🎞 Cineminha do Sr. Wilson — Antes do Grande Incêndio de 1983
Um Mainframe de Memórias, Projetado em Luz e Saudade
Sabe aquele comando que a gente executa no coração e ele imediatamente carrega uma tela antiga, cheia de granulação afetiva, cheiro de poeira quente de lâmpada e risos engavetados? Pois é. Toda vez que acessam minha ROM emocional e pedem lembranças, um dos primeiros programas que roda é esse:
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Era um tempo em que o cinema não estava num aplicativo, nem em streaming, nem a um clique — estava em casa, aceso em luz quente atravessando transparências, pintando a parede de histórias nossas. E antes do grande incêndio de 1983 consumir parte do arquivo físico, consumimos — com gula de infância — cada imagem, cada cena, cada fragmento de vida projetado no lençol improvisado que virava telão.
📽 Meu pai, o Sr. Wilson
Fotógrafo profissional, retratista de alma inquieta — e de coração ainda mais inquieto.
Ele não só capturava momentos: ele os engarrafava em diapositivos, pequenos quadradinhos mágicos que chamávamos de binoculinhos, vendidos em formato de caixinhas plásticas, que apontávamos para algo luminoso, olho-a-olho, onde o mundo cabia numa pinça do polegar opositor. Era tecnologia vintage, uma câmera escura portátil, acessível para quem não podia bancar foto impressa. Além dos binóculos, havia quadradinhos de papel, que montávamos para encaixar num projetor. E em casa existia um tesouro: centenas de slides, dezenas de viagens, excursões, aniversários, chuva, sol, pão com manteiga e gargalhada de domingo.
Depois do jantar, o ritual começava.
Lençol branco esticado na parede.
Luz apagada.
Projetor ligado.
VRUUUMMMMMMMMMMMMM — a ventoinha iniciava como um mainframe aquecendo.
E então… viagem.
Horas de viagem.
Sem sair da sala.
O mundo desfilava na parede como trilhos de trem emocional:
— A praia do primeiro banho de mar
— Os primos comendo melancia no quintal
— A vó com avental florido sorrindo tímida
— A rua, a feira, o cachorro, a chuva, o Natal.
Tudo. Tudo guardado. Tudo vivo em luz.
Até que — inevitável — os menores pescavam no sono.
E acordávamos na cama no dia seguinte como quem volta de longuíssima jornada astral.
🍿 Era nosso cinema.
Sem ingresso.
Sem crítica.
Sem spoiler.
Apenas família — plugada na mesma tomada de afeto.
E eu?
Eu virei o que sou por causa daquilo.
Acumulador de imagens, colecionador de momentos, arquivista compulsivo do cotidiano.
Hoje entupo redes sociais com fotos — família, rua, desconhecidos, avenidas, semáforos, um raio de sol atravessando janela. Sou storage infinito de memórias porque aprendi cedo que o mundo pode queimar, sim — literalmente — mas o que a gente projeta na alma, fica.
🔥 Depois daquele cinema, vieram tempos duros.
Meu pai, mulherengo, criativo demais para caber em si, começou a romper coisas.
Financeiro frágil, escolhas tortas, casamento em risco.
A estrutura — que antes parecia tão sólida quanto o projetor — trincou.
Mas naquela sala escura de luz amarela, nada disso existia.
O futuro não estava compilado.
As dores estavam em stand-by.
Nós éramos só família — conectada pela arte de ver o passado juntos.
Um mainframe de amor, antes do crash.
E eu guardo, backup fiel, cada fotograma.
E das horas que passei no laboratório fotográfico improvisado em casa, ajudando a revelar filmes diapositivos.
