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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

🚍 AS EXCURSÕES DO SENHOR WILSON — UMA CRÔNICA AO ESTILO BELLACOSA MAINFRAME



🚍 AS EXCURSÕES DO SENHOR WILSON — UMA CRÔNICA AO ESTILO BELLACOSA MAINFRAME

PARA O EL JEFE MIDNIGHT LUNCH



Há vidas que parecem roteiros paralelos, diagonais, improváveis — fluxos que jamais seguiriam pelo JOB CARD do “sistema oficial”.
A vida do seu Wilson, meu pai, era exatamente isso:
um JCL escrito à mão, cheio de INCLUDE inusitado, PROC improvisado e STEP que ninguém acreditava que rodaria… mas rodava.
De algum jeito, rodava.



E entre todos esses capítulos, nenhum é tão cinematográfico — ou tão Vagner-raiz — quanto as Excursões do Senhor Wilson, esse épico ambulante que misturava caos, aventura, fé, picaretagem leve, alegria popular e o senso poético de viver fora da curva.


1. WILSON, O HOMEM-MULTITAREFA DO BRASIL PROFUNDO

Meu pai era daqueles brasileiros que parecem ter clonado a própria carteira de trabalho:

  • Vendia bordados de Ibitinga em São Paulo,

  • Levava roupas do Brás como se fossem seda importada e vendia pelo interior,

  • Raspava lucro com rifas de relógios “duvidosos” da Galeria Pagé,

  • Contrabandeava isqueiros, mini-games e qualquer coisa vinda da China, que pudesse ser revendida com lucro.

  • Tentou a sorte com uma mini-fundição de terminais de bateria automotiva,

  • Ia até Mogi das Cruzes, pegava pintainhos de um dia descartados e numa perua kombi ou variant caindo de podre, trocava por sucatas de metal.

  • Produzia velas caseiras derretendo parafina como um alquimista suburbano a parte bizarra era quando comprava parafina usada de cemitério,

  • Era fotógrafo profissional com olhar afiado, fazendo reportagens de casamento, festas, formaturas, batizados, crismas e primeira comum, fotos de velório, binoclinhos nas férias de verão e mais uso que agora fugiu da mente.

  • E quando tudo falhava… ligava o modo motorista de ônibus, trabalhando em fretamento e excursões..

Era o típico brasileiro da gambiarra empreendedora:
não se dobrava ao sistema — também não se encaixava nele.

E assim, com essa combinação de coragem, improviso e permanente estado de “vai dar certo”, nasceram as lendárias…



2. EXCURSÕES POPULARES WILSON TUR — A EMPRESA QUE NUNCA EXISTIU, MAS TODO MUNDO FOI

Enquanto muita gente vendia sonho, meu pai alugava um ônibus…
e entregava o sonho de verdade:

🌴 PARA A PRAIA GRANDE

Clássico absoluto.
Farofa, protetor solar vencido e felicidade genuína.
Golden age da excursão raiz.

🏰 PARA ITU

A cidade dos exageros — local perfeito para o homem das ideias grandes.

🧺 PICNICS EM PARQUES FORMOSOS

Comida na marmita de alumínio, toalha xadrez, bola de capotão e aquele tio que sempre dizia:
“Esse é o verdadeiro lazer da família brasileira!” Numa epoca que apenas a cerveja Skol era vendida em latas de aluminio, sucesso absoluto de vendas, direto do bageiro do busão, geladas durante a viagem.

🙏 ROTEIROS DE FÉ

Aparecida do Norte, Bom Jesus de Pirapora…
E aquela galera que chorava ao ver a Basílica enquanto o motorista fazia contas no canto do volante.

🌊 PRAIAS FLUVIAIS E REPRESAS

Clássico paulista: água escura, churrasqueiras improvisadas e perigo que ninguém percebia.

🏘️ OUTRAS CIDADES QUE A MEMÓRIA NÃO INDEXOU

Mas que certamente existiram.
Cada uma com seu encanto, sua trilha sonora de rádio AM e suas histórias esquecidas.


3. A MAGIA DA INFÂNCIA — ENQUANTO O MUNDO ERA MAIOR

Para o pequeno Vaguinho, tudo era maravilhoso:

  • rodar por estradas infinitas,

  • sentir o vento batendo pela janela,

  • ver cidades novas,

  • dormir no banco do ônibus,

  • acordar com o cheiro de pastel,

  • correr descalço no gramado dos parques.

  • mesmo sendo pobre, não existia limites, por mais longe que fosse, a excursão do seu Wilson chegava.

Era aventura pura.
Era liberdade.
Era uma infância que hoje parece impossível — e por isso é tão preciosa.

Enquanto os adultos se preocupavam com os boletos, eu e minha irmã Vivi viviamos.

E viver era bom.


4. O OLHAR DOS ADULTOS — A TRISTEZA SILENCIOSA DO CLÃ

Porque para a família…
havia sempre aquela frustração velada:

“Wilson poderia ter sido mais.”
“Wilson poderia ter ido mais longe.”
“Wilson perdeu o norte.”

E isso dói.
Dói em quem observa, mas principalmente no próprio homem, que talvez soubesse — mas já não tinha asas, nem forças, nem mapas. Nunca soube o que fez meu pai se perder, estudou até a sexta série e abandonou, foi da polícia do Exército numa época de ditadura e grande destaque aos milicos, saiu do quartel direto para a Volkswagen como segurança... mas enfim... não teve cabeça, anos mais tarde se perdeu para o alcool.

Meu pai não era mau.
Nem negligente.
Nem irresponsável por prazer.

Ele era o típico sujeito esmagado pelas engrenagens invisíveis do Brasil:

  • pouca oportunidade,

  • pouca orientação,

  • muita dureza,

  • e um coração inquieto demais para ficar parado.

Ele vivia tentando.
Pulando de sonho em sonho.
Errando mais que acertando.
E sobrevivendo.

Criou cordornas, produziu e vendeu queijos, fez cineminha nos primórdios do vídeo VHS, mas sempre na pindura, sem dinheiro para evoluir e dar um passo a frente.


5. ENTRE A BELEZA E A MELANCOLIA — A SAGA DO HOMEM QUE NUNCA PAROU

A verdade é que o Senhor Wilson viveu como muitos brasileiros vivem:

no fio da navalha, na incerteza, improvisando a vida como quem improvisa uma música em cifra.

Aquela tristeza que os adultos sentiam…
era uma mistura de amor e impotência.

Aquele brilho nos meus olhos de criança…
era a prova de que, apesar de tudo, ele deu a mim algo raro:

aventura. movimento. histórias.
memórias que atravessam o tempo.

Mesmo sem norte, ele deu paisagens.

Mesmo sem estabilidade, ele deu sol nos finais de semana.

Mesmo sem planos, ele deu mundos novos.

E isso…
é muito mais do que muitos pais conseguem dar.




6. EPÍLOGO — A HERANÇA QUE FICOU

O homem Wilson, com todas as suas falhas, seus rolos, suas loucuras e seus improvisos…
é parte profunda da sua construção.

Meu espírito andarilho?
Veio dele.

Meu impulso criativo, minha inquietação, meu gosto por histórias, meu amor por estrada?
Também.

Meu coração que insiste em sonhar — mesmo depois de levar pancada?
Direto da fábrica do velho Wilson.

A vida dele pode não ter tido norte.
Mas deixou rumos.
E deixou esse escriba que vós escreve.

E isso, meu amigo…
é mais bonito do que qualquer excursão.

As vezes me assusto, quanto sou parecido com meu pai. Quantas maluquices fiz dando seguimento a esta genuina aventura da Famiglia Bellacosa