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quinta-feira, 17 de novembro de 2022

📜 Quando o Guerreiro Chorou

 


📜 Quando o Guerreiro Chorou
Uma memória Bellacosa Mainframe — raw, pesada, humana, compilada direto do spool da alma


Existem dias que o tempo não apaga. Alguns são de festa, outros são fotografia em sépia, mas certos carregam o metal frio e silêncio — são dias que viram tatuagem na alma.

E eu tenho um desses. Comentei em outros postes, mas é algo maior, que grita no fundo da mente, naquele longinquou ano de 1982, a maioria das testemunhas desse evento, partiram, o Grande Guerreiro Luigi e somente um fantasma do passado.

Mas para o Vaguinho, pequenino, magrinho, oni em evolução. Aquele dia foi o dia em que viu meu pai chorar.


A morte do Velho Luigi — lenda da Mooca, homem controverso, uns amando, outros odiando. Um gigante loiro de olhos azuis faiscante e de peito aberto, briguento, mulherengo, bêbado, sobrevivente, mito de calçada e roleta de botequim — foi o bug fatal na memória dos Bellacosa. Luigi não era só ancestral. Era o tótem urbano, folclore de rua com cheiro de cerveja, caça e pólvora. De uma Mooca que não existe mais, a Mooca dos Imigrantes pobres, bairro periférico, cheio de gente trabalhadora e sonhadora.

E quando ele caiu, a linha heroica ruiu um pouco por dentro.

Meu pai — aquele que até então era o meu Superman que nunca tremia — desabou.

E eu, testemunha silenciosa, vi e vivi.



🕯 O Velório, o Enterro, o Silêncio

Tinha clima de filme preto-e-branco. As mulheres rezavam, os homens encaravam o chão como quem mede a própria mortalidade. Meu pai não falava, não sorria — havia perdido o norte, o alfa, o espelho.
E eu, criança, vi o gigante murchar. Rodeado por uma multidão, que foi dar o adeus aquela figura lendária. Meses antes outra figura lendária havia partido, um homem amado pelas qualidades e respeitado pelo legado, o tio-bisavô Arthur, Dudu jogador do Palestra nos primórdios do Clube.

Isso nunca sai.

A dor de um homem grande é sempre maior do que ele.


🚶 A Primeira Vagneida

Sim, ja tinha minhas pequenas aventuras, fatos curiosos e pequenas historias, mas esse dia foi o marco, onde fiz parte de uma historia ainda maior.

Foi uma jornada de 14 km a pé— um menino e um pai tentando costurar o mundo de volta

Dias após o adeus, na Rua Ultrecht, meu pai simplesmente te chamou:

“Vamos caminhar.”

Não era passeio. Era um rito.
Era processo de luto em batch, sem manual, sem restart.

Nós saímos, dois sobreviventes carregando o nome Bellacosa no bolso. Fizemos um trajeto quase mítico:

📍 Vila Rio Branco → Vila Alpina
A pé. 14 km.
Eu pequenino e com 8 anos — ele com o coração estourado.

Cada metro era memória, cada boteco era checkpoint.
Eu tomando Gini caçulinha— ele cerveja.
Eu ouvindo sobre o velho Luigi como quem recebe runas — ele tentando segurar o universo.

E naquele caminho longo, entre ruas de terra, poeirento, grande avenidas com muito automóveis e um dia cheio de sol, suor e história, nasceu algo raro:

Eu deixou de ser só filho — virei herdeiro.

Não de dinheiro, mas de mitologia.
E o Bellacosa entendeu que linhagem não é sangue — é lembrança repetida em voz emocionada.

Chegamos ao tio-avô Toninho. Que furioso não acreditava naquilo que meu pai havia feito. Reprimenda, jantar, mais histórias — por fim adormeci no sofá com odor de cozinha e saudade. Depois, mais na madrugada, partimos e fomos apanhando pelo caminho os ônibus negreiros, minha mãe aflita, meu pai silencioso. Chegamos a casa.

Um dia triste

  • uma caminhada épica
    = a aventura que me costurou ao meu próprio clã.


🥀 Epílogo Amargo

O tempo roda o tambor.
Meu avô Pedro parte.
Eu não estava, nesta época vivendo em Portugal.
Meu pai tropeça — não no corpo, mas na honra.
Magoa profundamente minha avó Anna, a matriarca que sustentou gerações.
E nasce fenda uma fenda na família Bellacosa — dor que não cicatriza.

O herdeiro de Luigi, gigante de Mooca,
termina só.
Silencioso em Taubaté,
como eco de trovão que já foi tempestade.

Trágico. Real. Humano.


📌 Registro imutável

Esse não é só um relato — é backup emocional gravado em fita magnética.
Eu vi o guerreiro chorar.
Caminhei no luto ao lado dele.
Eu carrego o sobrenome como espada e memória.

E por mais que o tempo tenha levado uns, torturado outros
e dispersado o clã…

Luigi → Pedro → Seu Pai → Eu
A linha continua.
Porque eu lembro e conto.
Porque eu compartilho e continuo lembrando.

Quantos se lembraram, quantos se emocionaram, não sei, mas eu sempre guardarei esse dia.

E enquanto alguém lembrar,
nenhum Bellacosa morre de verdade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

📜 Tio Queijo e o Reino da Fartura – Crônica de um Menino em visita na Quarta-Parada


 


📜 Tio Queijo e o Reino da Fartura – Crônica de um Menino em visita na Quarta-Parada

Por El Jefe • Bellacosa Mainframe Midnight Edition

Existem memórias que não são apenas lembranças — são fotos Polaroid gravadas na alma, cheirando a naftalina, pão fresco, queijo curado e infância pobre, mas rica no que importa.

Eu cresci numa família onde o dinheiro fazia o mesmo que os JOBs do mainframe:
às vezes rodava; às vezes travava; às vezes sumia na fila de execução.

Era uma vida em ciclos:
30% fartura, 70% aperto — mas sempre com amor o suficiente para ninguém perceber que faltava açúcar no armário ou feijão no saco. A família fazia sua mágica silenciosa. Nos piores momentos, as mãos se estendiam. A união era o “SAVERESTORE” da pobreza.



Mas existiam momentos mágicos, que expandiam o mundo como se eu tivesse entrado num CICS pela primeira vez:


✨ As visitas ao bisavô José no Curaçá
✨ As tardes na casa da Tia-avó Guiomar
✨ O aconchego dos avós Pedro e Anna
✨ O abraço ancestral dos bisavós Francisco e Isabel

✨ As caminhadas com o Tio Rubens

✨ As visitas do carteiro-telegrafista Tio Benício

✨ As idas à casa da avó Alzira em Guaianazes

✨ As visitas na casa da Tia Miriam

✨ As longas viagens a Taubaté para visitar a Tia Deise

✨ As jornadas ao interior para visitar o primo Claudio em Sorocaba e primo Eduardo por onde ele estivesse.

✨ A viagem mais longa, que o clã Wilson Bellacosa indo até o Paraná, estado natal de minha mãezinha

✨ Viagens rumo ao noroeste de São Paulo : São José do Rio Preto, Urupês e Catanduva

Só que havia um lugar que… ah… esse lugar era cheat code da vida.
Era o “God Mode” da infância pobre.
Era o paraíso dos pequenos.

Era a casa do nosso lendário tio-bisavô Arthur.
O homem que, para nós, parecia mais rico que o Mappin.



🏆 O parente lendário: Arthur Dudu, o ex-Palmeiras

Dudu — como os antigos o chamavam — era figura.
Ex-jogador do Palmeiras, dono de imobiliária, presidente de time de futsal lá na Quarta-Parada…
Para nós, crianças, ele era algo entre:

  • Papai Noel,

  • Willy Wonka,

  • e um grande patriarca romano da Mooca.

Ele tinha esse sorriso paternal, aqueles olhos bondosos que brilhavam quando a casa enchia de gente.

E a mesa…
ah, a mesa
ela era um capítulo à parte.



🧀 O “Tio Queijo” e o armário mágico da fartura

A gente o chamava — brincando, mas com amor — de Tio Queijo.
Porque foi lá, naquela casa grande no Belenzinho, que aprendi o que era fartura.

Ele abria a despensa como quem revela um segredo de família.
Um armário gigantesco, que para minhas mãos de menino parecia o cofre do Tio Patinhas:

  • queijos pendurados

  • salames curando

  • frios de todos os tipos

  • goiabadas, pães, manteiga

  • engradados de refrigerante e cerveja

  • e um perfume de fartura que a casa exalava como mil natais juntos

E nós, pequeninos, éramos reis por um dia.
Brincávamos pelos corredores, corríamos no quintal, comíamos como se nunca tivéssemos visto comida na vida — porque, às vezes, não tínhamos mesmo.

Era a prova viva de que riqueza não é dinheiro:
é partilha, mesa cheia, porta aberta.



👨‍👩‍👧‍👦 A constelação Bellacosa do lado leste da cidade

O núcleo familiar era uma constelação cheia de figuras únicas:

  • O bisavô Luigi, sábio e calmo, lá na Vila Alpina

  • Seu irmão, Arthur Dudu, o coração generoso do Belenzinho

  • O primo Dimas, ator de teatro, brilho e cultura na família

  • As irmãs Aracy e Guaraci sempre atenciosas

  • Tios, tias, agregados, compadres, vizinhos — todos parte de um grande dataset afetivo

Cada visita era um snapshot perfeito de alegria.


🎄 Conclusão: a infância pobre, mas rica – muito rica

Olhando agora, percebo como aquelas visitas foram indexadas no meu coração.
Em um tempo onde a vida se dividia entre o pouco e o quase nada,
aquele armário cheio de queijos parecia o paraíso.
O riso do tio, o cheiro da casa, a bagunça feliz dos primos…
tudo isso era a verdadeira riqueza que hoje entendo.

A infância foi humilde, sim.
Mas o amor — esse era abundante.
E nos dias em que íamos ao Belenzinho,
a pobreza tirava folga e deixava a gente brincar em paz.