domingo, 6 de novembro de 2011

🛣️ A Estrada Para Cornélio Procópio

 


🛣️ A Estrada Para Cornélio Procópio

ou: a primeira grande expansão de fronteira do pequeno Bellacosa
(Crônica ao estilo Bellacosa Mainframe para o El Jefe Midnight Lunch)


A memória da infância é um spool interessante:
grava só o que quer, descarta o resto em purge, e ainda assim mantém os fragmentos mais poderosos, aqueles que, mesmo meio pixelados, carregam toda a emoção intacta.

E assim é a lembrança daquela viagem — a mais longa da minha pequena infância.

Não há certeza se foi carro da família ou caravana de carros de parentes, mas uma coisa é absoluta:
era aventura.
A maior aventura da minha vida até então.



🚗 A Estrada do Sul – Quando Viajar Era Descobrir o Mundo

Nos anos 70/80, viajar não era rotina.
Não era GPS, não era playlist, não era ar-condicionado digital.
Viajar era ato solene, quase rito de passagem.

As estradas tinham poucos carros, os caminhões eram gigantes mitológicos, e cada parada em posto de gasolina era uma expedição arqueológica:

  • o cheiro de café fresco misturado com graxa,

  • os mapas dobrados em painel,

  • o “vamos esticar as pernas”,

  • e o senso de estar entrando num mundo que ia muito além da Vila Rio Branco.

Eu era pequeno, mas nesse dia já sentia que estava atravessando não só o estado — estava atravessando minha própria infância.

O velho fusquinha vermelho, superaquecia e precisa arrefecer de tempos em tempos, às vezes parávamos a beira da estrada para apanhar frutas, ver ninhos de passarinho, olhar a carcaça de algum animal morto e limpar o para-brisa com a quantidade de insetos grudados.



🌱 O Norte do Paraná – Uma Fronteira Viva

O destino era Cornélio Procópio, a terra onde sua mãe nasceu, a terra que moldou a “menina da roça”, a futura Dona Mercedes que viria a ser o eixo central da família Bellacosa. A terra roxa e conhecer Jaguapitã, Londrina, Maringa e outras cidades pelo caminho.

E aquele norte do Paraná… ah, aquilo era outro planeta.

Era uma região ainda jovem, recém desbravada, marcada por:

  • madeireiras gigantes com cheiro de pinho e serragem no ar,

  • cidades com não mais que duas décadas de vida,

  • ruas largas e poeirentas,

  • um futuro em construção.

Ali, tudo parecia temporário e definitivo ao mesmo tempo — um faroeste brasileiro moldado em madeira, café, suor e esperança.


🏡 As Casas de Madeira — Uma Revelação Americana

Mas o grande choque da viagem estava na arquitetura.

Para quem vinha da dura e concreta São Paulo, ver casas de madeira estilo americano, com:

  • lareiras,

  • chaminés,

  • telhados inclinados,

  • varandas de tábuas,

era como entrar num episódio vivo de Bonanza ou A Casa da Pradaria.

De repente tudo fez sentido:
quando minha mãe ensinava vocês a desenhar casinhas e insistia em colocar chaminés, achávamos aquilo estranho, fora da realidade paulistana.

Mas ali, naquele Paraná de clima frio e casas quentinhas, entendi:

ela desenhava a própria infância.



👪 A Grande Família – Tio-Avô Bau e o Clã Expandido

E então veio a avalanche de parentes.
Primos que surgiam como NPCs novos na história.
Gente que ria como sua mãe, gente que gesticulava como ela, gente que olhava como ela olhava.

O tio-avô Bau e sua grande família — aquela unidade expansiva que abre a porta, puxa cadeira, serve café, conta história e faz você se sentir parte de algo maior.

Era, para você criança, como descobrir uma expansão de mapa num jogo:
de repente o mundo cresceu, ganhou novas áreas, novas histórias, novas missões.




🧠 A Memória Falha — Mas o Sentimento Permanece

A mente adulta tenta puxar mais detalhes, mas não consegue.
Os pixels se perderam, o tempo deu purge, o spool girou.

Mas o essencial ficou:

  • a sensação de estrada infinita,

  • o impacto das casas de madeira,

  • o fascínio pelo sul,

  • a descoberta de um ramo inteiro da família,

  • e o primeiro contato real com a infância de sua mãe.

Essa viagem foi, sem dúvida, uma das primeiras grandes fronteiras que cruzei na vida.


📜 Epílogo Bellacosa Mainframe

E assim, sem perceber, o menino que partiu de São Paulo voltou maior.

Não em idade.
Mas em mundo.

Aquele dia não foi só a primeira viagem longa.
Foi a primeira vez que viu que:

Sua mãe tinha um passado.
Sua família tinha raízes.
E você tinha um mapa muito maior do que imaginava.

Um mapa que começava em São Paulo, descia por estradas vazias e terminava…
no coração simples de Cornélio Procópio —
e no começo da história de Dona Mercedes.


sábado, 5 de novembro de 2011

🌸 Yamato Nadeshiko — A Mulher Ideal do Japão


 

🌸 Yamato Nadeshiko — A Mulher Ideal do Japão (versão Bellacosa Mainframe)

Se no mainframe temos o Master Scheduler — aquela entidade mística que, quando funciona, ninguém lembra, mas quando falha, todo mundo chora — na cultura japonesa existe o equivalente feminino simbólico: Yamato Nadeshiko.

O termo mistura tradição, idealização, pressão social, história e uma pitada de “isso ainda faz sentido hoje?”
É basicamente a imagem cultural da mulher perfeita, calma, gentil, dedicada, forte na adversidade e elegante sem esforço.


1) 🌺 Origem do Termo — da Flor ao Arquétipo

  • Yamato = nome poético antigo para o Japão.

  • Nadeshiko = uma flor (Dianthus superbus), delicada, pequena, tradicionalmente associada à feminilidade e beleza suave.

Juntando tudo:
➡️ “A flor delicada do Japão”
➡️ “A mulher ideal japonesa”

Nasceu na era clássica, reforçou-se na era Edo e virou símbolo nacional no início do século XX, especialmente durante períodos militaristas (a ideia da mulher que apoia o lar, a nação, o soldado).

Sim, é cultura… mas também é propaganda. 🫢
(E aqui começam os easter-eggs culturais.)




2) 🏯 A Estrutura Interna do Arquétipo

Em linguagem Mainframe COBOLzística:

01 YAMATO-NADESHIKO. 05 CARATER PIC X(20) VALUE 'GENTIL'. 05 SOBRIEDADE PIC X(20) VALUE 'ELEGANTE'. 05 SACRIFICIO PIC X(20) VALUE 'SILENCIOSO'. 05 FORCA PIC X(20) VALUE 'INTERIOR'. 05 LEALDADE PIC X(20) VALUE 'ATE-O-FIM'.

É quase um COPYBOOK passado de mãe pra filha.
E, claro… quase impossível de cumprir na vida real.




3) 💬 Curiosidades — “isso não te contam no anime”

✔ A seleção feminina de futebol do Japão adotou o nome

A seleção feminina japonesa se chama Nadeshiko Japan.
Porque a flor representa beleza, mas também resiliência.

✔ A flor Nadeshiko era símbolo secreto entre amantes

Samurais carregavam pétalas como amuleto de amor e lealdade.

✔ Nem toda personagem “boazinha” é Yamato Nadeshiko

Precisa ter:

  • calma sobrenatural,

  • postura refinada,

  • sacrifício quase espiritual,

  • maturidade emocional.

Sim: é pesado.




4) ✨ Personagens icônicas (e por quê)

1. Hinata Hyuga – Naruto

  • Tímida, dedicada, gentil, leal.

  • Conseguiu o combo "doce + forte" sem virar estereótipo vazio.

  • O fandom diz: “Hinata é a versão moderna do Nadeshiko.”

2. Belldandy – Ah! My Goddess

  • Quase um blueprint do arquétipo.

  • Educada, serena, e tem uma luz própria de “deusa doméstica de alta disponibilidade”.

3. Misuzu – Air

  • Pureza, fragilidade, sacrifício emocional…

  • Representa o lado trágico do arquétipo.

4. Sawako Kuronuma – Kimi ni Todoke

  • Doçura, bondade e evolução pessoal constante.

  • Mostra o Nadeshiko que se descobre e amadurece.

5. Tohru Honda – Fruits Basket

  • A “mãe emocional” dos amigos.

  • A versão moderna que combina bondade e independência.


5) ☕ Fofoquices Culturais (o lado B da fita)

  • Muitos japoneses usam “Yamato Nadeshiko” ironicamente para se referir a uma garota calma demais, submissa ou antiquada para os padrões modernos.

  • Em fóruns otaku, virou meme:

    “Procuro Yamato Nadeshiko. Vale skill em culinária.”

  • Em doramas, existe o trope do ‘Nadeshiko exterior, demônio interior’ — perfeita por fora, caos absoluto por dentro.


6) 🎎 Easter-Eggs escondidos em animes

🥢 1. O penteado tradicional

Personagens Yamato Nadeshiko quase sempre têm:

  • cabelo longo,

  • cores suaves,

  • tiaras discretas,

  • movimentos de cabeça lentos.

🌸 2. O gesto “dobrar pano”

Várias protagonistas fazem aquele movimento calmo de dobrar toalhas → gesto cultural de cuidado e graça feminina.

🔪 3. O contraste: a “Yamato Nadeshiko Do Inferno”

Archetype reverso:

  • parece delicada

  • mas é uma yandere, ninja, assassina ou dominadora silenciosa.

É O easter-egg favorito dos roteiristas.
(Kurumi Tokisaki manda abraços.)


7) 🧩 Porque isso ainda aparece tanto?

Porque:

  • o Japão adora arquétipos (como classes de RPG);

  • o contraste “delicada por fora / forte por dentro” gera drama;

  • é uma ponte entre passado e presente.

E, como em mainframe, certas estruturas antigas continuam vivas porque… continuam funcionando.


8) 💡 Comentário estilo Bellacosa Mainframe

O Yamato Nadeshiko é como aquele programa COBOL setentão que ainda roda firme no banco, no governo, na seguradora —
todo mundo jura que é ultrapassado, mas delicadamente, silenciosamente… ele mantém o mundo funcionando.

É tradição, é estética, é pressão social, é literatura, é mito, é encanto, é crítica velada.
E, acima de tudo, é um reflexo de como o Japão equilibra modernidade e passado como quem equilibra JCL, RACF e CICS às 3 da manhã.




segunda-feira, 10 de outubro de 2011

U 518 - Nazario Sauro submarino museu

Entrado por agua baixo, da serie afundei o submarino.

Quem nunca sonhou em entrar em um Submarino, sentir o cheiro, tocar os instrumentos, ver e ouvir. 

Uma experiência única que vale a pena conhecer. Sentir a claustrofobia, ver como sofriam os tripulantes dessas maquinas, ver o espaço reduzido, saber q partilhavam as camas, que havia poucos banheiros. 

A falta de luz solar, o stress por estar confinado, tantas coisas q so percebemos uma leve fraçao ao entrar num submarino.


A equipe que preparou o museu esta de parabéns, pois literalmente a imersão é completa, as luzes, o cheiro, os ruídos, a iluminação tudo te transporta para um submarino em operação em algum lugar secreto do Mediterrâneo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Construindo trilhos em tempos modernos

Como se constrói os trilhos do bonde (tram) em Milão?


Sou uma pessoa curiosa e investigativa, andando por Milão fiquei admirado pela quantidade de trilhos espalhados pela cidade, esses carris de ferro são utilizados por diversos tipos de bondes e trams, apreciando esse maravilhoso sistema ferroviário, surgiu uma duvida, como será feito a construção do mesmo?

Será que os trilhos são colocados sobre os dormentes como eram no passado? Operários com pás e picaretas? Não meus amigos, usando o melhor da engenharia moderna, grandes maquinas com guindastes pega os módulos prontos e vai conectando como seu fosse um lego gigante. Incrível e rápido as linhas vão sendo colocadas e aparafusadas ao restante do caminho.

Andando por Milão com um pouco de sorte podemos assistir uma equipe construindo um novo ramal, vemos os trilhos espalhados pela asfalto, sendo retirado de um caminho e colocados no novo ramal. Este pequeno vídeo é uma homenagem aos trabalhadores que constroem os trilhos desta ferrovia urbana, que são invisíveis para nós no dia a dia corrido
.
Trilhos, trans, bondes e sua construção por guindastes e módulos semi-construídos nas ruas de Milão.



sábado, 1 de outubro de 2011

🚗💨 O Fusquinha Vermelho na Washington Luís

 



🚗💨 O Fusquinha Vermelho na Washington Luís

Crônica Bellacosa Mainframe — Memórias de um Tempo em que Estrada Era Universo


Antes da internet, antes dos smartphones, antes até de você saber o que era um mainframe, existia o Fusquinha Vermelho 1960, abrindo caminho pelo interior paulista como uma nave estelar rubra rasgando o asfalto quente.

Aquela lataria tremendo, o motorzinho valente, o volante fino, o cheiro de gasolina e banco de curvim — tudo isso fazia parte de um protocolo de aventura que nenhum roteador de 2025 conseguiria replicar.

Motor superaquecendo pelo calor da estrada e o tempo de funcionamento.

E o palco?
A lendária Rodovia Washington Luís
uma linha reta infinita, cortando o estado como um track contínuo de vida, poeira e descobertas.



🛣️ Quando a Washington Luís Era Universo Expandido

Nos anos 1970, estrada ainda era o desconhecido.

Poucos carros.
Muitos caminhões.
Retões infinitos.
Declives que davam a sensação de montanha-russa.
As famosas banguelas — aquele momento mágico em que o Fusquinha engatava ponto morto e se tornava uma embarcação livre no vento.

Ali, eu descobri que estrada não é caminho: é portal.

Cada viagem era um salto quântico:

  • Ibitinga para comprar bordados,

  • Urupês e Catanduva para ver família,

  • São José do Rio Preto para primos e mais parentes espanhois

  • outras cidades para reportagens fotográficas do meu pai,

  • e aquela imensidão do interior, salpicada de cafezais, canaviais e laranjais ondulando como mar verde.




🌾 Paradas Estratégicas: Os Rituais da Estrada

A cada trecho, havia um ritual:

**🟢 Necessidades fisiológicas?

A natureza sempre foi a primeira área de descanso.**

O Fusquinha parava na beira do cafezal, eu corria atrás de um arbusto qualquer, e pronto. Era o “banheiro do Brasil”.



🟠 Pequeniques improvisados em postos de estrada

  • Sanduíche de pão com mortadela,

  • Tortas e bolos preparado pela minha mãezinha

  • Guaraná quente,

  • Formigas fazendo auditoria na toalha xadrez,

  • Laranjas doces e madurinhas apanhadas pelo caminho

  • E aquele vento quente bagunçando cabelo, roupa e alma.

Era simples.
Era feliz.



🎠 Os Parquinhos do Interior — O Primeiro Parque Temático da Sua Vida

Os postos de serviço da época tinham parquinhos infantis que beiravam a engenharia experimental.

Escadas metálicas, balanços altos, brinquedos de giro capazes de lançar qualquer criança para outra linha do tempo.
E o mais lendário de todos: o robô gigante.

Me lembro dele, agora mesmo o pavor, a estrutura imponente como se fosse um mecha de anime, um Gundam feito de sucata.

Hoje, adulto, reconheço não era tão grande e assustador:

— Devia ter uns 5 metros.

Mas para o pequeno Bellacosa?

Tinha 30 metros e olhava direto para sua alma.

Foi ali que vivi o grande encontro com o medo, o limite para o pequeno malabarista de muros.

Meu pai, paciente como um processador IBM de 2MHz, me colocou no colo e começou a subir a geringonça metálica.

Chegando lá em cima — no topo do mundo — o braço do robô era um escorregador gigantesco.

Olhei pra baixo.
As pernas tremem.
O coração trava.
A coragem falha no checkpoint.
E o berreiro começa.

Meu pai — herói, sysadmin e suporte emocional Level 99 — te leva de volta pelo caminho seguro, contrariado e durante muitos anos fui lembrado via bulling deste robo.

E assim, naquele dia, entendi duas coisas:

  1. Coragem não nasce pronta.

  2. Às vezes o herói é o pai que te desce devagar de um robô gigante, mesmo te zoando para o resto da vida pelo fato.


🏰 O Posto Castelo — Seu Primeiro Reino Imaginário

Outro marco da estrada era o mítico Posto Castelo.
Não era só um posto.
Era meu primeiro castelo de RPG.

Uma fortaleza de concreto na beira da rodovia, que para mim era:

  • base militar,

  • reino medieval,

  • sala do trono,

  • fortaleza de cavaleiros,

  • portal para o outro mundo.

  • e palco de aventuras épicas.

O interior paulista, com seus castelos postos-de-gasolina, robôs de escada metálica e cafezais infinitos, foi o meu primeiro multiverso — antes de Tolkien, antes de Star Wars, antes de Shonen Jump.


🚗💖 Epílogo Bellacosa

Tudo isso aconteceu no velho Fusquinha Vermelho.
Ele era mais que carro:

Era nave espacial.
Era mula de carga.
Era dragão metálico.
Era cápsula de boas memórias.

E naquela Washington Luís dos anos 1970, onde cada reta parecia uma eternidade e cada descida era uma montanha-russa, aprendi o que é aventura, o que é movimento, o que é viver.

E hoje, ao lembrar dessas viagens, percebo:

A estrada não te levou apenas ao interior.
A estrada te levou para dentro de você mesmo.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Barbapappa viaja para Portugal

A aventura do Barbapappa e seu amigo.

Meu filho adorava assistir o desenho do Barbapappa, após minha mudança para Milão, um dia caminhando pela rua, vi uma loja de brinquedos e qual a minha surpresa ao me deparar com este boneco do Barbapappa.



Sem comentar nada, compro e fico aguardando uma oportunidade para retornar a Portugal. Quando consigo a folga necessária, parte eu e meu amigo cor de rosa. 

Meio excêntrico da minha parte, fiz todo o documentário da viagem do Barbapappa, primeiro metro ate a estação de trem, depois pegamos o trem em Milano Centrale com destino ao aeroporto internacional de Malpensa. Sempre como o Barba comportado sentado, tirando fotos, usando o computador e olhando a paisagem.

No avião comportado, o Barba colocou o cinto e ficou aguardando instruções, sempre olhando apreensivo pela janela. Fomos batendo aquele papo, algo que divertiu muito a comissária de bordo que até trouxe um drink para ele.

Ao chegarmos em Portugal o reencontro com o meu filho, foi a maior alegria, fizemos uma super festa e o novo amigo enfim chegou a casa nova.









quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Meu Pai, o Super-Herói do Formigueiro

 


🌆 El Jefe Midnight Lunch – Bellacosa Mainframe Log nº 005
“Meu Pai, o Super-Herói do Formigueiro”


Hoje eu escrevo não para debochar, não para cutucar feridas familiares, não para repassar as falhas que tantas vezes narrei com ironia ou mágoa.
Hoje é mea culpa.
Confissão.
Revisão de código emocional.

Porque, sim — eu já listei defeitos do meu pai como quem roda IEBGENER despejando linha por linha sem filtro, sem compressão. Já contei episódios que machucaram, já mostrei versões dele cheias de abend S0C7, falhas lógicas, corrupção de memória emocional. Mas existe uma verdade que preciso gravar neste blog como se fosse LOAD TO PDS PERMANENTE:


meu pai também foi herói.
De verdade. Daqueles que sangram e salvam.



Não sei se veio dos tempos de escoteiro.
Não sei se foi o treinamento duro na Polícia do Exército.
Só sei que havia nele algo raro:
conhecimento de primeiros socorros + uma coragem temerária, daquelas que fazem alguém correr em direção ao acidente enquanto os demais recuam ou entram em desespero. Se fosse em nossos dias estariam filmando e fazendo selfies.

E o trânsito brasileiro — você sabe — não perdoa nem no século XXI.


Imprudência alcoólica, velocidade inconsequente, ultrapassagem suicida, farol ignorado…
Um campo de batalha diário.
E lá estava Wilson, sempre em circulação: ônibus, caminhão, táxi, quilômetros de asfalto sob pneus e destino.
E quando havia acidente… ele não desviava.
Ele parava.

Sinalizava a via.
Corria.
Prestava socorro.
Voltava para casa com sangue seco na camisa e histórias que ele contava nas festas como quem narra guerra vencida com as próprias mãos.

E eu vi.
Com estes olhos que agora digitam.



Padaria da Vila Rio Branco, rua Utrecht.
Um Fusca verde atropela uma criança — pequena demais para o impacto da vida.
Antes da multidão, antes do caos, antes da gritaria, meu pai voou.
Literalmente.

Levantou o carro — sim, levantou — com ajuda de outros, mas ele na linha de frente, joelho cravado no asfalto, rosto vermelho de esforço.
Resgatou a criança do assoalho quente, aplicou primeiros socorros, conteve o sangramento até que outra alma caridosa a levou para o Hospital da Penha.
Eu, pequeno, petrificado.
Vendo meu pai com o carro erguido no ar.
Como se fosse Hulk em versão SP suburbana.
Como se nada no mundo fosse mais importante do que aquele menino preso entre o metal e o medo.



Outras vidas ele salvou.
Outras ele somente acompanhou no último suspiro — mas não deixou as pessoas morrerem sozinhas.
Essa parte ninguém conta, ninguém ergue estátua, ninguém registra na Wikipédia.
Mas eu registro aqui.

Porque às vezes esquecemos que heróis reais não usam capa.
Usam chave de fenda no bolso, mãos calejadas, coragem imprudente.
Erram muito.
Acertam onde importa.

Meu pai — com todas as falhas, com todos os logs sujos, com todo o dump de mágoas —
foi super-herói de formiguinha.
Daqueles anônimos que sustentam o mundo nas costas sem plateia.

E hoje, finalmente, eu reconheço.

Bellacosa — desligando, coração em RC=0000, consciência mais leve no spool.



Ps: Muitos anos depois, inspirado nesses eventos do meu pai, em diversos locais que trabalhei, sempre me escrevia como voluntario na Brigada de Incêndio e ao longo dos anos fiz alguns cursos de primeiros socorros, para poder ajudar, mas isso acaba sendo uma história para outro dia.