A ESCOLA MARECHAL – O PRIMÁRIO EM QUE NASCEU UM PEQUENO NINJA
Um poste estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight Lunch
Existem lugares que a gente não apenas frequenta — a gente sobrevive a eles.
E quando cresce, descobre que ali se forjou todo um jeitão de ser, pensar, sorrir, aprontar e… pular muro.
Para mim, esse lugar atende por um nome pomposo, quase militar, quase burocrático, mas cheio de magia:
EMPG Marechal Juarez Távora.
Vila Rio Branco. Ponte Rasa. 1981–1983.
Se você me conhece hoje — Bellacosa, notívago, escritor de madrugada, professor de mainframe, contador de causos, parkurista aposentado e ninja de Taubaté — saiba que metade disso começou ali.
CAPÍTULO 1 — 1981: O MENINO, A PROFESSORA E O CADERNO DE CALIGRAFIA
Primeira série.
Primeiro ano.
Primeiro choque da vida escolar.
A escola era moderna, enorme, com ambulatório médico, sala odontológica, biblioteca, banda, quadra, refeitório… um luxo educacional para os anos 70/80.
Um verdadeiro data center pedagógico com latas de tinta guache no lugar dos mainframes.
Mas minha professora, dona Cecília, tinha outra visão:
para ela, eu era um menino inteligente demais para o próprio bem.
Eu terminava tudo rápido.
Como castigo?
Me jogava num inferno chamado caderno de caligrafia.
E mais: como sou canhoto, ela implicava com a letra “torta” e me obrigava a escrever como destro.
Imagina a cena: um Bellacosa mirim, lutando contra a própria natureza, escrevendo torto com a mão errada, caligrafia virando uma pista de autorama.
Mas nos intervalos, renascia o guerreirinho:
eu e meu amigo Fábio desenhávamos monstros, heróis tokusatsu, ciborgues e robôs no verso das folhas.
Aqui vai um adendo, além dos versos de folhas, usávamos envelopes de laboratórios fotográficos, onde meu pai e o avô do Fabio, traziam os frutos de seus trabalhos como fotógrafos, reaproveitando folhas e criando mundos imaginários.
Ninguém segurava a criatividade.
Até que veio o primeiro ato falho da minha carreira criminosa infantil:
um belo dia, cansado da professora, eu disse à minha avó Anna:
— Vó, amanhã não tem aula!
E miraculosamente ganhei uma manhã deliciosa, vendo TV, vadiando, feliz da vida.
Mas a verdade é como JCL:
se tiver erro, alguém vai achar.
Apareceu a dona Cida, amiga da minha avó, perguntando por que eu não estava indo com o neto dela.
Game over.
Castigo.
Sermão.
E um Bellacosa devolvido ao Marechal.
CAPÍTULO 2 — 1982: A BANDA, A NÊMESIS DA BIBLIOTECA E O SURDO NO SOL DO MEIO-DIA
Segundo ano.
Agora a máquina estava “aquecida”.
Educação física na quadra.
Banda da escola, a famosa FANFARRA.
Amigos.
Aventuras.
A banda durou pouco — ninguém explica por que alguém achou boa ideia dar um surdo gigante para uma criança de 8 anos carregar meio-dia, no sol de rachar.
Foi meu breve período como aprendiz de músico e roadie mirim.
Mas a biblioteca…
Ah, a biblioteca foi o campo de batalha.
A professora responsável encasquetou comigo.
No dia em que ela ordenou para contar sobre a leitura do livro preferido, falei — na maior inocência — A Roupa Nova do Rei, e ainda fiz o resumo do desaventurado rei.
Num Brasil ainda com cheiro de ditadura militar e paranóia ideológica, elogiar um livro sobre um governante, sendo enganado por larápios, e humilhado em sua soberba e que anda pelado, pode ter soado… digamos… “subversivo”.
A professora me fuzilou com os olhos.
Me expôs na frente da classe.
E eu, ferido no ego e no orgulho, comecei a fugir das aulas de leitura por semanas.
Claro que a fuga acabou em outra reunião de pais.
Outro sermão.
Outro castigo.
A vida escolar é um loop: INPUT → PROCESS → ERROR → MSG → REPROCESS.
CAPÍTULO 3 — OS RUFÍAS, O MAIORIAL E O NINJA DE MURO
Também havia os rufias da escola — toda escola tem seus mini-vilões.
E eu abusado e expansivo, entrei em conflito com uns rufias.
A diferença é que eu tinha um trunfo, ou melhor meu pai:
Que comentou com um amigo o problema do pequeno Vagner. Claro que socorrido pelo filho deste amigo, um veterano do quinto ano, que resolveu o problema rapidinho.
Eu ganhei o status de intocável. e eu sendo eu mesmo: virei “maiorial”.
Mas nada — absolutamente nada — marcou tanto quanto o muro.
Houve um tempo em que eu morava colado ao Marechal.
Muro compartilhado, porta da fantasia sempre aberta.
E eu…
ah, eu entrava e saía da escola pulando o muro como um ninja.
Parkour puro.
Desde pequenino gostei das alturas e já era expert em escaladas e andar por muros, os orixás que me perdoem...
Velocidade, impulso, aterrissagem limpa.
Em poucos minutos estava em casa assistindo desenho, como um passe de magica, magia de teletransporte, ou somente um travesso escalando e pulando o grande muro da escola.
Se o Naruto tivesse nascido na Ponte Rasa, o jutsu dele teria minha assinatura.
CAPÍTULO 4 — O ANO DA TRANSMUTAÇÃO (1983)
1983 foi rajada de vento que virou a prancheta da minha vida de ponta-cabeça.
Mudamos para Pirassununga.
Houve o caos.
Houve incêndio.
Voltamos para São Paulo.
Houve a separação e a primeira deportação a Guaianazes.
Morei com meus bisavós Francisco e Isabel.
Voltei para o Marechal.
Fiquei um bimestre.
Fui para Taubaté.
Fim da linha.
O Marechal virou memória.
Mas que memória…
As merendas quentes.
Os amigos.
As aventuras.
A banda, a quadra, a biblioteca, o surdo gigante, o muro.
Três séries de caos, magia e infância.
Ali eu aprendi:
• que caligrafia não define ninguém,
• que bibliotecas podem ser selvas,
• que amigos do quinto ano são firewall,
• que mentiras infantis têm monitoramento ativo,
• que o menino Bellacosa já treinava parkour sem saber,
• que crescer é sobreviver,
• e que toda escola é um pequeno mainframe:
roda programas, grava memórias, causa erros, corrige caminhos.
E, no meu core dump da vida,
a EMPG Marechal Juarez Távora ocupa uma das áreas mais quentinhas da storage.
Esta escola foi o pontapé inicial, me mostrou que o mundo não tinha limites, que bastava sonhar e correr atrás desses sonhos, se arriscar, levar nãos, quebrar a cara, mas mesmo assim, levantar-se e recompor-se.
Ser o ISEKAI que o pequeno Vagner Renato Bellacosa se tornaria o homem dos dois continentes, atravessador de oceanos, com altos e baixos, coração partido e partindo corações, vivendo, sorrindo e chorando, às vezes ambos ao mesmo tempo.
Mas sem medo de Viver, às vezes se expondo a risco, trocando o certo pelo duvidoso, sempre naquela ânsia de viver o dia de hoje, como se fosse o último, sem arrependimentos.