📜 Memórias Sem Índice, Sem Catálogo, Sem Timeline — Volume “O Limbo 70–80”
Ao estilo Bellacosa Mainframe, com fragmentos soltos como cartões perfurados lançados ao vento.
Há um período nas minhas memórias que não respeita calendário, lógica, cronologia ou bom senso.
É o limbo 1970–1980 — um buffer de lembranças onde tudo se mistura:
-
São Paulo,
-
interior,
-
avós,
-
primos,
-
mudanças,
-
calor,
-
poeira,
-
brincadeiras,
-
e o eterno improviso da família Bellacosa.
Esse capítulo é sobre Ibitinga — a terra dos bordados, da brasilite fervendo e das tanajuras crocantes.
🌞 Ibitinga — O Caldeirão de Asfalto e Telha Brasilit
Meu pai, na eterna missão de “agora vai”, resolveu negociar os famosos bordados de Ibitinga.
E isso, claro, gerou mais uma migração.
Da casa lembro de três coisas:
-
um calor monstruoso, daqueles que fazem miragem na sala;
-
o barulho metálico da telha brasilite dilatando no sol;
-
e a liberdade absoluta: brincar na rua até tarde, correr, subir em coisas, cair de outras.
Foi lá também que provei um prato típico, obra da fauna local e da curiosidade infantil:
tanajuras assadas.
Crocantes. Amanteigadas.
Uma explosão de proteínas.
O primeiro snack gourmet de sobrevivência.
🪔 A Noite do Lampião e o Fusca de Farol Aceso
Mas a grande lembrança, a história digna de um Bellacosa Midnight Files, foi a visita a um sítio nos confins do município.
Sem energia elétrica.
Lampião de querosene.
Galinheiros.
Cavalo arisco.
E o som eterno do mato — cri cri cri.
Meu pai fez amizade com os sitiantes, e fomos passar o dia lá.
À noite, moeram cana para fazer guarapa: o caldo de cana raiz, aquele que pinga direto do engenhoca de madeira.
Tudo ia bem… até meu pai cometer um clássico:
deixar o farol do Fusca aceso.
Sim.
Fusca 1960 e alguma coisa, bravíssimo, mas com uma bateria do tempo de D. Pedro I.
Depois de horas iluminando o nada do mato:
puff — bateria morta.
Carro não pega.
Nem com reza forte.
🐎 A Jornada Noturna de Charrete
E aí começou o episódio épico.
— “Vamos pegar uma bateria emprestada no outro sítio.”
Montaram a charrete.
Lá fomos nós, com um cavalo que claramente não assinou contrato para aquele turno extra.
No caminho, tudo escuro.
Mato fechando.
Cheiro de bicho.
E nós, balançando na charrete como se fôssemos figurantes de filme de cangaço.
Resultado?
Ninguém tinha bateria.
Voltamos frustrados.
Dormimos no sítio.
Dormir improvisado no interior é assim:
um colchão antigo, cheiro de madeira, barulho de grilos e a lanterna tremulando no lampião.
🍊 O Exterminador do Pomar
No dia seguinte, eu perambulava pelo sítio quando o amigo do meu pai fez um gesto de silêncio:
— “Vem cá… sem barulho…”
Ele aponta para um pé de laranja.
Vai chegando devagar, devagarinho…
De repente, num movimento digno do Circo Garcia:
Pega uma cobra pelo rabo.
Rodopia.
PA-BUM!
O reptil não teve chance alguma.
Foi o shutdown definitivo.
Eu, criança, assisti tudo com:
-
40% choque
-
30% fascínio
-
20% medo
-
10% pensando: “ainda vou escrever isso no futuro.”
🍆 As Berinjelas…
Mas essas ficam para o próximo bloco de memória, porque história boa tem que vir em clusters, não em full load.