiro Superpoder: AVC com banho de sangue teatral
Mas a cena mais absurda foi durante um almoço de domingo.
A família toda reunida.
De repente Paco convulsiona — um AVC súbito.
Na queda, bate o pulso num prato de colorex.
Corta o braço.
Jorra sangue.
Parece filme de samurai.
E no fim?
Saiu ileso do AVC.
Só perdeu movimento da mão.
Paco 3 x 0.
A Morte, coitada, pediu música no Fantástico.
🪙 O Guardião do Troco e o Imperador da Sarjeta
Meu bisavô tinha regras.
Firmes.
E sagradas.
Ele me dava moedas para doces, pipas, piões — mas ao voltar da padaria ou do jornaleiro, pedia o troco.
Se estivesse certo, era meu prêmio.
Se estivesse errado, eu tinha que voltar para pegar o troco correto.
Aprendi duas lições:
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Honestidade não é opção — é procedimento operacional.
-
Corinthiano até no troco é rígido.
Outra mania: limpar a guia da sarjeta em frente à casa.
Adorava uma calçada impecável.
Eu, claro, era o estagiário oficial.
Ganhava algumas coroas pela auditoria.
🍺 A guerra com seu genro — e o acordo entre as famílias
Paco era teimoso.
Bravo.
Um rolo compressor de Espanha e turrice.
Quando sua filha apaixonou-se por meu avô Pedro — um italiano — o mundo quase acabou.
Espanhol e italiano na mesma mesa?
Que ousadia!
Foi preciso meu outro bisavô, Luigi, subdelegado meio rufião, intervir para negociar a paz.
Um tratado quase diplomático.
No fim, o casamento durou décadas, só terminando quando meu avô Pedro faleceu.
A paz latina, selada na base do amor e do tranco.
🥘 Epílogo: o homem que virou lenda
Paco não foi herói de cinema.
Não saiu no jornal (pelo menos não nas manchetes sérias).
Mas foi um daqueles homens raros:
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que chegam com pouco e constroem muito
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que criam filhos, netos e bisnetos com dureza e ternura
-
que batalham pela vida até o último round
-
que deixam marcas invisíveis, mas permanentes
Quando penso no meu bisavô, vejo um sobrevivente, um mestre rude, um espanhol corinthiano que encarava a vida com coragem, humor e jornal na mão.
E no grande Mainframe da memória, o registro do velho Paco permanece em STATUS ACTIVE, com retenção infinita e proibição permanente de purge.
Porque certos homens não viram lembrança.
Eles viram fundação.
E o Paco?
Ah… esse foi puro aço forjado no calor da Pauliceia.




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