📸 Luz, Química e Memória — O Retratista e o Filho
Meu amor pela fotografia começou muito antes de eu segurar uma câmera.
Nasci em meio a lentes, flashes, negativos e o cheiro doce e metálico dos químicos de revelação.
Meu pai era fotógrafo profissional — ou, como se dizia na época, um retratista.
Aquele que não apenas tirava fotos, mas capturava a alma das pessoas no instante em que o tempo piscava.
Cresci entre máquinas Yashica, Pentax, Zenit, Minolta, rolos de filme Kodak e Fujifilm, flashes com baterias que pareciam instrumentos de ficção científica, e bobinas de 35mm, 40mm e monoclinhos.
Meu playground era o laboratório — um espaço entre o real e o mágico.
Acompanhava meu pai aos eventos de todos os tipos:
casamentos, batizados, aniversários, velórios, festas de rua, times de futebol e retratos de família.
Cada clique era uma cápsula de tempo, cada flash uma explosão de memória condensada.
Enquanto outras crianças brincavam com carrinhos, eu brincava com monóculos, olhando os negativos contra a luz.
Lembro dos rolos de filme pendurados para secar no varal, das fotos em preto e branco emergindo lentamente na bandeja de revelação, como se o papel respirasse o milagre da imagem.
Era pura alquimia — a magia de transformar prata e luz em lembrança.
Nos livros do meu pai encontrei o outro lado da arte:
a fotografia técnica, a fotografia artística, o passo a passo para construir um laboratório doméstico, os segredos de exposição, enquadramento, foco e narrativa visual.
E ele me ensinava tudo isso com paciência e brilho no olhar, como um sensei das sombras e da luz.
Mas a profissão, naquela época, era de extremos.
Fotógrafos viviam entre vacas gordas e vacas magras, oscilando conforme os calendários de festas e as fases da economia.
Era um ofício de glamour e aperto, luxo e cansaço, arte e sobrevivência.
Um retratista não trabalhava com pixels — trabalhava com expectativas humanas.
Hoje, décadas depois, o digital substituiu o químico,
o sensor ocupou o lugar do filme,
e o laboratório virou um software.
Mas no meu coração ainda vibra aquele som do obturador mecânico, seco e sincero, como um pulso da alma.
Carrego comigo o legado: o prazer de documentar o mundo.
Já tive dezenas de câmeras — e um acervo com mais de 50 mil fotos.
Cada uma delas é um fragmento do que vivi, do que vi e das pessoas que cruzaram meu caminho.
A fotografia me ensinou algo que vale para tudo:
não basta olhar — é preciso ver.
Ver o instante, a emoção, o erro, o reflexo.
Ver o invisível antes que o tempo apague.
E, talvez por isso, sigo clicando.
Não para congelar o passado — mas para manter o presente vivo.
Porque, no fundo, cada foto é uma linha de código da alma:
um registro persistente no mainframe da memória humana.



