🥥 Travessuras no Quiririm — As Guerras Territoriais dos Cecapianos
Crônica ao estilo Bellacosa Mainframe, para o blog El Jefe Midnight Lunch
Existem infâncias que são parques de diversão.
A minha, em 1984, no Quiririm e no recém-criado Fabrilar e no enorme conjunt Cecap, era mais parecida com um tabuleiro de War misturado com Os Goonies.
Cada garoto tinha seu território.
Cada território tinha sua lei.
E cada lei era respeitada como se fosse JCL em produção:
errou, abend imediato.
E assim vivíamos numa espécie de guerra fria infantil, onde nem a ONU ousaria meter o bedelho.
🏘️ Os Três Povos do Vale Encantado
Naquele microcosmo taubateano, existiam três facções principais:
🏰 1. Os Cecapianos
Nascidos nos sobrados brancos, erguidos como fortalezas modernas.
Crianças com trilhas, bosques e quadras como reinos particulares.
Uma sociedade organizada, com líderes tribais, hierarquia e fronteiras bem definidas.
🌽 2. Os Quiririm Raiz
Moradores antigos, herdeiros da tradição italiana e dos quintais cheios de frutas.
Conheciam cada árvore, cada jabuticabeira, cada pedra do caminho.
E defendiam suas áreas com fervor digno de cavalaria medieval.
🏭 3. Os Fabrilarenses
Vindo do recente conjunto habitacional, criado por último, eram considerados os nômades urbanos, os NOVATOS — rápidos, espertos e com fama de brigões.
Para eles, território era motivo de honra.
🎒 A Escola: Nosso Acordo de Paz de Genebra
A EEPG Deputado César Costa era o único campo neutro.
Lá as três facções conviviam como se fosse um servidor compartilhado:
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Nada de briga
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Nada de provocações
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Nada de declarar guerra no recreio
Porque ali, meus amigos, era campo santo.
Lugar onde até os mais valentões viravam alunos comportados.
Mas bastava cruzar o portão para o mundo se dividir de novo em fronteiras invisíveis.
🍒 As Expedições Secretas: Goiabas, Pitangas e Jaboticabas
O ápice das aventuras?
Invasões frutíferas.
Entrar escondido no território do Quiririm para comer jaboticaba era tipo missão impossível:
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avançar rastejando
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vigiar os coqueiros
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fazer reconhecimento de área
-
calcular rota de fuga
-
subir no pé de fruta como quem toma uma torre de castelo
E então, claro…
ser descoberto.
A fuga era cinematográfica:
correria, gritos, galhos arranhando braços, risada nervosa e…
os cascudos ritualísticos quando capturado.
Nada grave.
Era o protocolo diplomático da época.
🌰 Guerras de Coquinhos e Mamonas — Nosso Paintball Pré-histórico
Se hoje a molecada brinca de laser tag, nós tínhamos:
Coquinhos + Bodoques
e
Mamonas + Pontaria treinada
As batalhas eram épicas:
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Quadra D vs. Quadra B
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Quadra B vs. Quadra E
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Quadras unidas vs. Fabrilarenses
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Quiririm vs. Todo mundo
Os líderes organizavam o ataque:
posições estratégicas atrás de muros, sincronização na contagem regressiva, estilingues preparados.
O impacto dos coquinhos deixava marcas de guerra.
Cicatrizes que hoje viraram memes pessoais.
🚴♂️ A Arte de Fugir, Brincar e Crescer
Vivíamos uma liberdade que o mundo moderno nem sonha mais.
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Correr até perder o fôlego
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Fugir de perseguições que eram parte do jogo
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Se esconder atrás de eucaliptos
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Brincar de pega-pega nos campinhos
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Jogar taco nas ruas de terra
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Disputar quem encontrava primeiro um riacho limpo
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Receber os primeiros beijinhos roubados
E cada dia parecia maior que o anterior.
Dias de verão infinito.
Dias de infância verdadeira.
🌄 Epílogo: O Reino Que Só Criança Enxerga
Crescer no Quiririm, no Cecap, no meio daquela geopolítica infantil, foi viver numa pequena epopeia.
Numa era sem celular, sem internet, sem videogames modernos, a gente tinha:
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território,
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aventura,
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guerra,
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diplomacia,
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fuga,
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risos,
-
e descobertas.
Tudo isso sem que nenhum adulto percebesse a complexidade estratégica envolvida.
Aquela “guerra fria” era na verdade uma das fases mais quentes e doces da vida.
E no fim, todos nós — quiririnenses, cecapianos, fabrilarenses — crescemos juntos, cada um guardando suas histórias como quem guarda o mapa de um tesouro.