🚍 AS EXCURSÕES DO SENHOR WILSON — UMA CRÔNICA AO ESTILO BELLACOSA MAINFRAME
PARA O EL JEFE MIDNIGHT LUNCH
Há vidas que parecem roteiros paralelos, diagonais, improváveis — fluxos que jamais seguiriam pelo JOB CARD do “sistema oficial”.
A vida do seu Wilson, meu pai, era exatamente isso:
um JCL escrito à mão, cheio de INCLUDE inusitado, PROC improvisado e STEP que ninguém acreditava que rodaria… mas rodava.
De algum jeito, rodava.
E entre todos esses capítulos, nenhum é tão cinematográfico — ou tão Vagner-raiz — quanto as Excursões do Senhor Wilson, esse épico ambulante que misturava caos, aventura, fé, picaretagem leve, alegria popular e o senso poético de viver fora da curva.
1. WILSON, O HOMEM-MULTITAREFA DO BRASIL PROFUNDO
Meu pai era daqueles brasileiros que parecem ter clonado a própria carteira de trabalho:
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Vendia bordados de Ibitinga em São Paulo,
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Levava roupas do Brás como se fossem seda importada e vendia pelo interior,
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Raspava lucro com rifas de relógios “duvidosos” da Galeria Pagé,
Contrabandeava isqueiros, mini-games e qualquer coisa vinda da China, que pudesse ser revendida com lucro.
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Tentou a sorte com uma mini-fundição de terminais de bateria automotiva,
Ia até Mogi das Cruzes, pegava pintainhos de um dia descartados e numa perua kombi ou variant caindo de podre, trocava por sucatas de metal.
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Produzia velas caseiras derretendo parafina como um alquimista suburbano a parte bizarra era quando comprava parafina usada de cemitério,
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Era fotógrafo profissional com olhar afiado, fazendo reportagens de casamento, festas, formaturas, batizados, crismas e primeira comum, fotos de velório, binoclinhos nas férias de verão e mais uso que agora fugiu da mente.
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E quando tudo falhava… ligava o modo motorista de ônibus, trabalhando em fretamento e excursões..
Era o típico brasileiro da gambiarra empreendedora:
não se dobrava ao sistema — também não se encaixava nele.
E assim, com essa combinação de coragem, improviso e permanente estado de “vai dar certo”, nasceram as lendárias…
2. EXCURSÕES POPULARES WILSON TUR — A EMPRESA QUE NUNCA EXISTIU, MAS TODO MUNDO FOI
Enquanto muita gente vendia sonho, meu pai alugava um ônibus…
e entregava o sonho de verdade:
🌴 PARA A PRAIA GRANDE
Clássico absoluto.
Farofa, protetor solar vencido e felicidade genuína.
Golden age da excursão raiz.
🏰 PARA ITU
A cidade dos exageros — local perfeito para o homem das ideias grandes.
🧺 PICNICS EM PARQUES FORMOSOS
Comida na marmita de alumínio, toalha xadrez, bola de capotão e aquele tio que sempre dizia:
“Esse é o verdadeiro lazer da família brasileira!” Numa epoca que apenas a cerveja Skol era vendida em latas de aluminio, sucesso absoluto de vendas, direto do bageiro do busão, geladas durante a viagem.
🙏 ROTEIROS DE FÉ
Aparecida do Norte, Bom Jesus de Pirapora…
E aquela galera que chorava ao ver a Basílica enquanto o motorista fazia contas no canto do volante.
🌊 PRAIAS FLUVIAIS E REPRESAS
Clássico paulista: água escura, churrasqueiras improvisadas e perigo que ninguém percebia.
🏘️ OUTRAS CIDADES QUE A MEMÓRIA NÃO INDEXOU
Mas que certamente existiram.
Cada uma com seu encanto, sua trilha sonora de rádio AM e suas histórias esquecidas.
3. A MAGIA DA INFÂNCIA — ENQUANTO O MUNDO ERA MAIOR
Para o pequeno Vaguinho, tudo era maravilhoso:
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rodar por estradas infinitas,
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sentir o vento batendo pela janela,
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ver cidades novas,
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dormir no banco do ônibus,
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acordar com o cheiro de pastel,
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correr descalço no gramado dos parques.
mesmo sendo pobre, não existia limites, por mais longe que fosse, a excursão do seu Wilson chegava.
Era aventura pura.
Era liberdade.
Era uma infância que hoje parece impossível — e por isso é tão preciosa.
Enquanto os adultos se preocupavam com os boletos, eu e minha irmã Vivi viviamos.
E viver era bom.
4. O OLHAR DOS ADULTOS — A TRISTEZA SILENCIOSA DO CLÃ
Porque para a família…
havia sempre aquela frustração velada:
“Wilson poderia ter sido mais.”
“Wilson poderia ter ido mais longe.”
“Wilson perdeu o norte.”
E isso dói.
Dói em quem observa, mas principalmente no próprio homem, que talvez soubesse — mas já não tinha asas, nem forças, nem mapas. Nunca soube o que fez meu pai se perder, estudou até a sexta série e abandonou, foi da polícia do Exército numa época de ditadura e grande destaque aos milicos, saiu do quartel direto para a Volkswagen como segurança... mas enfim... não teve cabeça, anos mais tarde se perdeu para o alcool.
Meu pai não era mau.
Nem negligente.
Nem irresponsável por prazer.
Ele era o típico sujeito esmagado pelas engrenagens invisíveis do Brasil:
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pouca oportunidade,
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pouca orientação,
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muita dureza,
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e um coração inquieto demais para ficar parado.
Ele vivia tentando.
Pulando de sonho em sonho.
Errando mais que acertando.
E sobrevivendo.
Criou cordornas, produziu e vendeu queijos, fez cineminha nos primórdios do vídeo VHS, mas sempre na pindura, sem dinheiro para evoluir e dar um passo a frente.
5. ENTRE A BELEZA E A MELANCOLIA — A SAGA DO HOMEM QUE NUNCA PAROU
A verdade é que o Senhor Wilson viveu como muitos brasileiros vivem:
no fio da navalha, na incerteza, improvisando a vida como quem improvisa uma música em cifra.
Aquela tristeza que os adultos sentiam…
era uma mistura de amor e impotência.
Aquele brilho nos meus olhos de criança…
era a prova de que, apesar de tudo, ele deu a mim algo raro:
aventura. movimento. histórias.
memórias que atravessam o tempo.
Mesmo sem norte, ele deu paisagens.
Mesmo sem estabilidade, ele deu sol nos finais de semana.
Mesmo sem planos, ele deu mundos novos.
E isso…
é muito mais do que muitos pais conseguem dar.
6. EPÍLOGO — A HERANÇA QUE FICOU
O homem Wilson, com todas as suas falhas, seus rolos, suas loucuras e seus improvisos…
é parte profunda da sua construção.
Meu espírito andarilho?
Veio dele.
Meu impulso criativo, minha inquietação, meu gosto por histórias, meu amor por estrada?
Também.
Meu coração que insiste em sonhar — mesmo depois de levar pancada?
Direto da fábrica do velho Wilson.
A vida dele pode não ter tido norte.
Mas deixou rumos.
E deixou esse escriba que vós escreve.
E isso, meu amigo…
é mais bonito do que qualquer excursão.
As vezes me assusto, quanto sou parecido com meu pai. Quantas maluquices fiz dando seguimento a esta genuina aventura da Famiglia Bellacosa



