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segunda-feira, 10 de junho de 2013

🌳 O Quintal dos Avós — Magia, Frutas e Liberdade em Plenos Anos 70

 



🌳 O Quintal dos Avós — Magia, Frutas e Liberdade em Plenos Anos 70

(por Bellacosa Mainframe — Série “Sempre um Isekai”, Capítulo IV)

Houve um tempo em que o mundo cabia dentro de um quintal.
E o meu era o quintal dos meus avós Pedro e Ana, um território sagrado onde a infância tinha sabor de fruta madura e cheiro de terra molhada.

Ali, cada canto escondia um segredo, cada árvore contava uma história, e cada manhã começava como se o sol estivesse nascendo só pra mim.




🍑 O reino encantado da nespereira

O quintal começava com uma nespereira, a árvore que marcava a fronteira entre o real e o imaginário.
Depois vinha uma parreira generosa, um limoeiro de sombra fria, uma uvaia curiosa, uma amoreira doce e uma goiabeira teimosa — todas elas testemunhas silenciosas das minhas primeiras aventuras.

No meio de tudo isso, havia galinheiro, chiqueiro, horta e espaço pra correr até cansar.
Para os olhos de um menino de cinco anos, aquele terreno era um universo inteiro.
Eu subia nos galhos, comia frutos direto do pé, observava os leitõezinhos crescendo mês a mês — sem imaginar que um dia fariam parte da ceia de Natal.

E quando chegava dezembro, o quintal se transformava num espetáculo:
vinte primos, meia centena de pessoas, muito barulho e risadas, mesas enormes e o perfume de comida feita com amor e lenha.
Era o grande evento do ano — o reboot da família, a atualização emocional do sistema.




🧰 O quartinho de ferramentas e o baloiço dos sonhos

No canto do quintal, havia um quartinho de ferramentas, que para mim era uma espécie de laboratório secreto de invenções.
Parafusos, chaves, engrenagens, pedaços de metal, velhos rádios desmontados — tesouros que eu explorava como um pequeno arqueólogo da curiosidade.

E, ao lado, o baloiço pendurado rm caibros na fronteira do cimento com a terra, uma escadinha com tres degraus levava rumo ao portal magico do quintal.
Ali, eu voava.
Subia e descia como se pudesse alcançar o céu, conversar com os passarinhos, ver o mundo inteiro por outro ângulo.
Era o meu sistema de escape, meu hypervisor de imaginação.

Às vezes, o vento trazia o riso da vizinha, o assobio do meu tio Pedrinho empinando pipas e arraias — e tudo se tornava magia pura.




🇧🇷 O Brasil lá fora

Enquanto isso, o mundo dos adultos fervia.
O país já sentia os primeiros espasmos da crise econômica, o milagre brasileiro começava a desbotar, e a ditadura militar, embora em seu ocaso, ainda lançava sombras de medo e silêncio.

Mas o quintal era meu firewall.
Ali dentro, a realidade tinha outro ritmo.
Entre o canto do galo e o ranger da corda do baloiço, eu aprendi que a liberdade não está nas ruas — está na alma de quem ainda consegue sonhar.




☕ Epílogo Bellacosa

Hoje, quando fecho os olhos, ainda ouço o estalar dos galhos, o ronco dos porcos, o bater das asas das galinhas.
O quintal dos meus avós foi meu primeiro data center emocional:
onde armazenei as memórias mais puras, onde compilei meus afetos, e onde aprendi que o tempo é só um ciclo de estação.

Entre uma nespereira e um limoeiro, descobri que a infância é o sistema operacional da alma.
Tudo que vem depois — amores, dores, conquistas — roda sobre ela.

E às vezes, quando o vento sopra do lado certo, juro que ainda escuto o eco distante do meu baloiço…
girando devagar, como se o tempo ainda tivesse paciência.

terça-feira, 29 de junho de 2010

📜 A Velha Casa da Estrada Mogi das Cruzes, 115

 


📜 A Velha Casa da Estrada Mogi das Cruzes, 115

Há endereços que não são somente coordenadas — são portais. A casa da Estrada Mogi das Cruzes, número 115, pertencia a essa categoria rara: lugar que não se visita, mas se atravessa como quem entra em outra dimensão, uma dungeon cheia de níveis, salas secretas e tesouros guardados pela memória.



Não sei como surgiu, se foi construída de raiz, comprada, pronta e ampliada, quando cheguei ao mundo ela existia, enorme, imensa para este pequeno oni, que explorava cada canto maravilhado, fosse o armário da lavanderia cheio de segredos. Fosse o quartinho de ferramentas no fundo do quintal, as escadarias que subiam a lage e o escondido e de difícil acesso forro do telhado, que em uma das minhas travessuras explorei, retornando imundo, sujo de pó e cutões. Das imensas caixas d´águas do Telhado/Lage. Tudo lendário com alguns tesouros inacessíveis e proibidos: os brinquedos do tio Pedrinho.




Ali moravam Pedro e Anna — avós de braços largos, olhos cheios de história, cozinhas quentes e quintais infinitos. No ar, cheiro de fruta madura, de bolo recém-assado e de terra molhada. No fundo, o chiqueiro com dois leitões crescendo ao ritmo do ano, engordados para o Natal e o Ano Novo — rituais da família Bellacosa que eram quase sagrados. As míticas festas de final de ano, onde cada uma delas guardavam momentos únicos e felizes com toda a família reunida.





A pedido do meu avô Pedro, os meninos do bairro, recolhiam e vinham com sacas com restos da feira de rua, vegetais que iriam para o lixo, mas recebendo moedas em troca, ajudavam a alimentar os leitões. Nada era desperdício: tudo virava vida, sustento, festa. Porque naquela casa sempre havia festa. Era aniversário meu, do tio Pedrinho, de algum primo, ou então a grande festa junina — bandeirinhas, fogueira, milho quente e a onomástica de São Pedro iluminando a noite.

Cada cômodo era um capítulo.
Cada parede, um segredo.
Cada tarde, uma aventura nova.




Havia o balanço, as pipas que rasgavam o céu, a laje onde se soltavam balões e se assistia à queima de fogos ou simplesmente ao pôr do sol que parecia nunca ter pressa. E havia histórias épicas, como a minha irmã Vivi presa no banheiro junto de Marcelo e Duzinho — até que meu pai, Wilson, com um único murro, abriu um buraco na porta. Para pânico geral dos primos e gargalhada da memória futura.


E havia também Neguinho — o pastor capa-negra, guardião final da dungeon. Obedecia somente a Wilson e ao avô Pedro. Para os demais… era chefe de fase. Olhos fixos, dentes à mostra, impondo respeito como só cães lendários sabem fazer.

Essa casa não era apenas casa.
Era reino. Era mapa. Era infância.
Era o lugar onde o tempo não passava — ele acontecia.


Hoje ela vive no espaço onde as casas verdadeiramente importantes moram: não no concreto, mas dentro de quem as viveu.

E eu vivi — profundamente.


Tinha a plaquinha que anunciava o trabalho da minha avó Anna em vender bolo sob encomenda, que quando semanalmente o fiscal da prefeitura passava. Ele solicitava educadamente para minha avó remover a plaquinha, senão levava multa da prefeitura, lembro do ritual, meu avô chegando do serviço, terça a tarde e virando a plaquinha e na quarta-feira, na parte da tarde, após o fiscal passar, desvirar a dita placa.

Lembro também em algum lugar dos anos 1970, quando enfim a SABESP trouxe água encanada para a vila Rio Branco, meu avô Pedro foi intimado a fechar o profundo posso, não sei a profundidade, mas para uma criaturinha pequena como eu, ver o meu pai no fundo, pequenino minusculo. Uma força tarefa com todos os homens adultos da família trabalhando duro na empreita. O poço parecia ir até o centro da terra, caminhões de entulho e muito trabalho até aquele gigante, que durante décadas trouxe água pura a família Bellacosa, ser silenciado, fechado e entupido.


Outra indiscrição, meu pai um atentado mor, piadista de piadas sujas, gozador e brincalhão; Cismava em provocar o povo, às vezes, até mostrando revistas pornográficas para os padres, dois irmãos gêmeos da paróquia da Ponte Rasa, para horror e raiva da minha avó Anna, que corria com a vassoura atrás do pouco pudico filho primogênito.

As festas outra doce lembrança, refrigerantes, barris de chops, batidas de amendoim, coco e maracujá. Vinho tinto que não podia faltar em uma casa napolitana.

Teve também alguns desastres, tipo a colisão dos fusquinhas vermelhos em dia de festa, claro que meu pai tinha que estar envolvido, porém, desta vez como vítima... Teve a panela de pressão que explodiu ao cozinhar feijão, destruindo a cozinha da vó Anna, primeiro tristeza e prejuízo financeiros, depois mais uma história para o clã Pedro Bellacosa eternizar em histórias de família.

E agora, está registrado e compartilhado contigo, caro leitor, destas linhas deste escriba do século XXI, que rememora com carinho antigos eventos.