quinta-feira, 5 de novembro de 2015

🍬 Seu Zé do Curaçá — O Último Guerreiro da Pauliceia Açucarada

 


🍬 Seu Zé do Curaçá — O Último Guerreiro da Pauliceia Açucarada

Uma crônica ao estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight

Existem homens que não passam pela vida — eles atravessam, como locomotivas teimosas, rangendo, bufando, avançando sem parar. Meu bisavô José era desses. Viúvo ainda jovem na casa dos 50 e poucos, encontrou Dona Etelvina, outra guerreira, uma viuva marcada pela vida, e juntos reconstruíram um lar improvisado no coração simples da Pauliceia dos anos 1970. Desses bairros onde as ruas ainda tinham cheiro de poeira, sem asfalto, casas inacabadas e um inconfundível odor de diesel e frango frito.

Eu, um de seus muitos bisnetos, era apaixonado pelo ritual das visitas ao Curaçá. Não pelo bairro — mas pela presença magnética de Seu Zé, o homem que parecia conversar com o destino como se conversasse com um cliente sentado no balcão.



🔥 O Império dos Espetinhos

No ponto final do ônibus, onde trabalhadores e bêbados confraternizavam como iguais, ficava seu domínio: a grelha sagrada do Seu Zé.
Espeto de frango, de carne, de porco…
Nada gourmet, nada instagramável.
Era comida que carregava suor, fumaça e honra.



Ali, cada espeto alimentava mais do que estômago: alimentava histórias, amizades, brigas resolvidas, amores improvisados e a poesia secreta da periferia.

Mas o homem não conhecia descanso. E grande surpresa descobrir hoje, que estes espetinhos tão famosos eram de inspiração copiada e aprimorada de imigrantes japoneses.

🏠 Tijolo por tijolo, doce por doce

Primeiro, ampliou a casinha.
Depois levantou um salão.
De salão virou uma pequenina doceria diurna, porque um guerreiro não deixa o sol nascer sem um novo plano.

E foi nessa fase que nasce a lenda que transformou minha infância: de puxadinho a Bombonieri do Seu Zé, ou como eu a chamava — A Fábrica de Delícias de Ze Wonka.

Entrar naquele salão era como ser teletransportado para Nárnia via glicose:
chicletes, jujubas, balas, drops, chocolates, maria moles, paçocas, doce de banana, doce de batata doce, suspiros, pé-de-moleque e os famosos salgadinhos de "isopor"…
Era orgia de açúcar, liberada e incentivada pelo velho que ria enquanto as crianças atacavam o estoque como piratas invadindo navio.

E ele amava aquilo e eu, a Vivi e o Dandan mais ainda.
Quanto mais doce sumia do balcão, mais brilhava o sorriso na cara enrugada do velho guerreiro.

O problema é que nenhum motor funciona para sempre.



🍺 O Último Bar do Guerreiro

Quando dona Etelvina partiu, ele ficou novamente só.
Transformou a bombonieri em boteco, que é sempre o destino natural dos velhos sábios da periferia.
Ali acompanhou a vida do bairro: brigas, namoros que começavam e terminavam na mesma tarde, conversas atravessadas sobre futebol, política e as besteiras eternas do ser humano.



Mas o tempo, esse auditor implacável, começou a cobrar prestação.

Seu Zé finalmente parou.
Foi morar com minha avó Alzira.
E como guerreiro não fica parado, começou a fazer quebra-queixo, aquele doce duro como a vida, mas doce como a esperança.



🧪 Operação Quebra-Queixo: Missão Rua São Bento

Foi então que este bisneto já com seus 20 anos entrou em cena.
Eu ia até o Centro de São Paulo — à lendária Botica Veado Douro, reduto alquímico da cidade — comprar ácido cítrico, corantes, essências, glucose, tudo para que o velho pudesse continuar sua pequena fábrica de sonhos mastigáveis.

Quantos potes carreguei pelas calçadas do Centro?
Quantas vezes pensei que aquele doce, duro e doce, era a metáfora perfeita do velho guerreiro?



🍧 O Sonho Irrealizado: A Máquina de Sorvete

Seu Zé realizou tudo na vida — menos um sonho simples:
comprar uma daquelas máquinas de sorvete de suco e espuma, tão comuns nos bares de periferia.
Aquelas que cuspem um sorvete meio derretido, meio geladão, com gosto de infância e de domingo preguiçoso.

Nunca conseguiu.
E talvez por isso o sonho tenha ficado tão bonito na memória — porque alguns sonhos existem só para lembrarmos que ainda somos humanos.



🌟 Epílogo — O Homem que Virou História



Hoje, quando penso em Seu Zé, não vejo apenas meu bisavô.
Vejo:

  • um Brasil que já não existe,

  • um tipo de trabalhador que a modernidade atropelou,

  • um artesão da vida,

  • um empreendedor antes da palavra existir,

  • um homem que combatia a tristeza vendendo alegria açucarada.



Seu Zé foi guerreiro até o fim.
Não deixou fortuna, não deixou empresa, não deixou prédio com nome.
Mas deixou histórias, deixou sabores, deixou lembranças que sobrevivem enquanto houver alguém, como eu, para contá-las.

E assim, no grande Mainframe da vida, o registro dele fica armazenado em permanente STATUS ACTIVE.

Porque certos homens nunca caem em DELETE PENDING.
Eles seguem, firmes, no spool da memória.

E o Velho Seu Zé, ah… esse está gravado em JES2 com retenção infinita.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

☕ Um Café Amargo no Século XXI

 


☕ Um Café Amargo no Século XXI

— Quando o progresso esqueceu o coração humano

Nasci no eco da Guerra Fria. Cresci ouvindo o som distante das sirenes nucleares, o medo invisível de um botão vermelho capaz de apagar o mundo em segundos.
E mesmo assim, havia esperança.
Acreditávamos que o século XXI seria o tempo da razão, da paz mundial, do triunfo da educação e da fraternidade.
Um tempo em que o homem, enfim, deixaria de ser o lobo do homem.

Mas o que aconteceu?
Por que o futuro que sonhamos parece mais turbulento que o passado que temíamos?


🕰️ O fim da guerra... e o começo das pequenas guerras

Quando o Muro de Berlim caiu, o mundo suspirou aliviado.
Era o fim da Guerra Fria, e com ela parecia ruir também o medo da aniquilação global.
Mas, ao mesmo tempo, perdemos o equilíbrio do medo.
Sem dois blocos para manter a ordem, o mundo virou um mosaico de disputas regionais, étnicas e ideológicas.
O inimigo deixou de ser um país e passou a ser o vizinho que pensa diferente.


💰 A globalização prometeu igualdade, mas entregou contraste

O século XXI começou com computadores em cada mesa e celulares em cada bolso.
Acreditamos que o conhecimento seria a grande ponte entre as classes —
mas ele virou um muro de desinformação, construído tijolo por tijolo nas redes sociais.

A tecnologia nos conectou, mas não nos uniu.
A prosperidade veio, mas não para todos.
Criamos um mundo onde alguns vivem no metaverso e outros ainda lutam por um prato de comida real.


📱 O medo mudou de rosto

Antes temíamos bombas.
Hoje tememos mentiras.
Tememos perder o emprego para a inteligência artificial, a liberdade para os algoritmos, o amor para a indiferença.
Vivemos em um campo de batalha invisível, onde cada “feed” é uma trincheira ideológica.
E o inimigo, muitas vezes, é a nossa própria incapacidade de ouvir.


⚙️ A máquina evoluiu, mas o espírito ficou para trás

Conquistamos o DNA, exploramos Marte, criamos cérebros eletrônicos.
Mas ainda tropeçamos nas mesmas pedras:
inveja, medo, ganância, intolerância.
A humanidade ganhou poder demais antes de aprender o que fazer com ele.

O chip evoluiu.
O coração, não tanto.


🙏 O vazio que o consumo não preenche

Quando as religiões perderam força, pensou-se que o homem ficaria livre.
Mas o vazio espiritual não foi preenchido com sabedoria — e sim com urgência.
Urgência de ter, de aparecer, de vencer.
O século XXI é uma vitrine iluminada onde muita gente se sente invisível.
Daí nascem os extremos, os fanatismos, o ódio travestido de ideologia.


☕ O despertar

Ainda assim, nem tudo está perdido.
Cada ato de empatia, cada professor que ensina com amor, cada cientista que pesquisa pelo bem comum,
cada pessoa que prefere dialogar em vez de brigar —
é um grão de esperança no filtro da humanidade.

O futuro que sonhamos ainda pode existir,
mas ele não virá da tecnologia.
Virá da alma.


🧭 Conclusão

O século XXI ainda é o mesmo sonho da Guerra Fria — só que com mais barulho, mais dados e menos silêncio para pensar.
Se quisermos um mundo melhor, talvez o primeiro passo seja simples: desligar as máquinas por um instante e voltar a conversar como humanos.

Porque, no fim das contas, o verdadeiro progresso não é digital.
É emocional, ético e humano.


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

El Jefe Midnight Lunch

Meia noite, estou com fome!


Deu meia noite e bateu uma fome dos diabos, abro armário, geladeira e saio fazendo a maior confusão. Encontro tudo o que preciso, resolvo fazer um sanduba, o rei dos sandubas.

Utilizo em seu preparo pão amanhecido, queijo em fatias, ovo frito com a gema mole, muita cebola, pimenta , manjericao e azeite.



Frito o bife de pernil bem temperado deixando-o ao ponto. Acrescento a cebola
Ao final frito o ovo nessa gordura



Preparo o sanduiche e coloco na chapa para derreter o queijo e deixar a casca crocante.

Graças a este sanduiche tive a epifania de montar meu blog, fotoblog, fan-page no facebook e google plus e video no youtube.

Por isso desde esse dia, assino minhas paginas como El Jefe Midnight Lunch.

Bom apetite.

Crônica — Pilhas Caras, Brinquedos Offline e um Sonho Chamado Ferrorama




Crônica — Pilhas Caras, Brinquedos Offline e um Sonho Chamado Ferrorama

Para o Blog El Jefe Midnight Lunch — Edição Bellacosa Mainframe

A infância não é feita apenas de doces memórias — às vezes ela vem com senha de acesso restrito, versão demo, recurso limitado por orçamento e por boleto vencendo.
E no meu caso, os vilões não eram monstros nem fantasmas.
Eram pilhas.
Essas pequenas tiranas cilíndricas que decidiam quanto tempo um brinquedo podia existir.

Tínhamos uma vida de onda — ora maré alta, comida farta, risada solta; ora maré baixa, contas apertadas, criatividade para sobreviver.
Meu pai com a fotografia, minha mãe com salgados, manicure, bordados, o que aparecesse.
Quando a grana apertava, a família estendia a mão como ponte.
Nunca faltou amor.
Mas sobravam limites.

E é por isso que eu odiava brinquedos a pilha.


Não que eu não achasse incríveis.

Robôs que andavam, carrinhos que piscavam, fuscas que davam ré quando batiam na parede — aquilo era um trailer do futuro passando no cinema da sala.
Mas o ingresso era caro.
Pilhas custavam quase como ouro, ainda mais no late-game da ditadura, com a inflação mordendo o salário como um pitbull faminto.



Meus pais compravam um kit por mês.
Acabou? Acabou.
Só no próximo ciclo fiscal familiar.
E aí ficavam lá, meus brinquedos — parados, imóveis, como estátua greco-romana — esperando energia para viver.
Brincar com eles sem pilha era como tentar ouvir vinil sem agulha.

A solução científica-milenar? A geladeira.
Colocávamos as pilhas no gelo como se fossem soldados feridos na enfermaria.
E elas ressuscitavam por alguns minutos gloriosos.
Depois morriam novamente, dramaticamente, sem música de despedida.

Por isso, os reis do meu quartel não tinham pilha:
Fort Apache e soldados Gulliver.
Movidos a imaginação, sem consumo energético, 100% renovável.
Ali a batalha nunca acabava — era fusão nuclear de fantasia e chão de terra.
A infantaria marchava, o canhão disparava som com a boca, o cavalo corria como búfalo.
Era offline mode, mas com servidor dedicado na mente.

E havia um sonho.
Grandioso, inalcançável, quase mitológico:

O Ferrorama.


O trem elétrico da Estrela.
O Orient Express da infância brasileira.
A Torre Eiffel dos brinquedos.

Eu imaginava aquele trilho montado na sala, locomotiva fumegando, vagões brilhantes, estação lotada de passageiros que só existiam na minha cabeça.
Mas o preço era astronômico, coisa para filho de bancário ou de dentista do bairro.
Eu ficava com versões humildes, trenzinhos simples, plástico cru, motor fraco — mas rodavam sonhos.

Demorei anos para entender, mas aquilo me ensinou algo duro e valioso:

Quem sonha com o que não pode ter,
aprende a criar mundos com o que tem.

Hoje olho a prateleira, cheia de itens que eu jamais imaginei um dia possuir — alguns valem mais do que dois ou três Ferroramas dos anos 80.
E o menino de pilha gelada olha para tudo isso com um sorriso torto, meio vitorioso, meio nostálgico.

Porque a verdadeira bateria que movia minha infância não era alcalina —
era imaginação ilimitada com orçamento limitado.

E no fundo, é ela que me move até hoje.

sábado, 31 de outubro de 2015

Bellacosa Mainframe Especial Halloween Log nº 006 — “O IAHAAAAAAAAAAA da Estrada Morta”

 



🎃👻 El Jefe Midnight Lunch – Bellacosa Mainframe Especial Halloween
Log nº 006 — “O IAHAAAAAAAAAAA da Estrada Morta”


Halloween chegou, e como manda o JCL cultural, é tempo de puxar do arquivo morto aquelas histórias que deixam o SYSOUT tremendo, que fazem o dataset da alma fragmentar, que instalam no peito um ABEND UFFF de pura geladeira na espinha.

Pois hoje eu revisito uma lembrança real.
Nada de lenda urbana, nada de filme de terror italiano mal dublado.
Eu estava lá.
Eu ouvi.
Eu tremi.

E até hoje não sabemos o que foi.



📍Contexto: década de 1970

Antes do Dandan nascer, quando a unidade de produção familiar tinha apenas 4 membros — meu pai, minha mãe, minha irmã e este pequeno Bellacosa que vos escreve.
Meu pai, claro, era o cavaleiro da estrada, volante de caminhão, de ônibus, de táxi e principalmente de nosso Fusca vermelho, o cão fiel de batalha, todo remendado mas sempre indo… até aquela noite.

Rodovia provavelmente era a Washington Luiz, quando interior ainda era silêncio e pasto infinito, pista sem movimento e nenhuma base de apoio, nada de SOS, nada SAT, nada celular.
Era tudo no modo raiz, olho no farol e fé no carburador.

Mas o velho Fusquinha, nessa noite — parou.
Simples assim.
Morreu no escuro mais preto que alma de político.




🌑 CENÁRIO DE TERROR

Meus pais empurram o carro para o acostamento.
Tampa do motor aberta.
Lanterna fraca, quase sem pilha — um fio de luz impotente tentando domar um universo de trevas.

Meu pai mexe no motor.
Minha mãe segura a lanterna.
Nós, duas crianças, dentro do carro, mudinhas, duras, coração batendo mais forte que pistão de Opala SS.

Nenhum carro.
Nenhuma casa.
Nenhum poste de luz.
Só o vento e o breu.

E então, do absolutamente nada — o grito.

— IAHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Um urro rasgado.
Animal?
Humano?
Morto-vivo?
ET da Dutra?
Não sabemos.

Gelou a espinha.
Meu cérebro infantil formatou no mesmo instante.
Olhei pro rosto dos adultos e vi algo terrível: eles também estavam com medo.

E quando adulto treme — a criança implode.


Silêncio.
Depois de alguns minutos…

IAHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

Mais alto.
Mais perto.

E assim madrugada adentro — o grito vinha, sumia, voltava.
Nós quatro encolhidos dentro de um carro morto no fim do mundo.
Sem saber se dali sairíamos a pé… ou carregados.




🌅 SALVAÇÃO

Só quando o sol tocou o asfalto é que um caminhoneiro apareceu.
Meu pai pegou carona, voltou com guincho, o Fusquinha foi remendado num posto de beira de estrada e seguimos viagem.

Vivos.
Inteiros.
Mas com a alma marcada como fita magnética arranhada.

Porque o IAHAAAAAAAAAAAAA
até hoje ecoa.




Não era rádio.
Não era bicho conhecido.
Não era gente pedindo socorro.

Era alguma coisa.

Talvez perdida entre mundos.
Talvez só querendo companhia.
Ou talvez — e essa é a versão que prefiro —
foi o Halloween que chegou adiantado naquela madrugada.

Bellacosa, encerrando transmissão com o farol apagando, motor engasgando, e o grito distante ainda sussurrando no spool mental:

IAHAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA…

 

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O que é ser fetichista — entre o desejo e o delírio

 


O que é ser fetichista — entre o desejo e o delírio

Existe um território curioso entre o desejo e o delírio.
Um ponto onde o corpo deixa de ser o centro e o detalhe passa a ser o universo.
É ali que nasce o fetiche — esse pequeno desvio do olhar que transforma o comum em irresistível.

Ser fetichista não é apenas gostar “demais” de algo.
É transformar um fragmento em mito.
Um par de sapatos, um perfume, uma voz rouca, um gesto inocente, o jeito que o cabelo cai sobre o rosto.
Não é o corpo inteiro que atrai — é a centelha, o símbolo, o objeto, o ritual.

Freud dizia que o fetiche é um truque do inconsciente para lidar com o medo e o desejo.
Mas talvez seja mais poético que isso.
O fetiche é a arte de personificar o desejo no detalhe.
É quando o toque vira linguagem, e o olhar vira altar.

Há quem veja o fetichista como um excêntrico — alguém que “desvia do normal”.
Mas o que é o normal, afinal?
O amor também é uma forma de fetiche: a gente escolhe uma pessoa, entre bilhões, e diz “essa aqui é única”.
Isso não é racional, é mágico.
O fetichista só leva essa mágica a sério demais — transforma o detalhe em religião.

No fundo, ser fetichista é ser devoto do detalhe.
É enxergar beleza onde os outros veem banalidade.
É transformar o toque de uma luva, o som de um salto, o cheiro de uma roupa em poesia.
É uma confissão disfarçada de vício, uma forma de dizer:
“não amo o todo, amo o que nele me fascina.”

Talvez por isso o fetichista viva entre o mistério e o tabu.
Porque o mundo teme quem vê beleza onde os outros não veem nada.
Mas é aí que mora o encanto — o fetichista é o último romântico do inconsciente,
aquele que ainda acredita que o desejo é feito de símbolos, não de corpos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

😂 Rindo à Japonesa: o Humor do Oriente Que Encanta (e Confunde) o Ocidente

 



😂 Rindo à Japonesa: o Humor do Oriente Que Encanta (e Confunde) o Ocidente

O humor japonês é um mundo à parte — cheio de sutilezas, expressões teatrais, trocadilhos malucos e situações absurdamente cotidianas. Se você já assistiu a algum anime, dorama ou programa japonês e se perguntou “por que eles estão rindo disso?”, bem-vindo ao universo fascinante do warai (笑い) — o riso nipônico.

Neste artigo, vamos mergulhar no que faz o Japão rir: sua história, seus estilos, os tipos de comédia, e claro, alguns nomes e curiosidades para você começar a entender e se divertir com essa parte essencial da cultura oriental.


🎭 Raízes do Riso: O Humor Tradicional Japonês

Antes do stand-up, existiam os palcos de tatame.
O humor japonês tem origem no Kyōgen (狂言) — uma forma teatral do século XIV que surgia entre os atos sérios do teatro Noh. Enquanto o Noh era espiritual e sombrio, o Kyōgen era o oposto: cotidiano, engraçado e cheio de sátira. Personagens como servos atrapalhados e mestres tolos divertiam o público com gestos exagerados e situações absurdas — uma espécie de “Chaves do Japão feudal”.

No século XVII, surge o Rakugo (落語): um contador de histórias sentado sobre um tatame, usando apenas um leque (sensu) e uma toalhinha (tenugui) para criar dezenas de personagens. É uma arte de improviso e ritmo, onde o humor nasce da fala e do silêncio. Mestres como Katsura Bunshi e Shijaku Katsura II mantêm viva essa tradição até hoje.


📺 Da TV ao Anime: O Humor Moderno e seus Estilos

O Japão moderno continua a rir — mas agora com câmeras, microfones e memes.
Nas décadas de 1950 e 1960, surgiram as duplas de comediantes, conhecidas como manzai (漫才). Um formato rápido e cheio de energia: um comediante “sério” (tsukkomi) e outro “bobo” (boke). Um faz a piada absurda, o outro corrige com indignação. É como o eterno duelo entre o sensato e o insano — um reflexo da harmonia e caos da sociedade japonesa.

Alguns grupos e nomes famosos incluem:

  • Downtown (Matsumoto Hitoshi e Hamada Masatoshi) — ícones do humor televisivo, criadores do lendário programa Gaki no Tsukai (“Não ria!”).

  • Ninety-Nine e London Boots — representantes do humor dos anos 90 e 2000.

  • Bakarhythm e Kojima Yoshio — mestres do humor nonsense e físico.

Nos animes, o manzai e o boke/tsukkomi aparecem em duplas clássicas:

  • Naruto e Jiraiya, Gintoki e Shinpachi, Kagura e Gintoki, Tanjiro e Zenitsu — e até Luffy e Zoro.
    A estrutura é a mesma: um fala bobagem, o outro reage com desespero.


💡 Dicas Para Entender o Humor Japonês

  1. Observe o contexto cultural: o japonês valoriza o absurdo e o embaraço social — rir do inesperado é uma forma de aliviar a tensão.

  2. Os trocadilhos (dajare) são reis: quanto mais ruim o jogo de palavras, mais risadas provoca.

  3. O silêncio é cômico: muitas vezes o riso vem da pausa desconfortável, não da fala.

  4. Gestos e expressões valem ouro: o exagero corporal substitui o palavreado.

  5. Assista com mente aberta: o humor japonês pode parecer estranho, mas há beleza na estranheza.


🧠 Curiosidades Divertidas

  • O Japão tem programas de comédia 24h por dia em canais locais.

  • Existem concursos nacionais de manzai — o M-1 Grand Prix é o “Oscar” do humor japonês.

  • O termo “baka” (idiota) é praticamente patrimônio do humor — aparece em quase todo sketch.

  • Muitos atores sérios começaram em programas de comédia. Exemplo: Takeshi Kitano (Beat Takeshi), hoje um diretor cult, era um comediante manzai.


📚 Para Começar: Humor Japonês Que Vale Conhecer

🎤 Rakugo clássico:

  • Shōten (programa de TV tradicional de contadores de história)

  • Akatsuka Fujio – criador de Osomatsu-kun, um marco do humor nonsense

🎬 Filmes e séries cômicas:

  • Kikujiro no Natsu (Takeshi Kitano) – humor melancólico e poético

  • Gaki no Tsukai: Batsu Game – o desafio de não rir mais famoso do Japão

📺 Animes com DNA cômico:

  • Gintama – sátira absoluta da cultura pop

  • Saiki Kusuo no Psi-nan – humor mental e rápido

  • Nichijou – absurdos cotidianos em alta velocidade


🌸 Conclusão

O humor japonês é mais do que piadas — é uma forma de observar a vida com leveza, ironia e empatia. Ele ensina que rir de si mesmo é uma arte, e que o riso, mesmo atravessando idiomas e culturas, é uma das linguagens mais universais que existem.

Então, da próxima vez que vir um japonês rindo de um trocadilho intraduzível, lembre-se: talvez o riso não precise fazer sentido — ele só precisa ser sentido.