El Jefe – Ir Para a Cidade: A Epopeia Mágica do Mappin
Por Vagner “Formiguinha” Bellacosa – Versão Bellacosa Mainframe
Existem viagens que não precisam de avião, navio ou estrada longa.
Basta um domingo, uma avó guerreira e uma criança de cinco anos com os olhos arregalados para que um simples percurso se transforme em portal.
Na Vila Rio Branco, Zona Leste, ir ao centro de São Paulo não era deslocamento.
Era ritual quase duas horas de ônibus para ir, mais duas para voltar.
Atravessando Vila Esperança, Penha, Tatuapé, Belenzinho, Brás na sua histórica Avenida Celso Garcia, ora parando no parque Dom Pedro, ora indo mais longe até a Praça Ramos de Azevedo...
Era dito com respeito, língua solene, sílaba cheia:
“Vamos pra… CI-DA-DE.”
Sair do bairro com casinhas terreas, um ou outro sobrado para ir num lugar cheio de arranha-ceus, espigões, hoje espalhados pelos 4 cantos da cidade, mas naquela época, visíveis somente nas regiões centrais. A avenida Paulista ainda era coroada pelos imensos casarões decadentes, que nos anos posteriores foram sendo demolidos e transformados em magníficos edifícios do coração financeiro da América Latina.
Um decreto real, quase uma SVC 13 chamando o próximo job da memória.
E lá ia o pequeno Vagner — inquieto, curioso, formiguinha gulosa — escoltado pela avó Anna: tecelã, doceira, general das panelas e sacerdotisa da fé.
Dessa vez, rumo ao templo supremo do consumo elegante:
O MAPPIN.
O Mappin não era loja. Era outro mundo.
Antes dos shoppings, antes das multimarcas, antes do consumo pasteurizado, existia um gigante de salões amplos e decoração de novela.
Entrar ali era como mudar de realidade —
uma espécie de isekai paulistano, só que sem magia digital:
a magia era real.
As portas se abriam e o cheiro vinha na hora: perfume, tecido, madeira encerada e o ar-condicionado que parecia soprar riqueza.
E então ele aparecia:
o ascensorista.
Um senhor de terno impecável, geralmente esverdeado, luvas brancas, sorriso cordial — tão elegante quanto um maître parisiense, mas muito mais carismático.
Segurava a porta de ferro, olhava para cima e anunciava, como narrador de rádio antiga:
— Terceiro andar… cama, mesa e banho.
Quarto andar… mobiliário.
Quinto andar… brinquedos.
E cada anúncio era uma promessa.
Cada andar, um universo cheio de possibilidades. E seus fabulosos e prestativos funcionários com elegante roupa verde, mantendo a identidade visual do grande magazine.
A escada rolante: a montanha-russa da infância
Hoje banal.
Naquele tempo?
Tecnologia futurista.
Uma linha de montagem mágica que engolia crianças e devolvia adultos sorrindo.
O pequeno Vagner subia como quem vai para o espaço.
Sentia o coração bater.
As mãos suavam.
E a avó sorria — ela já tinha visto isso mil vezes, mas gostava de ver o menino se maravilhar.
A lanchonete e a invenção da “praça de alimentação”
Antes dos shoppings transformarem comida em sistema, o Mappin já sabia fazer a coisa acontecer.
Mesinhas impecáveis, talheres brilhando, garçons com educação britânica.
Sorvete de casquinha cremoso, perfeito.
Um caldo de cana ou um doce que parecia ter vindo de um reino distante.
Para uma criança da Vila Rio Branco, aquilo não era lanche.
Era glamour com gosto de infância.
O relógio do Mappin
Atravessando a rua, reinando em frente ao Teatro Municipal, estava ele:
o relógio que marcava a hora de São Paulo.
Imponente, elegante, com aquele ar de “eu sei que você olha para mim todos os dias”.
Ponto de encontro de casais, famílias, profissionais, fotógrafos — e, claro, da avó Anna e seu neto explorador.
O jingle que virou tatuagem da memória
Você lembra.
Todo mundo lembra.
É impossível esquecer.
🎶 “Mappin, venha correndo, Mappin, é a liquidação…” 🎶
Naquela época, jingle era marketing.
Hoje, virou patrimônio emocional.
Presentes com pedigree
Não se embrulhava um simples presente.
Se embrulhava status.
O papel verde, o logotipo inconfundível — abrir aquilo era receber um pedaço de São Paulo.
E para o garoto que vivia entre armazéns simples da periferia, aquilo era quase um passe para outro mundo:
um mundo onde tudo brilhava, cheirava bem, funcionava, sorria.
O que fica quando tudo passa
O Mappin faliu.
Fechou.
Virou fantasma arquitetônico, história contada entre cafés e saudades.
Mas…
Dentro do adulto Vagner, ele continua vivo.
Vive no garoto curiosíssimo que andou de elevador dos anos 1970,
se encantou com escadas rolantes,
comeu sorvete de casquinha,
e acreditou, com toda a força da inocência,
que aquele lugar era uma porta para o infinito.
E era.
Porque quem vive intensamente uma memória nunca perde o lugar — carrega o lugar dentro.
O Mappin quebrou.
Mas na sua lembrança?
Ele ainda está de portas abertas.
Com elevadorista sorrindo,
com brinquedos no quinto andar,
com o papel verde esperando embrulhar um sonho,
com Anna segurando sua mão,
com você olhando para cima como quem descobre o mundo.