📜 Crônicas do Vaguinho — A Última Banana Split do Paraíso
Ao melhor estilo Bellacosa Mainframe — para o blog El Jefe Midnight Lunch
Existem noites que não são apenas noites.
São checkpoints da alma.
Aquelas rodadas de batch emocional que a vida dispara sem aviso, empacota em memória e nunca mais apaga.
Taubaté. Parque Sabará.
O pequeno Vagner — esse narrador aqui — vivia seu “release” mais estável:
amigos por toda parte, a liberdade da bicicleta como se fosse um passe-livre do MVS, uma namoradinha nível poemas de madrugada, sonhos leves, e a sensação de que o mundo era grande, possível e começava três quadras depois.
A vida estava em RC=00 constante.
Até aquela noite.
🍨 A praça do Jumbo — a Times Square da molecada taubateana
Para quem viveu esse período, a praça do Jumbo (ou do Eletro, dependendo da tribo) não era só um ponto.
Era O ponto.
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Trailers de dogão
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Bancas de doces
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Hambúrgueres que hoje seriam gourmet
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Gente bonita indo e vindo
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A paquera rolando solta como transação CICS em horário de pico
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A moda desfilando ao vivo
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Os grupos jovens se encontrando, trocando olhares, ensaiando a vida adulta
Era o shopping center da época, só que sem o ar-condicionado e com alma.
O coração urbano pulsando forte numa Taubaté pré-centros comerciais, pré-internet, pré-modernidades.
Mas o ápice, o mainframe gastronômico daquela praça, era a sorveteria artesanal.
Não sorvete de fábrica.
Não marcas famosas.
Era artesanal, único, feito ali.
Com gosto de cidade pequena, de infância viva, de verão eterno.
🍌 A primeira Banana Split — e o último dia de um mundo
Minha mãe, recém-divorciada, anunciou:
“Hoje vamos comemorar. Vamos à sorveteria da praça.”
Comemorar o quê?
A gente nem sabia.
Mas criança não pergunta — criança vai.
E embarca na promessa de qualquer momento doce, como se fosse a aventura do ano.
Lá estávamos os quatro:
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Eu, com 12 anos e um coração cheio de histórias
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Vivi, minha irmã, animada com tudo
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Mamãe, guerreira, tentando juntar os cacos de uma guerra doméstica silenciosa
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O pequeno Dandan, pronto pra qualquer travessura
E veio ela:
minha primeira Banana Split.
Uma taça alongada, imponente:
banana no fundo como um colchão de nuvens, três bolas de sorvete colorido — quase RGB — uma montanha de chantili, chocolate derramado com generosidade, e no topo a cereja marrasquino brilhando como se fosse o token final da transação.
Eu, que já achava que Taubaté era mágica, vi que Taubaté também tinha seus portais.
Vivi ganhou um sundae gigantesco, digno de foto.
Mamãe e Dandan pediram banana split também.
Aquela mesa era uma pequena vitória.
Uma trégua.
Um suspiro feliz após meses difíceis.
Era o primeiro sorriso coletivo pós-separação.
E sem saber…
também era o último momento daquele mundo que eu tanto amava.
🕰️ A Noite da Doçura, o Começo do Fim
Se eu tivesse um cronômetro interno na época — ou logs da vida — perceberia que aquele momento tinha carimbo de:
Mas criança não sabe disso.
Criança só vive.
A gente riu.
Comemos.
Brincamos de olhar o movimento da praça.
Achamos tudo lindo, tudo grande, tudo possível.
Mamãe, com seus olhos cansados, deixava escapar um brilho de esperança.
Era como se ela estivesse testando se ainda havia alegria no sistema.
E havia.
Havia sim.
Naquela mesa havia mais do que sorvete:
havia recomeço.
Mas havia também uma sombra leve, um peso que ela carregava e ainda não podia dividir.
A notícia — aquela que mudaria tudo — ela guardou.
Esperou.
Porque naquela noite ela queria nos entregar apenas felicidade.
Um último snapshot de Taubaté em seu período ideal.
🌙 Epílogo: O Checkpoint das Emoções
Ali, entre bolas de sorvete e risadas de verão, vivi o fim de um ciclo sem saber que era o fim.
Dias depois descobriríamos que era hora de partir.
De deixar Taubaté, o Sabará, os amigos, os romances bobos, os passeios de bicicleta, a rotina doce e simples.
Mas naquela noite?
Não.
Naquela noite éramos só quatro sobreviventes reconstruindo o mundo, um sorvete por vez.
Às vezes a vida nos dá um último capítulo disfarçado de sobremesa.
E essa Banana Split…
essa ficou congelada na memória.
O sabor do paraíso antes do reboot.


