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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

🚂 Sorocaba/1982 — Arquivo de Trilhos, Banheiros Selvatizados & Carnaval Infantil

 


🚂 Sorocaba/1982 — Arquivo de Trilhos, Banheiros Selvatizados & Carnaval Infantil

(Tape Load > /memories/1982/sorocaba_train_trip.bin)

Algumas lembranças não vêm em HD — mas vêm quentes.
Vêm com cheiro de diesel, com vento na janela e com aquele tec-tec hipnótico que só trilho antigo sabe fazer.

1982.
Meu pai tinha o velho fusca azul, fiel e barulhento.
Mas naquele carnaval decidimos fazer algo maior — ir de trem até Sorocaba.
Sim, aventura ferroviária pura, raiz, sem tutorial, sem Google Maps, apenas alma e trilhos.

Lembro da chegada à Estação da Luz, imponência de cartão-postal.
Dali, seguimos rumo à plataforma da Sorocabana, para embarcar no trem da antiga Sorocabana, já sob comando da Fepasa — gigante paulista dos tempos em que ferrovia ainda era mapa vivo no Estado.


A viagem foi mais do que transporte — foi rito de passagem.

A janela era cinema.
O trilho era trilha sonora.
E eu, garoto encantado, absorvia tudo como backup eterno na cabeça.

E tinha o carrinho de guloseimas, claro.
Pipoca estalando, refrigerante de garrafa pesada, biscoito de polvilho, amendoim torrado com cheiro que invadia vagão inteiro.
A experiência completa.



Mas a parte que o tempo nunca apagou —
o banheiro da estação.
Aquele banheiro ferroviário raiz, digno de paleontologia social brasileira:

Sem privada.
Duas plataformas para apoiar os pés, agachar e rezar para a estabilidade.

Se eu não estivesse surpreendido, vem a maior de todas as surpresas, daquelas de cair o queixo. Tínhamos ido ao banheiro da estação, mas nada nos surpreenderia mais que o banheiro no vagão de passageiros do trem.

Aquela cabine minuscula, assento plástico e a privada, melhor dizendo vaso sanitário era metálica com um estranho botão na lateral.




E o mais surreal — a descarga despejava o nosso serviço direto nos trilhos, sem filtro, sem poesia, sem engenharia sueca.
Você apertava, um estanho barulho e lá ia o passado direto para os dormentes, em movimento.
Selvagem. Primitivo. E, para uma criança de 7-8 anos, incrivelmente fascinante.

Foi longa a viagem, extensa como filme épico.
Mas eu não queria que terminasse.



Em Sorocaba, as memórias são borradas como foto velha, mas eu ainda sinto o riso, a correria, a liberdade infantil com as primas — filhas do primo Claudio e sua esposa Marli.
E o ápice do roteiro: Carnaval de rua.
Sambódromo improvisado, escola na avenida,  crianças farreando, os primos brincando: Ana Claudia, Vagner, Giovana e Viviane, a fantasia brilhando na noite quente do interior.

Pulso cultural batendo forte, suor, serpentina e alegria solta como confete ao vento.

E os pequenos bebês Daniel e Claudio presos aos colos nada puderam fazer...

Sorocaba, trem, trilhos, banheiro bárbaro e carnaval —
é assim que guardo 1982 no peito.
Não é sobre luxo, nem sobre conforto: é sobre primeira aventura.

Porque crescer é isso —
de vez em quando o Fusca fica na garagem,
e a gente embarca naquilo que ainda não sabe explicar,
mas nunca mais esquece.

PS: Este adendo é coisa da Vivi, que lembrou de um acidente curioso nesta viagem, onde meu pai foi querer testar suas habilidades sobre patins, acabou batendo a cabeça no muro e um furo dolorido com um prego escondido.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

🚌 A Primeira Viagem a Taubaté — O Dia em que o Cecap Virou um Castelo Medieval na Minha Imaginação

 


🚌 A Primeira Viagem a Taubaté — O Dia em que o Cecap Virou um Castelo Medieval na Minha Imaginação

por Vagner Bellacosa — para o El Jefe Midnight Lunch

Existem viagens que a gente faz com as pernas… e viagens que a gente faz com o coração.
Essa aqui é das duas.



Linha Pássaro Marrom 1970: O Expresso Pinga-Pinga do Tempo

Na década de 70, quando o Brasil era uma mistura de concreto cru, sonho industrial e poeira de estrada, não era qualquer um que tinha carro — e naturalmente, meu pai Wilson estava sem carro nessa época (novidade nenhuma, né?). Então, para visitar os Bellacosa de Taubaté, embarcamos no ônibus da Pássaro Marrom, naquela velha rodoviária ao lado da Estação da Luz, ainda cheirando a café fraco e fumaça de cigarro Minister.

O trajeto?
Todas. As. Cidades. Do. Vale. Do. Paraíba. Uma por uma.
O famoso pinga-pinga que transformava um percurso de duas horas em uma epopeia homérica.

Éramos seis almas nessa jornada:

  • Eu, o moleque curioso.

  • Vivi, com sua risada fácil.

  • Mamãe Mercedes, sempre alerta.

  • Papai Wilson, o mestre dos rolos.

  • Vó Anna, nosso porto seguro.

  • Tio Pedrinho, parceiro de aventuras.

E lá fomos nós, sacolejando Dutra afora, sonhando com a chegada.




A Fortaleza Branca no Alto da Colina

Quando finalmente descemos no Quiririm, seguimos para o Cecap, onde meus primos Andreia e Marcelo moravam.

Meu caro leitor:
aquilo não era um conjunto habitacional. Era um castelo.

Na visão de uma criança da década de 70, o complexo branco no alto da colina parecia uma muralha medieval protegendo cavaleiros, damas, primos, e histórias esperando para acontecer.

Os blocos desenhavam um grande quadrado, e no centro havia uma praça enorme com eucaliptos, aroma fresco que misturava infância, liberdade e vento do interior.

Era seguro.
Era bonito.
Era mágico.

E o melhor: tinha quadra B, quadra C, quadra D — cada uma com seus corredores secretos que serviam perfeitamente para que primos hiperativos pudessem se perder com estilo.



Reencontro de Primos: Bagunça Homologada pelo Universo

O abraço dos Bellacosa Dio foi o começo da farra.
Brincamos até a noite, exploramos corredores como se fossem masmorras, colhemos jabuticabas proibidas, visitamos a praça central para inventar histórias — porque criança da década de 70 não brincava, criava universos.

A Deia e o Celo eram companheiros de altas traquinagens, daquelas famosas festas de Natal e Ano Novo na Vila Rio Branco, se começar a escrever das bagunças, peraltices e momentos divertidos que passamos juntos. Vai faltar espaço na tela do celular. Tivemos o que podemos dizer infância feliz, juntos compartilhamos histórias e momentos únicos.

Andamos de bicicleta, jogos de bolinha de gude, bafo de figurinhas, queimada, pega-pega, pular corda, o primeiro videogame e muitas horas vagando pela rua em busca de aventura.



O Milagre da Pizza Americana no Liquidificador

Mas existe um momento nessa viagem que merece ser guardado num cofre de ouro emocional:
A pizza da tia Deise.

Veja bem, isso é anos 70.
Pizza era:

  • Massa aberta na mão,

  • fina,

  • napolitana,

  • feita no capricho da tradição.

Até que tia Deise chega com a ousadia culinária mais futurista da década:

🍕 Pizza de Liquidificador

40 anos antes da moda.
40 anos antes da Pizza Hut chegar no Brasil.

Ela bateu a massa no liquidificador.
Jogou aquilo na forma.
Cobrindo com molho e queijo.
Assou.

E quando saiu…
meu amigo…

Uma pizza fofa, absurdamente gostosa, revolucionária, e completamente diferente de tudo que eu conhecia.

Para uma criança, aquilo era alquimia pura.
Para um Bellacosa, era a confirmação de que a família carrega inovação no DNA.



O Retorno: Uma Volta à Pauliceia Cinematográfica

Depois de dias intensos de bagunça, gargalhada, aventura e jabuticabas furtadas, voltamos para São Paulo — novamente no pinga-pinga. Só que dessa vez, cansado, eu observava o mundo pela janela como se estivesse deixando um reino mágico que só existia para crianças.

É engraçado imaginar que alguns anos depois, nós mesmos nos mudaríamos para Taubaté.
Mas ali, naquela primeira viagem, tudo era novidade, tudo era descoberta, e tudo era alimento para a memória.


🎒 Easter-Egg Bellacosa Mainframe:

  • O Cecap foi projetado como unidade modelo de habitação popular — mas para as crianças virou lore de fantasia medieval.

  • A pizza da tia Deise foi um spoiler acidental da culinária americana que só chegaria anos depois.

  • A Pássaro Marrom era praticamente o gateway interestadual da classe média baixa paulista: se você não passou por ela, você não viveu os anos 70.

  • O cheiro de eucalipto do conjunto ainda existe — e ativa memórias mais potentes que qualquer máquina de fita do DFHSMON.


🧭 Conclusão no estilo Bellacosa Mainframe

Viajar nos anos 70 não era só deslocamento — era ritual, era aventura, era narrativa épica. A estrada sacolejava mais, o tempo demorava mais, o mundo parecia maior, e as emoções também.

Essa viagem para Taubaté não foi apenas um passeio.
Foi a primeira vez que descobri que lugares carregam alma.
Que famílias multiplicam a alegria.
E que um garoto curioso sempre transforma um conjunto habitacional em castelo, um ônibus em navio e uma pizza de liquidificador em obra-prima.

E quer saber?
Se existe algo que o Bellacosa Mainframe me ensinou é que o passado é o nosso servidor legado — e algumas memórias rodam tão bem que jamais vale a pena migrar.

PS: Meu tio Santiago trabalhava na Volkswagen de São Bernardo, quando construíram a fabrica de Taubaté, ele foi transferido para a nova unidade, durante uns tempos moraram em Caçapava, até o CECAP no Quiririm ficar pronto. Logo após se mudaram para a nova casa, fomos fazer aquela visita do clã para conhecer a nova morada.