📜 Os Três Irmãos — Crônicas da Vila Rio Branco, Vol. I
Ao melhor estilo Bellacosa Mainframe, com cheiro de infância, metal derretido e caos com assinatura familiar.
Existem histórias que nascem tortas, cheias de barulho, poeira e calor de forjaria.
Mas só algumas se transformam em lendas domésticas, narradas com brilho nos olhos décadas depois.
E nesta mesa — verde, laranja e azul — sentavam três pequenos titãs:
💚 Vagner – o verde, o curioso, o inventor do caos controlado
🧡 Vivi – o raio laranja, centelha incansável e juiz de igualdade nos doces
💙 Dandan – o azul sereno (até começar a guerra)
Três crianças, três forças elementares, um quintal enorme como universo expandido.
E no centro de tudo, a forja do pai — o Olimpo, a Batcaverna, o CERN da Vila Rio Branco.
🔥 O Quintal-Laboratório
Rua Francisco de Sousa Queiróz, Ano de 1981.
Pintainhos, sucatas e as novas empreitadas geniais do senhor Wilson, o micro-empreendedor das ideias poucos ortodoxas, no primeiro ano vendo 1000, no segundo 10.000 e no terceiro 30.000 e fico rico. Era essa, mais ou menos a lógica do meu pai, mas como todo sabemos, a distância entre a realidade e o sonho era abismal. Voltemos ao quintal, suas árvores, seus espaços e as brincadeiras de três crianças inocentes.
O terreno era grande o bastante para caber sonhos, brigas, corridas e uma ameaça contínua à sanidade materna.
Havia metal, ferramentas, um forno derretendo metais leves,
e três onis mirins com tempo sobrando e nenhuma noção de risco biológico-combustivo.
Se o mundo tivesse um botão vermelho escrito NÃO APERTE —
os três já teriam apertado duas vezes e desmontado pra ver o mecanismo.
Nesses barulhos do meu pai, sempre o primo Eduardo estava envolvido, ora como participante principal, ora como coadjuvante, mas os dois primos se amavam muito e eram muito parecidos no grau de cabeça avoada.
O Brasil estava entrando na pior fase da crise econômica, o desemprego aumentando, a inflação corroendo os rendimentos e aqueles como meu pai, que não tinham um emprego fixo, sentiam esses males da pior maneira, mesa mais vazia, altos e baixos, socorro da familia. Momentos dificeis que marcou o ocaso da ditadura militar. A década de 80 começava com o seu pior cenário para as famílias mais pobres do Brasil.
⚖️ A Lei da Igualdade Suprema
Aqui funcionavam as regras mais justas já criadas fora da ONU:
🍬 balas com milímetros medidos a olho clínico
🍫 ovos de Páscoa modelos separados, mas igual peso, quase com balança imaginária
🍽️ escova, prato, caneca, cadeira — tudo na cor do dono
Quem ganhava algo maior provocava guerra santa.
Quem ficasse com a menor fatia virava Che Guevara infantil em rebelião doce.
Quando digo guerra santa, era mesmo o caos, ninguém segurava os 3 pequenos onis, uma pequena revolução, chinelos voadores para lá e cá, uns bumbuns aquecidos por uns tapas ou cintadas, choros e castigos, realmente nossos pais usavam medidas marciais extremas.
Mas a maior parte do tempo, eramos pacíficos, nossos pais gastavam energia demais para pagar os boletos e o aluguel do imóvel onde morávamos.
Mas nesse cenário. Minha querida progenitora. Mulher de muita imaginação para cozinhar coisas deliciosas que deixavam os pequenos onis em estado de glória, bolos, pudins, aquela refeição caseira, que deixa saudades no velho barbudo dos dias atuais.
E a mãe?
Uma diplomata ninja — descascava quatro laranjas e só liberava quando tudo estivesse dividido.
Sabedoria milenar digna do mosteiro Shaolin das Mães que Sobreviveram aos Filhos.
🏫 O Pré-Primário no Parque 3 Marias
Ano de aprender letras, mas o currículo real era outro:
📍 atravessar a perigosa Estrada de Mogi das Cruzes
📍 escutar buzinas que pareciam mísseis
📍 sobreviver à travessia como ritual xamânico
Minha segunda ida à escolinha, foi menos divertida, menos emoções, estava alfabetizado, não tenho grandes eventos ou grande memorias de lá, uma nuvem sobre o período, quase como um exílio daquele mundo idílico, que era o quintal magico da bagunça. Tanto que me lembro mais das idas e vindas, ora acompanhado pelo meu pai, ora minha mãe, ora minha madrinha, a vó Anna, ora o bisavô Francisco, outras a tia Miriam numa sucessão de caminhadas a escolinha. Mas sem lembrar do que acontecia dentro... deve ter sido chato pacas, para apagar assim.
Nomes de colegas se perderam na névoa da memória —
mas o cheiro do caderno novo e o medo dos carros continuam nítidos como fotografia.
☢️ O Dia do Reator Bellacosa nº 1
Todo grande clã possui seu Evento Nuclear Fundador.
O dos Bellacosa foi humilde, químico, quase Chernobyl de quintal:
cal virgem + garrafa + água = vapor, fervura, fumaça e pânico generalizado.
A rua correu.
A mãe gritou.
O pai talvez tenha batido recorde de 100m livre sem largar o alicate.
E os três cientistas, observando o frasco fumegante…
… entenderam que a ciência é maravilhosa,
mas explode.
Quintal virou laboratório atômico, e por um instante a Vila Rio Branco esteve prestes a se tornar zona de exclusão nível Fukushima Infantil.
📘 Epílogo
Ser três irmãos era viver em constante big bang,
criando universos, derretendo metais e medindo doces como se o cosmos dependesse disso.
Foi a infância onde o mundo era feito de:
🔧 ferramentas velhas
🏃♂️ corridas intermináveis
🍊 laranjas igualitárias
🧪 experimentos quase proibidos
📺 desenhos no final da tarde
Uma anarquia doce —
aquelas que só a memória entende e o coração guarda.
Porque crescer é esquecer nomes… mas nunca o cheiro da fumaça da cal virgem,
o eco do riso no quintal,
a cor de cada copo na mesa
e o gosto de ser parte de um trio indestrutível.