🚂 Sorocaba/1982 — Arquivo de Trilhos, Banheiros Selvatizados & Carnaval Infantil
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Algumas lembranças não vêm em HD — mas vêm quentes.
Vêm com cheiro de diesel, com vento na janela e com aquele tec-tec hipnótico que só trilho antigo sabe fazer.
1982.
Meu pai tinha o velho fusca azul, fiel e barulhento.
Mas naquele carnaval decidimos fazer algo maior — ir de trem até Sorocaba.
Sim, aventura ferroviária pura, raiz, sem tutorial, sem Google Maps, apenas alma e trilhos.
Lembro da chegada à Estação da Luz, imponência de cartão-postal.
Dali, seguimos rumo à plataforma da Sorocabana, para embarcar no trem da antiga Sorocabana, já sob comando da Fepasa — gigante paulista dos tempos em que ferrovia ainda era mapa vivo no Estado.
A viagem foi mais do que transporte — foi rito de passagem.
A janela era cinema.
O trilho era trilha sonora.
E eu, garoto encantado, absorvia tudo como backup eterno na cabeça.
E tinha o carrinho de guloseimas, claro.
Pipoca estalando, refrigerante de garrafa pesada, biscoito de polvilho, amendoim torrado com cheiro que invadia vagão inteiro.
A experiência completa.
Mas a parte que o tempo nunca apagou —
o banheiro da estação.
Aquele banheiro ferroviário raiz, digno de paleontologia social brasileira:
Sem privada.
Duas plataformas para apoiar os pés, agachar e rezar para a estabilidade.
Se eu não estivesse surpreendido, vem a maior de todas as surpresas, daquelas de cair o queixo. Tínhamos ido ao banheiro da estação, mas nada nos surpreenderia mais que o banheiro no vagão de passageiros do trem.
Aquela cabine minuscula, assento plástico e a privada, melhor dizendo vaso sanitário era metálica com um estranho botão na lateral.
E o mais surreal — a descarga despejava o nosso serviço direto nos trilhos, sem filtro, sem poesia, sem engenharia sueca.
Você apertava, um estanho barulho e lá ia o passado direto para os dormentes, em movimento.
Selvagem. Primitivo. E, para uma criança de 7-8 anos, incrivelmente fascinante.
Foi longa a viagem, extensa como filme épico.
Mas eu não queria que terminasse.
Em Sorocaba, as memórias são borradas como foto velha, mas eu ainda sinto o riso, a correria, a liberdade infantil com as primas — filhas do primo Claudio e sua esposa Marli.
E o ápice do roteiro: Carnaval de rua.
Sambódromo improvisado, escola na avenida, crianças farreando, os primos brincando: Ana Claudia, Vagner, Giovana e Viviane, a fantasia brilhando na noite quente do interior.
Pulso cultural batendo forte, suor, serpentina e alegria solta como confete ao vento.
E os pequenos bebês Daniel e Claudio presos aos colos nada puderam fazer...
Sorocaba, trem, trilhos, banheiro bárbaro e carnaval —
é assim que guardo 1982 no peito.
Não é sobre luxo, nem sobre conforto: é sobre primeira aventura.
Porque crescer é isso —
de vez em quando o Fusca fica na garagem,
e a gente embarca naquilo que ainda não sabe explicar,
mas nunca mais esquece.
PS: Este adendo é coisa da Vivi, que lembrou de um acidente curioso nesta viagem, onde meu pai foi querer testar suas habilidades sobre patins, acabou batendo a cabeça no muro e um furo dolorido com um prego escondido.
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