Mostrar mensagens com a etiqueta Bisavô. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Bisavô. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 16 de julho de 2014

📜 Luigi Bellacosa – O Gigante da Mooca

 


📜 Luigi Bellacosa – O Gigante da Mooca

A lenda napolitana que virou bairro, virou história e virou mito

Todo bairro tem seus personagens.
Alguns são fofocas, alguns são sombras…
E outros, como o bisavô Luigi, são tão enormes que nem passam na porta da História:
entram derrubando o batente, sorrindo, com aquela força gentil que só os verdadeiros gigantes têm.

Eu o conheci quando já estava no ocaso — mas, mesmo assim, era maior que a vida.




👣 1. O Homem que a Mooca não esquecia

Imagine um homem com quase dois metros, forte como estivador do Porto de Nápoles, mas com olhar azul de mar tranquilo e cabelo castanho claro de mocinho de cinema mudo.

Luigi fez de tudo:

  • jogador profissional de futebol,

  • político improvisado,

  • representante comunitário,

  • operário de fábrica,

  • pedreiro,

  • e até delegado adjunto, daqueles que entram e resolvem sem precisar de BO, bastava um olhar.

Era bom de briga, fã de luta livre e, ao mesmo tempo, amigo dos animais, especialmente cachorros abandonados — o que lhe rendeu o apelido carinhoso de dogueiro da Mooca.
Homem de muitos amores e muitas histórias, um tipo que hoje chamariam de “lendário”, mas na época chamavam só de Luigi.

Tanta gente o amava quanto o temia.
E isso diz muito sobre um homem.

Mesmo em 1993, dez anos após sua morte, ainda se falava dele nas calçadas da Rua Javari, nas padarias, nos botecos, nas rodinhas de dominó.
Histórias verdadeiras e exageros folclóricos se misturavam, como boa tradição mooquense exige.




🩸 2. Um gigante de carne, osso, cicatriz e ausência

Quando o conheci, era criança — e para mim ele era um personagem de fábula.
Tinha uma cicatriz no rosto, resultado das caçadas nos tempos brutos;
e faltava-lhe uma orelha, levada por um tumor que enfrentou sem drama, como quem arruma uma infiltração na parede.

Falava num dialeto próprio:
meio italiano napolitano, meio português da Mooca, meio carcamano.
Uma língua tão única quanto ele.

Era bonachão, brincalhão e poderoso como um tronco velho de árvore centenária.
E, no entanto, havia em seus gestos uma doçura que só os grandes conhecem — porque só quem é gigante sabe o peso de machucar alguém sem querer.

Gostava de falar do seu tempo de futebolista, defendendo a camiseta grená, dos antigos jogos, da camisa suada e o orgulho de fazer parte da esquadra. O Juventus da Mooca era o seu coração.




👨‍👦 3. O dia em que vi meu pai pequeno

Meu pai sempre foi gigante para mim.
Mas, ao se aproximar do avô Luigi, ele diminuía — não em respeito, mas em amor.

Ele olhava o velho patriarca com um brilho que eu nunca vi em mais ninguém.
Um menino reverenciando seu mito.
Até hoje acho que meu pai amava mais o avô do que ao próprio pai, e não há nada de errado nisso:
alguns vínculos são simplesmente mais fortes, mais formadores, mais eternos.

Quando Luigi morreu em 1982, vi um pedaço do meu pai desabar.
E, meses antes, já havíamos perdido outro gigante:
tio-bisavô Arthur, o primeiro “Dudu” do Palmeiras lá pelos anos 1930.
Dois irmãos napolitanos que vieram ao Brasil, plantaram raízes na Mooca e viraram mitologia de boteco, arquibancada e vizinhança.

A dupla Luigi & Dudu era tão grande que parecia tirada de um romance épico italiano.
Quando um se foi, o outro não demorou.
E o bairro inteiro chorou.




🏘️ 4. A Mooca dos Gigantes

A Mooca do início do século XX não era bairro:
era um território de imigrantes cansados, sonhadores, briguentos e apaixonados.
Um mundo onde cada esquina tinha um pedaço de Europa, América e fantasia.

Para mim, criança de 8 anos vendo tudo de baixo, pareceram heróis mitológicos:
homens fortes como os de Homero, mas com corações enormes como histórias de família costumam ter.

E hoje percebo:
os Bellacosa daquela época eram parte da paisagem, como os trilhos, os armazéns, o cheiro de pão fresco e o grito "Ô loco, meu!" ecoando no bairro.

Eles eram os gigantes que carregaram a Mooca nas costas.
E eu cresci com a sorte de ouvir suas histórias de dentro, não da calçada.




📚 5. Por que lembramos dos gigantes?

Porque gigantes não são feitos de altura.
São feitos de:

  • impacto,

  • amor,

  • personalidade,

  • exagero,

  • coragem,

  • defeitos épicos,

  • e uma presença tão forte que 40 anos depois ainda deixa sombra.



Luigi foi tudo isso.
Um capítulo vivo da Mooca.
Um homem tão grande que, mesmo velhinho, mesmo doente, mesmo com uma orelha só…
ainda assim ocupava o ambiente inteiro, o respeito inteiro — e o imaginário inteiro de quem o conheceu.




🖋️ Epílogo: o menino que viu gigantes

Hoje, ao recordar, entendo que minha memória não exagera:
meu bisavô era mesmo maior do que eu podia captar.

E talvez seja isso que faz certas famílias serem especiais:
não o sangue, não o sobrenome, mas as histórias que atravessam gerações e continuam vivas, mesmo quando quem viveu já virou saudade.

A Mooca teve muitos personagens.
Mas o Gigante Luigi Bellacosa continua caminhando por lá, invisível,
presente em cada lembrança,
em cada conto exagerado,
em cada sorriso que começa com um “você lembra do Luigi?”.

E é assim que os gigantes permanecem:
não nas fotos, não nos documentos —
mas na memória dos que tiveram o privilégio de viver à sua sombra.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

🌄 Seu Zé, o Desbravador – A Saga do Bisavô Migrante

 


🌄 Seu Zé, o Desbravador – A Saga do Bisavô Migrante

Por El Jefe • Bellacosa Mainframe Midnight Edition

Existem homens que são rios.
Eles nascem finos, discretos, quase invisíveis…
mas seguem abrindo caminho até virarem correnteza,
energia, força, legado.

Meu bisavô José — o nosso Seu Zé — era desses.
Um gigante silencioso, daqueles que constroem mundos sem precisar falar sobre isso.
A família era pobre, a vida era dura, mas ele tinha um faro para futuro que parecia bússola mágica.




🌾 Pernambucano por nascença, aventureiro por destino

Seu Zé nasceu da linhagem dos que carregaram na pele cicatrizes de opressão e, na alma, uma coragem impossível de apagar.
Descendente de ex-escravos em Pernambuco, trouxe no sangue aquela toada de resistência que só quem conhece a terra rachada do sertão entende.

Tinha um pequeno pedaço de terra —
não era grande, mas era dele.
Poderia ter vivido ali, como tantos.
Mas enxergou que as raízes, às vezes, precisam se transformar em asas.

E, como tantos nordestinos do século XX, decidiu migrar.




🚢 A grande travessia – do Nordeste ao Sul

A memória aqui é como película antiga — falha, tremida, cheia de luz queimada — mas o coração lembra da história mesmo assim.

Diz-se que ele veio de barco, na cabotagem que era comum nas décadas de 1930 e 40.
Família na mão, esperança no peito, medo nenhum.

Chegando a São Paulo, seguiu pelos trilhos da companhia Sorocabana, descendo estação por estação…
Aquela velha trilha de aço que puxou milhares de sonhos do Nordeste para o interior paulista.

Até ouvir falar que, mais ao sul, um novo mundo estava brotando.




🌳 O Paraná chamava — e ele respondeu

Nos anos da grande expansão paranaense, cidades surgiam como pipocas estourando no tacho:
Londrina, Maringá, Cornélio Procópio, Cambará…
floresta abrindo, colonos chegando, futuro sendo plantado a enxadadas.

E foi ali que Seu Zé fincou raízes de verdade.
Minha maezinha nasceu nesse cenário de pioneiros, num tempo em que tudo era madeira, barro vermelho, estradas recém-riscadas, cheiro de mata cortada.

Ele trabalhou como lavrador, como a maioria.
Mas o destino tinha outro plano.




🥖 O padeiro do Paraná – o homem que alimentava a vizinhança

Um dia, entre amanheceres frios e mãos calejadas, Seu Zé virou padeiro.
Primeiro vendendo pães simples numa carroça puxada por burros.
Depois, dono de uma pequena padaria local.

A padaria era mais do que um negócio.
Era o centro comunitário.
O lugar onde a vida começava aquecida —
porque pão quentinho é quase abraço.

Criou os filhos, os netos rodavam em volta dele como cometas, e o mundo parecia seguir uma lógica simples:
trabalhar, cuidar, amar.

Até que veio o golpe do destino.




💔 O amor que tentou vencer a morte

Minha bisavó Josefa — filha de indígenas, mulher de fibra — adoeceu.
Câncer.
Aquela palavra que, na época, era quase sentença.

Seu Zé fez o que faz todo homem que ama sem limites:
vendeu tudo.
Deu adeus à padaria, à terra, às conquistas.
Pegou o dinheiro e trouxe a esposa para São Paulo, atrás de tratamento.

Foi nessa fase que eu, pequena fagulha de 3 ou 4 anos, conheci meu bisavô.




👣 As lembranças que ficam, mesmo quando a mente falha

Não me lembro dela —
não me lembro de sua voz, nem de seu sorriso —
mas sei que a visitamos no hospital.

Ela partiu naquele mesmo ano.

E Seu Zé, firme como o tronco de uma árvore muito antiga,
recomeçou tudo de novo.
Porque homens como ele nunca param:
apenas mudam de capítulo.




🌌 Conclusão – A saga de um homem que virou estrada

A história do bisavô José é a história do Brasil que se moveu.
É a saga de quem atravessou terras, mares, matas e tristezas
para que nós pudéssemos sonhar um pouco mais.

Ele é o fio invisível que costura gerações.
É o trilho da Sorocabana que ainda ecoa.
É o cheiro de pão que paira em memórias.
É o avô dos avós, o pioneiro, o andarilho, o provedor.

Um homem que, mesmo sem diploma, escreveu sua história como quem escreve código COBOL:
linha por linha, suor por suor,
trabalhando com a convicção de que o futuro vale o esforço.

Seu Zé não deixou riqueza.
Deixou legado.
E isso, meu amigo…
isso paga o resto da vida.


sábado, 17 de março de 2012

🥃 Paco, o Espanhol de Aço — O Imigrante que Derrotou a Morte Três Vezes

 


🥃 Paco, o Espanhol de Aço — O Imigrante que Derrotou a Morte Três Vezes

Crônica ao estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight Lunch

Alguns homens vêm ao mundo para trabalhar, outros para sobreviver, e uma pequena minoria para desafiar as estatísticas, a lógica e até mesmo a Morte.
Entre esses últimos, estava meu bisavô Francisco — mas para a família, o nome verdadeiro era Paco, espanhol de sangue quente, sotaque carregado, bigode bravo e coração leal.



🚢 Do Mar de Almería à Pauliceia dos Trilhos

Paco não nasceu no Brasil — ele atravessou o Atlântico, ainda pequeno, espremido com a família num navio a vapor que partiu de Almería.
Espanha vivia dias difíceis; o Brasil prometia fartura, café e futuro.

Chegaram em Santos, foram para a célebre Hospedaria dos Imigrantes, e dali seguiram para o interior profundo — o então Novo Mundo, hoje Catanduva. A família cresceu como crescem famílias fortes: espalhando-se em raízes, galhos e histórias por São José do Rio Preto, Barretos e arredores.

Foi ali que Paco conheceu Bel, moça firme, descendente também de espanhóis, com quem construiu um lar. Mas o destino, esse maquinista incansável, os chamava de volta aos trilhos — e embarcaram rumo a São Paulo pela Companhia Paulista, a ferrovia que costurava sonhos e cidades.

Foram morar em São Caetano, depois Parque São Lucas, depois onde a vida pedisse. Família sempre crescendo, sempre trabalhando, sempre lutando.


🔥 Paco: pouca fala, muito jornal

Meu bisavô era de poucas palavras e muitas opiniões. O português dele vinha carregado de Espanha, de poeira, de trabalho.
Bravo, mas justo.
Sério, mas com um sorriso meio torto que valia mais que discurso.

E havia uma liturgia diária:

  • A Gazeta Esportiva — porque todo espanhol de respeito é corinthiano sofredor por vocação.

  • O infame Notícias Populares — porque ninguém resiste a uma manchete absurda antes do almoço.

  • O Estado de São Paulo aos domingos — porque até os bravos têm seu dia de calmaria.

Eu gostava de ouvi-lo. Às vezes achava que ele exagerava nas histórias. Depois percebi que não. Ele era realmente aquilo tudo.


💀 Primeiro Superpoder: vencer a Morte por desabamento

Um dia, enquanto trabalhava como encarregado no restauro de um alto-forno, aconteceu o impensável: a chaminé inteira desabou.
Gente morreu.
Houve gritos, poeira, caos.

Do meio dos escombros, levantou-se Paco — machucado, sangrando, mas vivo.
E, segundo ele, xingando em espanhol quem tivesse culpa.

A Morte errou a mão.
E Paco devolveu a encarada.


🚗 Segundo Superpoder: atropelamento? Só um incômodo

Anos depois, atravessando a famigerada estrada Mogi das Cruzes — a querida Avenida Imperador da Vila Rio Branco — um motorista covarde o atropelou e fugiu.

Ambulância. Hospital.
E alguns dias depois ele já estava em casa, rindo da situação, como quem toma chuva sem guarda-chuva.

A Morte tentou de novo.
Paco 2 x 0.



🍽️ Terceiro Superpoder: AVC com banho de sangue teatral

Mas a cena mais absurda foi durante um almoço de domingo.
A família toda reunida.
De repente Paco convulsiona — um AVC súbito.

Na queda, bate o pulso num prato de colorex.
Corta o braço.
Jorra sangue.
Parece filme de samurai.

E no fim?
Saiu ileso do AVC.
Só perdeu movimento da mão.

Paco 3 x 0.

A Morte, coitada, pediu música no Fantástico.

🪙 O Guardião do Troco e o Imperador da Sarjeta

Meu bisavô tinha regras.
Firmes.
E sagradas.

Ele me dava moedas para doces, pipas, piões — mas ao voltar da padaria ou do jornaleiro, pedia o troco.
Se estivesse certo, era meu prêmio.
Se estivesse errado, eu tinha que voltar para pegar o troco correto.

Aprendi duas lições:

  1. Honestidade não é opção — é procedimento operacional.

  2. Corinthiano até no troco é rígido.

Outra mania: limpar a guia da sarjeta em frente à casa.
Adorava uma calçada impecável.
Eu, claro, era o estagiário oficial.
Ganhava algumas coroas pela auditoria.

🍺 A guerra com seu genro — e o acordo entre as famílias

Paco era teimoso.
Bravo.
Um rolo compressor de Espanha e turrice.

Quando sua filha apaixonou-se por meu avô Pedro — um italiano — o mundo quase acabou.
Espanhol e italiano na mesma mesa?
Que ousadia!

Foi preciso meu outro bisavô, Luigi, subdelegado meio rufião, intervir para negociar a paz.
Um tratado quase diplomático.

No fim, o casamento durou décadas, só terminando quando meu avô Pedro faleceu.

A paz latina, selada na base do amor e do tranco.

🥘 Epílogo: o homem que virou lenda

Paco não foi herói de cinema.
Não saiu no jornal (pelo menos não nas manchetes sérias).
Mas foi um daqueles homens raros:

  • que chegam com pouco e constroem muito

  • que criam filhos, netos e bisnetos com dureza e ternura

  • que batalham pela vida até o último round

  • que deixam marcas invisíveis, mas permanentes

Quando penso no meu bisavô, vejo um sobrevivente, um mestre rude, um espanhol corinthiano que encarava a vida com coragem, humor e jornal na mão.

E no grande Mainframe da memória, o registro do velho Paco permanece em STATUS ACTIVE, com retenção infinita e proibição permanente de purge.

Porque certos homens não viram lembrança.
Eles viram fundação.

E o Paco?
Ah… esse foi puro aço forjado no calor da Pauliceia.