🌑 A solidão na estrada, rumo ao adeus
(Por Vagner Bellacosa – Bellacosa Mainframe)
No dia 20 de dezembro de 2021, a morte de meu pai ainda era uma notícia em suspenso, um pressentimento que pairava no ar como um fio de fumaça.
Mas o que realmente me feriu naquele dia não foi a morte em si — foi a reação da pessoa que deveria estar ao meu lado.
Minha namorada, na época, se chateou.
Disse que a perda do meu pai, tão próxima ao aniversário dela, era uma infelicidade, que “estragava a data”, que “marcaria para sempre aquele dia”.
Ouvi, em silêncio, tentando entender como a morte de um pai poderia ser tratada como um contratempo de calendário.
Ali percebi, com uma clareza quase cruel, o quanto estava sozinho — mesmo acompanhado.
Peguei o ônibus, naquela longa viagem rumo ao féretro e encarei os 300 quilômetros entre Campinas e Taubaté. Pensando num ciclo que terminaria ali, o adeus definitivo a Taubaté
A viagem prosseguiu com a alma em pedaços, tentando costurar o pensamento ao som do motor, sentindo o peso invisível da ausência. As inúmeras paradas pelo caminho, o chacoalhar do ônibus, as lembranças das primeiras idas ao Quiririm, ainda na década de 70. Pensando como a vida mudou e algumas coisas ficaram paradas no tempo.
Ao mesmo tempo, procurando não pensar no que ficou em Campinas, em tantos falatorios e por fim, tão pouca ação. Pensei que talvez ela pudesse ter vindo comigo — não por obrigação, mas por reciprocidade.
Afinal, eu mesmo já estivera ao seu lado em despedidas, em enterros de conhecidos dela, em momentos onde só a presença importava.
Mas dessa vez, não.
Dessa vez, era eu, o volante, a estrada e o eco das minhas próprias lembranças.
A cada quilômetro, crescia uma certeza amarga:
em muitas das minhas dores, sempre estive só.
E talvez essa solidão tenha sido o verdadeiro luto que começou naquele dia —
não o da morte do meu pai, mas o da ilusão de companhia.
Cheguei a Taubaté com o coração já em meio luto.
O silêncio da estrada parecia me preparar para o silêncio final que viria no dia seguinte.
Aquela viagem foi, no fundo, o velório antecipado —
do meu pai, da relação, e de uma parte minha que ainda acreditava que amor e presença eram sinônimos.
