domingo, 17 de março de 2013

🍰 O Bolo de Fubá, os Peixinhos e o Amor de Terceira Série

 


🍰 O Bolo de Fubá, os Peixinhos e o Amor de Terceira Série

(por Bellacosa Mainframe — Série “Sempre um Isekai” Capítulo III)

Lembranças de Pirassununga.
Um bairro no fim da cidade, onde o asfalto se rendia ao barro e os dias eram longos como verões eternos.
Os córregos serpenteavam preguiçosos entre as pedras, e neles nadavam bagres, lebistes e outros pequenos tesouros líquidos.
Foi ali, num pedaço esquecido do mapa, que vivi um dos capítulos mais doces da minha infância.



Vindo de São Paulo, descobri um mundo novo — sem muros, sem medo, sem pressa.
A liberdade tinha cheiro de mato e som de cigarra.
O pequeno bosque atrás das casas era, aos olhos de um menino de nove anos, uma floresta inteira — densa, misteriosa e cheia de promessas.



Com peneiras, calotas de Fusca e as bacias de revelação fotográfica do meu pai, eu me tornava um caçador de peixinhos.
Levava-os para casa, criava aquários improvisados, nomeava cada um e via neles a mesma curiosidade que eu sentia pelo mundo.



🏫 A sala mágica da professora Maria

Na escola, a professora Maria do 3º ano era uma espécie de arquiteta de sonhos.
Tinha conquistado o privilégio de ter uma sala só sua — uma raridade naquela época.
Transformou o espaço num jardim de ideias: flores, cartazes, livros, desenhos, e um aquário que se tornou o coração pulsante da turma.

Eu trouxe os primeiros peixinhos.
Alimentávamos juntos, trocávamos a água, observávamos suas danças silenciosas.
Entre risadas, descobri algo novo: a amizade, o encanto e aquela leve confusão no peito que, mais tarde, aprenderia a chamar de amor.




💕 Luciana e o bolo de fubá

Havia a Mércia, pela qual eu tinha uma quedinha discreta… mas quem roubou de vez minha atenção foi Luciana, uma menina loirinha, simpática, com olhos curiosos e um sorriso que parecia entender todos os meus segredos.

Um dia, ela me pediu peixinhos — e eu, cavaleiro de nove anos e alma de explorador, prometi levar.
“Mas leva na minha casa, tá?”, disse ela, com medo de derrubar os bichinhos no caminho.

Cheguei com o coração acelerado, segurando o pote com cuidado.
A mãe dela me recebeu com um sorriso que parecia o próprio sol.
Nos deixou brincando no quintal.
E então o ar se encheu de um cheiro inconfundível — bolo de fubá assando no forno.

Foi ali, entre risadas, peixinhos e farelo doce, que ganhei minha primeira namoradinha escolar.
Cada visita era um ritual: ela me esperava, a mãe servia o bolo, e o mundo parecia simples e perfeito.


🌧️ O vento muda

Foram meses felizes, cheios de risadas, sol e inocência.
Mas o destino, caprichoso como sempre, preparava a tempestade de 1983 — mudanças, despedidas e o início de outra jornada.

Antes que tudo mudasse, vivi intensamente cada dia em Pirassununga.
E hoje, décadas depois, basta sentir o cheiro de bolo de fubá para que o tempo se dobre, e eu volte a ser o menino de calças curtas, segurando um vidro com peixinhos e o coração batendo rápido.


☕ Epílogo Bellacosa

Nem todo código é feito de bits.
Alguns são feitos de memórias, sabores e afetos.
Pirassununga foi meu primeiro “sistema” fora do grande centro — um ambiente simples, mas com dados preciosos gravados na alma.

E o bolo de fubá é meu checkpoint de ternura, meu restore point para quando a vida fica pesada.
Porque, no fim, cada lembrança é um backup daquilo que fomos…
E toda infância bem vivida é um programa que ainda roda — mesmo depois de tantos reboots.

#bolofuba #pirassununga #peixinhos 

Ps: Qual caminho a vida da jovem Luciana tomou? O que será dela no século XXI?


segunda-feira, 4 de março de 2013

Quando a televisão era um altar doméstico, não um catálogo infinito

📺 El Jefe Midnight Lunch – Bellacosa Mainframe Chronicles
Quando a televisão era um altar doméstico, não um catálogo infinito

Há memórias que têm cheiro, têm som, têm textura.
E essa aqui… essa tem chiado de sintonia e luz azulada de tubo aquecendo devagar.

Sim, meu amigo…
teve uma época em que a televisão brasileira era uma entidade única, um monolito sagrado que morava na sala e reinava absoluto.
E reinava porque só existia UM aparelho por casa.
Um.
Único.
Indivisível.
Um verdadeiro mainframe doméstico.



📡 Quatro canais. Quatro universos. E só.

Anos 1970.
Você aí com 300 streams, 500 canais, 12 telinhas e 18 perfis de usuário pode até achar exagero…
mas nós tínhamos quatro canais.

Quatro.
Não quatro páginas de catálogo.
Quatro ofertas de mundo.

E ainda era assim:

  • cada canal com seu próprio humor,

  • sua própria grade fixa,

  • seus horários sagrados.

Nada daquele “vejo depois”.
Nada de on demand.
Nada de maratonar.

A TV é que mandava em nós.
Ela era o scheduler.
Nós éramos o batch.





🔥 A televisão a válvula – a arte da paciência forjada no calor

Você ligava o aparelho e não acontecia…
nada.

Primeiro surgia aquele pontinho branco no meio da tela.
Depois um brilho tímido expandindo.
E aí…
devagarinho
a imagem ia nascendo, como um universo pixelado se formando após o Big Bang.

Demorava.
Demorava MUITO.
Era tipo fazer IPL em mainframe com storage lento.

Mas quando a imagem surgia…
ah, meu amigo…
era como receber o login no TSO depois de dez tentativas.




🔧 Sintonizar era mais difícil que ajustar PARM no JCL

Tinha o chiado.
Tinha a perda de sintonia.
Tinha a antena interna em forma de bigode de gato.
Tinha a antena externa que virava parábola de rádio pirata.
Tinha o clássico:

“Vaguininho, vai lá fora girar a antena!”
— “Assim?”
“Assim não! Volta!”

Até que por milagre — a imagem estabilizava.

E ninguém mais ousava respirar.




🎨 A primeira TV colorida – um portal para outra dimensão

E aí veio a revolução.

Me lembro até hoje da primeira vez que entrei na casa da minha avó e vi uma TV colorida brilhando na sala.

Meu cérebro de criança deu abend S0C7 na hora.

A imagem parecia mais viva, mais quente, mais… impossível.

Mas aí acontecia a parte engraçada:

Metade da programação ainda era em preto e branco.
A TV era colorida…
O conteúdo, não.

Era como comprar um mainframe novo e só rodar programas COBOL escritos em 1962.
Funciona, mas dá uma vontade danada de ver o resto alcançar o hardware.




📼 A guerra da sala – o maior conflito do Brasil pré-Internet

Com um único aparelho na casa inteira, surgia a batalha diária:

  • quem ia ver o desenho,

  • quem ia ver o futebol,

  • quem ia ver a novela,

  • quem tinha prioridade,

  • quem chorava,

  • quem perdia,

  • quem descascava a cabeça do pai até ele mandar todo mundo dormir.

Era a democracia da força, da argumentação, da sorte e, às vezes, da chinelada.



⚡ O dia em que meu pai instalou um transformador

Aí veio o milagre técnico.

Meu pai — o eterno inventor autodidata — comprou um transformador para a TV.
De repente, ligava e…
PÁ!
Imagem instantânea.

Foi como passar de disco rígido para memória flash.

A gente se sentiu vivendo o futuro.


🖥️ Do tubo CRT ao celular – a TV virou trilha

E o tempo passou.
A TV a válvula virou transistor.
O preto e branco virou cor.
O tubo virou plasma.
O plasma virou LCD, que virou LED.
Que virou um monstro de 80 polegadas ocupando metade da sala.

E agora...
a sala está vazia.

Porque a televisão não reina mais.
Ela é só mais um ícone entre os apps.
O trono passou para os tablets e celulares, pequenos oráculos pessoais que cada um leva no bolso.


📌 E eu?

Eu guardo um carinho enorme daquele mundo limitado, chiado, preto e branco…
Porque nele, mesmo com tão pouco, a gente se maravilhava com tudo.

Era como rodar sistema operacional inteiro em 32K de memória:

pouco recurso,
muita imaginação.

Bellacosa out. 📺✨


domingo, 3 de março de 2013

O Dia em que Enfrentamos o Final Boss dos Cabelos Pirassununga, 1983 — “A Guerra dos Piolhos”

 


🪖 El Jefe Midnight Lunch — Crônicas Bellacosa Mainframe

Capítulo: O Dia em que Enfrentamos o Final Boss dos Cabelos
Pirassununga, 1983 — “A Guerra dos Piolhos”

Voltamos a Pirassununga, 1983 — um ano que só pode ter sido escrito por um roteirista bêbado no turno da madrugada, com acesso liberado ao dataset SYS1.RNG. Foi um período cheio, imprevisível, aleatório… um dump completo de caos emocional, social e doméstico.

A casa estava virada de ponta-cabeça.
A infidelidade do meu pai com a jovem Almerinda estourando como bomba no meio da sala. Brigas, choros, portas batendo, tensão no ar… e a grana ficando curta. Minha mãe lutando como podia, numa cidade estranha, sem suporte familiar, tentando segurar as pontas, cuidar da casa, de três pequenos onis e ainda manter a sanidade.



E quando o caos instala-se… o inimigo perfeito encontra brechas.

Foi assim que, sem perceber, fomos invadidos.
Um inimigo discreto, sorrateiro, genuíno profissional do modo stealth.
E quando dei por mim — estávamos em guerra.



Sim, meu caro El Jefe: piolhos.
A invasão dos guerreiros gordinhos com seis garrinhas prontas pra agarrar fio por fio como se escalassem a Torre Negra de Sauron.



Minha mãe, em condições normais, teria percebido na primeira coçadinha suspeita. Ela era quase uma SIEM humana: detectava ameaça antes do log ser gerado. Mas naquela situação… piolho era o menor dos problemas. Até que fomos apanhados na temida revista escolar.

E, ah… a revista escolar dos anos 80.
A metodologia era digna de auditoria militar:

  1. põe as crianças enfileiradas sob o sol;

  2. pente fino manual na cabeça de cada uma;

  3. detectou piolho → GAME OVER, vá pra casa.

Não tinha LGPD, não tinha privacidade, não tinha nada.
Era exposição pública nível console.log na praça.

E quando acharam o pequeno zoológico instalado em nossas cabeças… pronto: fomos despachados com um bilhete gigante recomendando desinfestação imediata, sob pena da humilhação suprema:
raspar a cabeça.

SIM.
A maldita máquina zero.
O boss secreto da aventura.
Aquele que nenhum pequeno oni queria enfrentar.

Voltamos pra casa em pânico.
Ali eu percebi que aqueles insetos eram mais hardcore do que qualquer vilão de desenho japonês: as lendeas presas ao cabelo como se fossem soldadas com superbonder. Coisa de final boss mesmo.

Minha mãe, guerreira do século XX, iniciou o ritual de preparação para a batalha:


🛒 na farmácia: pente fino (arma branca), remédio anti-lêndea (poção rara);
🛒 na mercearia: a arma proibida, a relíquia lendária: a latinha amarela de DDT em pó.



Hoje, século XXI, a ONU, a OMS, o FBI, a NASA e o Vaticano proibiriam tocar nisso.
Mas a infância dos anos 70 e 80 era feita de uma liga mítica, criada antes da queda de Atlântida.
Sobrevivíamos à base de:

  • telhados sem proteção,

  • não usar cinto de segurança em veículos,

  • dormir na traseira da Brasilia ou viajar dentro do cubiculo porta treco do valente volkswagen Fusca azul remendado.

  • andar de bicicleta sem capacete, cotoveleiras e joelheiras.

  • comer frutas duvidosas apanhadas diretamente do pé

  • alimentos não tinham prazo de validade, era tentativa e erro, deu caganeira não pode comer mais.

  • lagos cheios de lodo estilo “slime verde neon”,

  • casinhas de marimbondo,

  • venenos letais,

  • gambiarras elétricas que fariam engenheiros chorar.

  • pediatra era uma vez por ano e olha lá.

E ainda assim… crescíamos rindo.

A operação militar começou.
Minha mãe, com a precisão de um JCL limpo e sem warnings, penteava, passava remédio, aplicava pó, caçava lendea por lendea. Era quase uma raid de MMORPG. Ela era o RAID LEADER. Nós éramos os DPS desesperados. Os piolhos eram o boss com regeneração.

Mas guerreira que é guerreira não falha.
A batalha foi dura, intensa, quase cinematográfica — mas ela venceu.



E os três pequenos onis preservaram suas gloriosas madeixas.
A Máquina Zero não foi usada.
A honra da party foi mantida.

E até hoje, quando lembro daquela epopeia, penso:





Em 1983, a vida era difícil, sim… mas também era épica.

E cada coceira virou história. Cada lendea virou memória.
E cada guerra doméstica absurda virou capítulo do Midnight Lunch.

Até a próxima missão, El Jefe.
E lembre-se:
no mainframe da vida, até piolho vira log importante. 💾🪖✨



Ps: Essa foi a primeira vez contra o Boss Piolhão, esse carinha era o Chuck Norris dos insetos, em outros anos e outras situações. Ele voltou a atacar e dona Merdeces, sempre atenta pronta para o combate, protegendo os seus tesouros ao melhor estilo Dona Florinda, ah esses pequenos onis tem historias para contarem.