quinta-feira, 26 de novembro de 2015

1979 – O Nascimento do Dandan: O Dia em que a Morte Quase Derrubou Nosso Sistema

 


1979 – O Nascimento do Dandan: O Dia em que a Morte Quase Derrubou Nosso Sistema

(Bellacosa Mainframe – El Jefe Midnight / Arquivos da Família em Modo HEX)

Em outro post, meus cartões perfurados já tinham rodado o job que trazia o ano de 1979 de volta para a memória principal. Mas aquilo era o modo soft, a narrativa otimista, travestida de açúcar cristal.
Agora, vamos acessar o dataset bruto, sem filtros, sem SLIP, sem EXIT para suavizar.

A vida da minha família, naquela década, parecia um mainframe antigo sofrendo com sobrecarga, paradas não programadas e abends fatais. E eu só entenderia o tamanho disso muito tempo depois.



Os Dois Que Vieram Antes de Mim – Jobs Abortados por Falhas do Sistema de Saúde

Eu sou o terceiro filho.

Mas antes de mim já tinham passado dois pequenos programas que nem tiveram chance de subir para production.

Wilson Jr, o primogênito, resistiu apenas cinco meses.
Broncopneumonia.
Minha mãe — uma menina de 19 anos, inexperiente, assustada — confiou no hospital.
E o hospital devolveu apenas silêncio, infecções oportunistas e um caixãozinho branco.

Depois veio Ana Cristina.
Prematura.
Fruto de um choque violento: minha mãe descobriu uma traição do meu pai.
O susto virou parto antecipado; e o parto virou perda.
Outra vida que não encontrou tempo para florescer.

Duas dores que nunca foram embora.
Só ficaram ali, rodando em background.



1974 – Finalmente Eu, o Terceiro Job da Linha

Nasci em 1974, carregando no peito a sombra dos irmãos que não voltaram para casa.
Em 1975 veio a Vivi, minha parceira de crime, minha dupla dinâmica na infância.

Mas entre nós e eles, entre um nascimento e outro, o caos seguia firme.

Brigas.
Fechamento temporário da fábrica.
Uma separação.
Um exílio em Guaianases na casa da minha avó Alzira — aquele tipo de exílio que cabe em sacolas de feira, com promessa vazia, juras de mudança, lágrimas silenciosas.

Voltaram.
Reataram.
Temos depois me deixaram um tempo com a minha avó Anna — eu, pequeno, sem entender nada, apenas obedecendo à linha de comando dos adultos.

Mas no retorno…
Havia um quarto elemento silencioso.

O Dandan estava a caminho.




A Descoberta do Problema Cardíaco – E a Gravidez que Virou Jogo da Morte

Minha mãe recebeu uma notícia que mudaria tudo:

Uma doença cardíaca, fruto de infecções de garganta mal tratadas na infância, febre reumática e, como diziam, “látex no sangue”.

Era uma bomba-relógio no peito de uma mulher que já havia enterrado dois filhos.

A gravidez do Dandan virou uma roleta russa.
Consultas, dores, repouso obrigatório, idas e vindas ao hospital.
E cada ida era um risco real.
O médico não dourou a pílula:
"Wilson e Mercedes, se tiverem outro filho depois desse… dos dois, ninguém voltará do hospital."



O Parto do Dandan – Nascido no Modo Emergencial

Dandan nasceu antes da hora.
Frágil.
Pequeno.
Com a vida dependurada num fio fino, quase invisível.

Minha mãe também quase se foi.

E aí aconteceu uma das maiores demonstrações de coragem que já ouvi:
Ela peitou médicos, enfermeiros, protocolos, todo mundo.
Disse que levaria o Dandan para casa.

“Perdi dois. Se deixar aqui, perco o terceiro. Eu cuido dele. Nem que tenha que vir todo dia.”

E ela foi.
E ela cuidou.

Minha avó Anna veio ajudar — aquela santa mulher que sustentou metade da família mais de uma vez.
E nós, os dois diabinhos, assistíamos tudo como quem vê um milagre acontecer na cozinha de uma casa simples.



Gigi, a Girafa de Borracha – Meu Primeiro Amuleto

Nessa época, ganhei algo que para mim foi quase um totem mágico:
Gigi, a girafinha de borracha.

Pequena, amarela, meio torta — mas era ela quem me ajudava a dormir nas noites em que a casa respirava medo e esperança ao mesmo tempo.



As Fórmulas de Baunilha e Tutti-Frutti – O Sabor da Sobrevivência

O hospital recomendou fórmulas nutricionais para minha mãe e o Dandan.
Eles odiaram.

Quem amou?

Eu e a Vivi.
Misturávamos aquilo em mingau, papinha, suco improvisado…
Era uma experiência sensorial que só quem viveu entende:
o sabor de uma infância dura, mas saborosa nos pequenos detalhes.



E Assim, Contra Todas as Probabilidades… Ele Viveu

Dandan cresceu.
Sobreviveu.
E nós sobrevivemos junto.

Aquele ano — duro, cinza, tenso — deixou marcas profundas no nosso firmware emocional.
Mas também deixou beleza.
Deixou força.
Deixou o exemplo de uma mãe que lutou como uma leoa.
De uma avó que segurou o mundo nas costas.
E de um bebê que venceu estatísticas, médicos e até a própria fraqueza do corpo.

1979 não foi só um ano duro.

Foi um ano lendário.

Um ano que provou que, às vezes, milagres acontecem em casas simples, com sacolas de feira, gelatina mole, medo constante e uma girafa de borracha como guardiã da noite.


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

🎞️ Hey Macaroni! — Quando o Windows dançava com a Madonna do disquete

 


🎞️ Hey Macaroni! — Quando o Windows dançava com a Madonna do disquete
(Por Vagner Bellacosa ☕ – Bellacosa Mainframe / El Jefe Midnight Lunch Edition)




Ah… o Windows 95, o som metálico do HD acordando, a tela azul “It’s now safe to turn off your computer”, e aquele tempo mágico em que até o protetor de tela tinha alma e ritmo.
Hoje, vamos falar de um clássico obscuro e hilário do folclore digital dos anos 1990: o Hey Macaroni!, o screensaver que parecia nascido de um sonho febril entre o CD-ROM da Encarta e o VHS do “Cassino do Chacrinha”.


🌀 A origem: quando o PC decidiu virar dançarino

O “Hey Macaroni!” fazia parte da coleção After Dark, uma série lendária de screensavers criados pela Berkeley Systems (sim, os mesmos do Flying Toasters).
Lançado entre 1993 e 1995, o pacote trazia protetores de tela que eram verdadeiros mini desenhos animados — humor, surrealismo e uma pitada de nonsense à la MTV Liquid Television.

O Hey Macaroni! em si mostrava um personagem cartunesco de bigodinho e roupa estilo mafioso siciliano, dançando como um louco ao som de uma paródia pseudo-italiana que repetia o mantra:
🎵 “Hey Macaroni!” 🎵



Era uma explosão de cor, ritmo e bizarrice — e, para muitos, a primeira forma de animação “musical” que viram num computador.
Num tempo em que a placa de som era opcional, ouvir aquele beat digitalizado era o equivalente a ter Dolby Surround no escritório.


🍝 Curiosidades que só um Bellacosa lembraria

  • 💾 O Hey Macaroni! vinha em disquete, depois em CD-ROM. Instalava junto com o After Dark 3.0 — e roubava a cena de todos os outros protetores, incluindo o clássico Flying Toasters.

  • 🎨 O personagem foi desenhado por Jack Eastman, animador que trabalhava com o software Director, precursor do Flash.

  • 🕺 Alguns diziam que era uma sátira à música “Macarena”, mas na verdade ele é anterior à febre do grupo Los del Río. Ou seja: o Hey Macaroni dançava antes da Macarena existir.

  • 🎬 Em fóruns antigos, fãs descobriram um easter egg: se você deixasse o screensaver por mais de 20 minutos, o Macaroni começava a improvisar passos novos e girar o prato de espaguete em loop infinito.


💾 O impacto cultural

Nos escritórios e lan houses da época, o Hey Macaroni era sinal de status:
se o seu computador tinha placa de som Sound Blaster e conseguia rodar o Hey Macaroni! com áudio sincronizado, você era o sysadmin do pedaço.

Ele virou meme antes do termo existir — o tipo de animação que colegas chamavam pra ver:
“Olha aqui, o cara dançando dentro do PC! Esse é o futuro!”

Era a época em que os protetores de tela eram a alma da máquina — os screensavers eram como os papéis de parede da geração Y2K: uma forma de mostrar personalidade digital.


🧠 Fofoquices de bastidor

  • 👀 Reza a lenda que o criador se inspirou num tio italiano que servia num restaurante em San Francisco e dançava com pratos de macarrão para entreter clientes.

  • 📼 O som “Hey Macaroni!” foi gravado por um estagiário da Berkeley Systems que, segundo entrevistas, nunca mais quis ouvir essa frase na vida.

  • 💡 O código do protetor era tão “artesanal” que travava em certas versões do Windows NT — e alguns o consideram o primeiro crash divertido da história.


☕ Bellacosa comenta:

O “Hey Macaroni!” é a prova de que a informática dos anos 1990 era lúdica, ingênua e viva.
Os PCs não eram apenas ferramentas — eram brinquedos caros que faziam barulho, piscavam e dançavam com você.

Hoje o protetor de tela é só um recurso para economizar energia; antes, era uma galeria digital de humor surreal.
E enquanto os toasters voavam e o Macaroni dançava, nós aprendíamos — sem perceber — que o computador podia ser divertido.


💡 Dica do El Jefe Midnight Lunch:

Quer reviver esse momento?

  • Baixe o After Dark Screensaver Collection (Windows 3.1/95) e rode num emulador.

  • Coloque um MIDI italiano de fundo, abra um copo de Yakult gelado e sinta o espírito do ciberespaço 1994.

  • E lembre-se: se o computador começar a dançar sozinho…
    não é vírus.
    É só o Macaroni te chamando pra festa.



sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Dai Maou — O Grande Rei Demônio (大魔王)

 


Dai Maou — O Grande Rei Demônio (大魔王)

Um estudo noturno entre mitologia, anime, naftalina e IBM Mainframe

Por Bellacosa Mainframe


Há palavras que carregam peso.
E há outras que carregam era, poeira, mitologia, ruído de CRT, cheiro de gabinete aquecido e aquela aura de “não mexe nisso que dá azar”.

Dai Maou é uma dessas palavras.

E hoje, no espírito das nossas madrugadas — café requentado, telinha do ISPF aberta como portal místico, e o blog El Jefe Midnight Lunch vibrando no mesmo pulso dos velhos processadores CMOS — vamos viajar por esse conceito que liga demônios japoneses, arquétipos narrativos, clichês de anime, lendas ocultas, fofoquices otaku, e até… advinha?
Isso mesmo: Mainframe.

Porque se existe um ser supremo numa história, meu amigo, ele definitivamente roda em z/OS.


🜁 1. O que é Dai Maou?

Dai (大)” = grande, supremo.
Maou (魔王)” = rei demônio, soberano das forças das trevas, o antagonista máximo, o chefão final do RPG, o vilão que até o vilão teme.

Dai Maou é o Big Boss dos mundos fantásticos japoneses.
O topo da cadeia alimentar sobrenatural.
O ser que nem o Google consegue indexar sem baixar a cabeça.

É o equivalente místico de um:

//BIGBOSS JOB ('OVERRIDE'),CLASS=A,MSGCLASS=X,REGION=0M

Quando esse nome aparece na tela, meu querido, você sabe:
vai dar trabalho.


🜄 2. Origem — entre Budismo, folclore e RPG de mesa maldito

O termo Maou existe há séculos.
No budismo, “Maou” (ou “Mara”) é a entidade que tenta Siddhartha Gautama — o tentador, o desviador, o executor do “Ctrl+C” em alma iluminada.

Com o tempo, o termo se mistura com contos populares, yokais, literatura esotérica, teatro Noh… até que chega no século XX e — pah! — cai nas mãos de escritores de fantasia, roteiristas de animes e criadores de RPGs.

Foi aí que o termo ganhou o “Dai”, o aumento de poder, o buff de +99 ataque mágico.

E assim nasce o template narrativo moderno.


🜃 3. Nos animes e games — o cargo mais cobiçado do inferno

Ser Dai Maou virou quase um cargo público no mundo otaku.
Só perde em popularidade para “estudante colegial com poder proibido selado na alma”.

Top características de um Dai Maou moderno:

  • Tem um castelo macabro (mais instável que catálogo da IBM em release novo).

  • Comanda exércitos de sombras, goblins, mortos-vivos, ou estagiários.

  • É poderoso, mas filosófico.

  • Fala calmo (quem manda não grita).

  • Cai no gosto do público e vira anti-herói.

  • Às vezes renasce como… colegial.

  • Às vezes vira idol.

  • Às vezes vira waifu (não julgo).


🜂 4. Curiosidades Bellacosa

Porque aqui a gente não só informa — a gente entrega naftalina, acetato, nostalgia e mainframe.

🌑 1. “Maou” já foi censurado em alguns animes

Por soar “religioso demais” ou “maligno demais”.
Resultado? O público gostou ainda mais — clássico efeito Streisand animado.

🌕 2. O primeiro “Dai Maou moderno” dos animes

Muita gente aponta Dragon Quest (1989) com seu vilão Zoma como o template visual: capa, chifres, voz grave, magia suprema, pose de chefe final.

🌑 3. Maou é o equivalente otaku do “SYS1.PARMLIB”

É o coração do sistema narrativo.
Você não começa por ele — mas sem ele, nada roda.

🌕 4. No ocidente, traduzem de tudo maneira errada

“Overlord”, “Dark Lord”, “Archfiend”, “Demon King”, “Supreme Evil”…
Mas nenhuma captura o charme japonês do Maou.
É igual traduzir JCL pra Python: perde a alma.


🜁 5. Mini Fofoquices místicas

(El Jefe nunca falha nas fofurinhas obscuras do submundo otaku.)

  • O fandom japonês costuma discutir quem é “Dai Maou nível Enterprise” e quem é “Dai Maou nível Batch de teste”.

  • Em fóruns, “Maou” virou elogio irônico: “O cara entregou relatório às 3h da manhã. É um Dai Maou do Excel.”

  • Há quem diga que o verdadeiro Dai Maou é quem consegue configurar o ISPF sem tutorial.


🜄 6. Dicas para identificar um Dai Maou na história

Bellacosa-style:

  1. Chegou música coral latina? É Maou.

  2. Plano fechado na sombra dos olhos? Maou.

  3. Cenário treme sem motivo? Maou vindo aí.

  4. Personagem fala “humanos são frágeis”… Irmão, é Maou.

  5. Poder proibido + iluminação roxa = Maou final boss edition.


🜃 7. Conclusão — O Dai Maou como espelho

O Dai Maou, na verdade, não é sobre maldade.
É sobre poder absoluto, vontade inquebrável, destino traçado — tudo aquilo que o ser humano teme e admira ao mesmo tempo.

Por isso ele aparece tanto em histórias japonesas:
é o símbolo perfeito da luta entre ordem e caos, disciplina e liberdade, luz e sombra.

Assim como nossos amados mainframes:
poderosos, antigos, temidos, respeitados — e sempre com aquela aura mística de “entidade superior observando tudo no datacenter”.

No fundo, o Dai Maou é o z/OS da mitologia otaku:
antigo, estável, poderoso e impossível de substituir.

E por isso a gente ama.


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

🍬 Seu Zé do Curaçá — O Último Guerreiro da Pauliceia Açucarada

 


🍬 Seu Zé do Curaçá — O Último Guerreiro da Pauliceia Açucarada

Uma crônica ao estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight

Existem homens que não passam pela vida — eles atravessam, como locomotivas teimosas, rangendo, bufando, avançando sem parar. Meu bisavô José era desses. Viúvo ainda jovem na casa dos 50 e poucos, encontrou Dona Etelvina, outra guerreira, uma viuva marcada pela vida, e juntos reconstruíram um lar improvisado no coração simples da Pauliceia dos anos 1970. Desses bairros onde as ruas ainda tinham cheiro de poeira, sem asfalto, casas inacabadas e um inconfundível odor de diesel e frango frito.

Eu, um de seus muitos bisnetos, era apaixonado pelo ritual das visitas ao Curaçá. Não pelo bairro — mas pela presença magnética de Seu Zé, o homem que parecia conversar com o destino como se conversasse com um cliente sentado no balcão.



🔥 O Império dos Espetinhos

No ponto final do ônibus, onde trabalhadores e bêbados confraternizavam como iguais, ficava seu domínio: a grelha sagrada do Seu Zé.
Espeto de frango, de carne, de porco…
Nada gourmet, nada instagramável.
Era comida que carregava suor, fumaça e honra.



Ali, cada espeto alimentava mais do que estômago: alimentava histórias, amizades, brigas resolvidas, amores improvisados e a poesia secreta da periferia.

Mas o homem não conhecia descanso. E grande surpresa descobrir hoje, que estes espetinhos tão famosos eram de inspiração copiada e aprimorada de imigrantes japoneses.

🏠 Tijolo por tijolo, doce por doce

Primeiro, ampliou a casinha.
Depois levantou um salão.
De salão virou uma pequenina doceria diurna, porque um guerreiro não deixa o sol nascer sem um novo plano.

E foi nessa fase que nasce a lenda que transformou minha infância: de puxadinho a Bombonieri do Seu Zé, ou como eu a chamava — A Fábrica de Delícias de Ze Wonka.

Entrar naquele salão era como ser teletransportado para Nárnia via glicose:
chicletes, jujubas, balas, drops, chocolates, maria moles, paçocas, doce de banana, doce de batata doce, suspiros, pé-de-moleque e os famosos salgadinhos de "isopor"…
Era orgia de açúcar, liberada e incentivada pelo velho que ria enquanto as crianças atacavam o estoque como piratas invadindo navio.

E ele amava aquilo e eu, a Vivi e o Dandan mais ainda.
Quanto mais doce sumia do balcão, mais brilhava o sorriso na cara enrugada do velho guerreiro.

O problema é que nenhum motor funciona para sempre.



🍺 O Último Bar do Guerreiro

Quando dona Etelvina partiu, ele ficou novamente só.
Transformou a bombonieri em boteco, que é sempre o destino natural dos velhos sábios da periferia.
Ali acompanhou a vida do bairro: brigas, namoros que começavam e terminavam na mesma tarde, conversas atravessadas sobre futebol, política e as besteiras eternas do ser humano.



Mas o tempo, esse auditor implacável, começou a cobrar prestação.

Seu Zé finalmente parou.
Foi morar com minha avó Alzira.
E como guerreiro não fica parado, começou a fazer quebra-queixo, aquele doce duro como a vida, mas doce como a esperança.



🧪 Operação Quebra-Queixo: Missão Rua São Bento

Foi então que este bisneto já com seus 20 anos entrou em cena.
Eu ia até o Centro de São Paulo — à lendária Botica Veado Douro, reduto alquímico da cidade — comprar ácido cítrico, corantes, essências, glucose, tudo para que o velho pudesse continuar sua pequena fábrica de sonhos mastigáveis.

Quantos potes carreguei pelas calçadas do Centro?
Quantas vezes pensei que aquele doce, duro e doce, era a metáfora perfeita do velho guerreiro?



🍧 O Sonho Irrealizado: A Máquina de Sorvete

Seu Zé realizou tudo na vida — menos um sonho simples:
comprar uma daquelas máquinas de sorvete de suco e espuma, tão comuns nos bares de periferia.
Aquelas que cuspem um sorvete meio derretido, meio geladão, com gosto de infância e de domingo preguiçoso.

Nunca conseguiu.
E talvez por isso o sonho tenha ficado tão bonito na memória — porque alguns sonhos existem só para lembrarmos que ainda somos humanos.



🌟 Epílogo — O Homem que Virou História



Hoje, quando penso em Seu Zé, não vejo apenas meu bisavô.
Vejo:

  • um Brasil que já não existe,

  • um tipo de trabalhador que a modernidade atropelou,

  • um artesão da vida,

  • um empreendedor antes da palavra existir,

  • um homem que combatia a tristeza vendendo alegria açucarada.



Seu Zé foi guerreiro até o fim.
Não deixou fortuna, não deixou empresa, não deixou prédio com nome.
Mas deixou histórias, deixou sabores, deixou lembranças que sobrevivem enquanto houver alguém, como eu, para contá-las.

E assim, no grande Mainframe da vida, o registro dele fica armazenado em permanente STATUS ACTIVE.

Porque certos homens nunca caem em DELETE PENDING.
Eles seguem, firmes, no spool da memória.

E o Velho Seu Zé, ah… esse está gravado em JES2 com retenção infinita.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

☕ Um Café Amargo no Século XXI

 


☕ Um Café Amargo no Século XXI

— Quando o progresso esqueceu o coração humano

Nasci no eco da Guerra Fria. Cresci ouvindo o som distante das sirenes nucleares, o medo invisível de um botão vermelho capaz de apagar o mundo em segundos.
E mesmo assim, havia esperança.
Acreditávamos que o século XXI seria o tempo da razão, da paz mundial, do triunfo da educação e da fraternidade.
Um tempo em que o homem, enfim, deixaria de ser o lobo do homem.

Mas o que aconteceu?
Por que o futuro que sonhamos parece mais turbulento que o passado que temíamos?


🕰️ O fim da guerra... e o começo das pequenas guerras

Quando o Muro de Berlim caiu, o mundo suspirou aliviado.
Era o fim da Guerra Fria, e com ela parecia ruir também o medo da aniquilação global.
Mas, ao mesmo tempo, perdemos o equilíbrio do medo.
Sem dois blocos para manter a ordem, o mundo virou um mosaico de disputas regionais, étnicas e ideológicas.
O inimigo deixou de ser um país e passou a ser o vizinho que pensa diferente.


💰 A globalização prometeu igualdade, mas entregou contraste

O século XXI começou com computadores em cada mesa e celulares em cada bolso.
Acreditamos que o conhecimento seria a grande ponte entre as classes —
mas ele virou um muro de desinformação, construído tijolo por tijolo nas redes sociais.

A tecnologia nos conectou, mas não nos uniu.
A prosperidade veio, mas não para todos.
Criamos um mundo onde alguns vivem no metaverso e outros ainda lutam por um prato de comida real.


📱 O medo mudou de rosto

Antes temíamos bombas.
Hoje tememos mentiras.
Tememos perder o emprego para a inteligência artificial, a liberdade para os algoritmos, o amor para a indiferença.
Vivemos em um campo de batalha invisível, onde cada “feed” é uma trincheira ideológica.
E o inimigo, muitas vezes, é a nossa própria incapacidade de ouvir.


⚙️ A máquina evoluiu, mas o espírito ficou para trás

Conquistamos o DNA, exploramos Marte, criamos cérebros eletrônicos.
Mas ainda tropeçamos nas mesmas pedras:
inveja, medo, ganância, intolerância.
A humanidade ganhou poder demais antes de aprender o que fazer com ele.

O chip evoluiu.
O coração, não tanto.


🙏 O vazio que o consumo não preenche

Quando as religiões perderam força, pensou-se que o homem ficaria livre.
Mas o vazio espiritual não foi preenchido com sabedoria — e sim com urgência.
Urgência de ter, de aparecer, de vencer.
O século XXI é uma vitrine iluminada onde muita gente se sente invisível.
Daí nascem os extremos, os fanatismos, o ódio travestido de ideologia.


☕ O despertar

Ainda assim, nem tudo está perdido.
Cada ato de empatia, cada professor que ensina com amor, cada cientista que pesquisa pelo bem comum,
cada pessoa que prefere dialogar em vez de brigar —
é um grão de esperança no filtro da humanidade.

O futuro que sonhamos ainda pode existir,
mas ele não virá da tecnologia.
Virá da alma.


🧭 Conclusão

O século XXI ainda é o mesmo sonho da Guerra Fria — só que com mais barulho, mais dados e menos silêncio para pensar.
Se quisermos um mundo melhor, talvez o primeiro passo seja simples: desligar as máquinas por um instante e voltar a conversar como humanos.

Porque, no fim das contas, o verdadeiro progresso não é digital.
É emocional, ético e humano.


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

El Jefe Midnight Lunch

Meia noite, estou com fome!


Deu meia noite e bateu uma fome dos diabos, abro armário, geladeira e saio fazendo a maior confusão. Encontro tudo o que preciso, resolvo fazer um sanduba, o rei dos sandubas.

Utilizo em seu preparo pão amanhecido, queijo em fatias, ovo frito com a gema mole, muita cebola, pimenta , manjericao e azeite.



Frito o bife de pernil bem temperado deixando-o ao ponto. Acrescento a cebola
Ao final frito o ovo nessa gordura



Preparo o sanduiche e coloco na chapa para derreter o queijo e deixar a casca crocante.

Graças a este sanduiche tive a epifania de montar meu blog, fotoblog, fan-page no facebook e google plus e video no youtube.

Por isso desde esse dia, assino minhas paginas como El Jefe Midnight Lunch.

Bom apetite.

Crônica — Pilhas Caras, Brinquedos Offline e um Sonho Chamado Ferrorama




Crônica — Pilhas Caras, Brinquedos Offline e um Sonho Chamado Ferrorama

Para o Blog El Jefe Midnight Lunch — Edição Bellacosa Mainframe

A infância não é feita apenas de doces memórias — às vezes ela vem com senha de acesso restrito, versão demo, recurso limitado por orçamento e por boleto vencendo.
E no meu caso, os vilões não eram monstros nem fantasmas.
Eram pilhas.
Essas pequenas tiranas cilíndricas que decidiam quanto tempo um brinquedo podia existir.

Tínhamos uma vida de onda — ora maré alta, comida farta, risada solta; ora maré baixa, contas apertadas, criatividade para sobreviver.
Meu pai com a fotografia, minha mãe com salgados, manicure, bordados, o que aparecesse.
Quando a grana apertava, a família estendia a mão como ponte.
Nunca faltou amor.
Mas sobravam limites.

E é por isso que eu odiava brinquedos a pilha.


Não que eu não achasse incríveis.

Robôs que andavam, carrinhos que piscavam, fuscas que davam ré quando batiam na parede — aquilo era um trailer do futuro passando no cinema da sala.
Mas o ingresso era caro.
Pilhas custavam quase como ouro, ainda mais no late-game da ditadura, com a inflação mordendo o salário como um pitbull faminto.



Meus pais compravam um kit por mês.
Acabou? Acabou.
Só no próximo ciclo fiscal familiar.
E aí ficavam lá, meus brinquedos — parados, imóveis, como estátua greco-romana — esperando energia para viver.
Brincar com eles sem pilha era como tentar ouvir vinil sem agulha.

A solução científica-milenar? A geladeira.
Colocávamos as pilhas no gelo como se fossem soldados feridos na enfermaria.
E elas ressuscitavam por alguns minutos gloriosos.
Depois morriam novamente, dramaticamente, sem música de despedida.

Por isso, os reis do meu quartel não tinham pilha:
Fort Apache e soldados Gulliver.
Movidos a imaginação, sem consumo energético, 100% renovável.
Ali a batalha nunca acabava — era fusão nuclear de fantasia e chão de terra.
A infantaria marchava, o canhão disparava som com a boca, o cavalo corria como búfalo.
Era offline mode, mas com servidor dedicado na mente.

E havia um sonho.
Grandioso, inalcançável, quase mitológico:

O Ferrorama.


O trem elétrico da Estrela.
O Orient Express da infância brasileira.
A Torre Eiffel dos brinquedos.

Eu imaginava aquele trilho montado na sala, locomotiva fumegando, vagões brilhantes, estação lotada de passageiros que só existiam na minha cabeça.
Mas o preço era astronômico, coisa para filho de bancário ou de dentista do bairro.
Eu ficava com versões humildes, trenzinhos simples, plástico cru, motor fraco — mas rodavam sonhos.

Demorei anos para entender, mas aquilo me ensinou algo duro e valioso:

Quem sonha com o que não pode ter,
aprende a criar mundos com o que tem.

Hoje olho a prateleira, cheia de itens que eu jamais imaginei um dia possuir — alguns valem mais do que dois ou três Ferroramas dos anos 80.
E o menino de pilha gelada olha para tudo isso com um sorriso torto, meio vitorioso, meio nostálgico.

Porque a verdadeira bateria que movia minha infância não era alcalina —
era imaginação ilimitada com orçamento limitado.

E no fundo, é ela que me move até hoje.