Quando o arquétipo vira clichê: sinais de alerta para roteiristas
O ponto exato em que o familiar se torna preguiçoso
Arquétipos são o coração dos animes. Eles fazem com que, desde o primeiro episódio, já compreendamos quem é quem, o que esperar, para onde a trama pode caminhar. Só que existe uma linha tênue: quando um arquétipo deixa de emocionar e passa a irritar, temos um clichê.
Durante minhas maratonas mais recentes, percebi que alguns animes tropeçam exatamente no momento em que escolhem o caminho mais fácil, trocando profundidade por fórmulas vazias.
A pergunta que fica é:
quando o arquétipo deixa de funcionar e vira apenas repetição?
1️⃣ O personagem não muda
Arquétipos devem crescer com a história. Sempre.
Sinal vermelho quando:
• a tsundere passa 12 episódios apenas gritando e batendo
• o protagonista improvável continua bobo e inútil até o final
• o vilão filosófico não tem qualquer ponto coerente
Se o personagem termina igual ao que começou, o arquétipo virou carimbo.
O público não assiste para ver o mesmo, e sim para ver o conhecido se transformar.
2️⃣ A função narrativa é substituída por “checklist”
“Precisamos de um alívio cômico, coloca um.”
“Falta uma moe, joga ali.”
“Coloca um senpai que ninguém liga.”
Quando o arquétipo é colocado apenas para preencher espaço, o roteiro cria ruído. O personagem está presente, mas não serve ao enredo.
Exemplo clássico: mascotes fofos que nada acrescentam, apenas piscam e vendem chaveiros.
3️⃣ Reações previsíveis a cada cena
Se o espectador sabe exatamente qual será a fala seguinte do personagem, há um problema de previsibilidade.
Indícios claros:
• a mesma piada repetida até perder graça
• gatilhos dramáticos que sempre levam ao mesmo choro
• romance arrastado, sem qualquer evolução de intimidade real
Surpresa é o tempero do arquétipo bem usado.
4️⃣ O mundo não influencia o personagem
Arquétipos não podem existir no vácuo. O cenário deve moldá-los.
Falha comum em isekai:
O protagonista vai para um mundo completamente novo, mas continua com mentalidade de colégio e atitudes idênticas ao primeiro episódio.
Se o mundo não transforma a pessoa, a jornada perde propósito.
5️⃣ O fanservice domina a personalidade
Fanservice é válido quando complementa. Torna-se clichê quando substitui.
Sintomas:
• o personagem existe apenas para mostrar pele
• seu fetiche é sua única característica
• qualquer conflito é resolvido “no grito ou no decote”
Quando o arquétipo vira objeto, deixou de ser personagem.
Por que os clichês irritam tanto?
Porque nós amamos potencial.
Vemos um arquétipo e pensamos: “isso pode ser incrível”.
Quando o roteiro não cumpre essa promessa, sentimos frustração.
O clichê não falha por ser familiar.
Ele falha por não surpreender.
Como resgatar um arquétipo antes que morra
Sugestões simples que fazem diferença:
✔ Mudança de contexto: coloque a tsundere em posição vulnerável
✔ Quebra de expectativa: deixe o protagonista falhar feio
✔ Objetivos pessoais além da função de “amar o herói”
✔ Motivação clara, mesmo para o alívio cômico
✔ Vilões com razão para acreditar que estão certos
Pequenas subversões reativam a curiosidade do público.
Conclusão de um otaku que já viu de tudo
Arquétipos são como ingredientes clássicos de ramen:
a massa e o caldo podem ser os mesmos, porém o tempero precisa ser novo.
O clichê não nasce do arquétipo.
O clichê nasce da falta de risco.
Se o roteirista parar de perguntar “qual personagem preciso?”
e começar a perguntar “quem essa pessoa quer ser?”,
o clichê desaparece e o anime floresce.




