sexta-feira, 5 de abril de 2013

🐟 🐟 🐟 Aventuras Gastronômicas Nada Ecológicas em Pirassununga, 1983

🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟🐟 


Aventuras Gastronômicas Nada Ecológicas em Pirassununga, 1983

Um capítulo épico da Saga Bellacosa Mainframe, versão crônica para o El Jefe Midnight Lunch


Ano ímpar, quente, poeirento, mágico, e completamente impróprio para nutricionistas, ambientalistas ou pessoas de coração fraco.

Meio ano em Pirassununga — mas na minha memória aquilo pareceu uma saga de sete tomos, cada um com capa dura, lombada de couro, mapas dobráveis e cheiro de papel envelhecido.
Foi um período de extremos: o bolo de fubá da mãe da amiguinha da escola que parecia feito com benção divina; a doce Luciana a amiguinha da escola, que virou a primeira namorada e que fez meu coração juvenil entrar em ABEND S0C7 só de me olhar; o grande incêndio da mudança dor extrema; e, claro, as picaretagens do lendário Sr. Wilson, cujo talento natural para golpes deveria ter rendido cadeira vitalícia no Hall da Fama da Malandragem Nacional. Mas que dessa vez se não fosse intervenção do primo Eduardo, teria tido um final precoce.

O mesmo ano da vergonha e dor, do incêndio, da mudança, do ficar sem nada, sem eira e nem beira, ter que mais uma vez ir para Guaianazes na casa do vó Alzira, o anos recorde das três escolas e o final em Taubaté...

Mas hoje, caro leitor do El Jefe Midnight Lunch, ativarei o módulo Gastronomia Bellacosa e recordarei aquilo que realmente importa: os sabores épicos, as aventuras alimentares, e as decisões suspeitas que só uma família paulistana largada no interior consegue tomar.



🌽🌶️ O Quintal-Level-Boss

A casa em Pirassununga tinha um quintal que, na escala mainframe, equivalia a um DASD de 3390 cheio até a borda.
E meu pai, o retratista-poeta-agrônomo-de-final-de-semana, tratou logo de povoar o terreno com tudo o que brotasse: pepinos, pimentões, melões, alfaces, couves…

Para um menino criado entre concreto, orelhão e lata de Toddy, aquilo era um open world exuberante.
E no centro do mapa ficava ela:
A goiabeira branca de cinco metros, frondosa, soberana, rainha do quintal.
Era tão grande que, se desse na telha, poderia hospedar um condor andino e ele nem seria notado.



🐍 O Dia Em Que Meu Pai Trouxe Uma Jiboia

Meu pai fotografava casamentos, aniversários e — por circunstâncias da vida interiorana — fazendeiros.
E um dia voltou para casa trazendo uma jiboia morta, de dois metros, atropelada por um trator.

E como todo homem sensato faria?
Ele a pendurou num caibro do telhado, chamou um vizinho cabloco das antigas, e começou um ritual culinário digno de um documentário proibido do National Geographic.

Gilete de barbear para tirar o couro.
Punhal para remover as vísceras.
Alguidar de alumínio.
Sal, alho e empanação.

Resultado?
Comemos cobra.
E, olha, comemos bem.



🐢🐊 O Cardápio Selvagem Expandido

Depois veio o tatu.
Depois — em uma dessas situações que desafiam a lógica, a ecologia e o Código Penal — dizem que até jacaré do Mogi-Guaçu passou pelo nosso fogão. Posso estar enganado, mas acho que capivara também...



E eu?
Menino.
Achando tudo normal.
(como todo Bellacosa acha tudo normal até os 12 anos, quando descobre que as outras famílias não funcionam assim).



🐟✨ O Feito Lendário: O Dourado de +5 Kg

Agora respire.
Ajuste o spool.
Prepare o checkpoint.
Porque aqui entra o mito, o épico, o boss final da culinária pirassununguense.

Num belo dia, meu pai, o primo Du e o caminhoneiro Chico e outro amigo anunciaram:

Vamos pescar. Voltamos só amanhã. Nada de garotos, isso é coisa de homem barbado...


Tranquilo.

As mulheres tecendo papos, as crianças correndo, o dia correndo solto. Afinal primos juntos e garantia de alegria e confusão na certa.

Quando meio-dia chega, o carro deles também chega.
Nada de pescaria longa.
Nada de peixe já limpo.
Nada disso.

Eles param o fusca.
Abrem o capô.

E DE LÁ SAI UM DOURADO DE CINCO QUILOS, VIVO, SE DEBATENDO.

Sim, caro leitor.
Um dourado vivo. No capô.
O motor do fusca provavelmente jamais se recuperou da experiência espiritual.

O peixe foi colocado num tanque com água, estudado, debatido, respeitado…
E finalmente ganhou destino digno:

Assado no forno, recheado com farofa.

A casa inteira comeu.
Umas 12 pessoas.
Deuses do Olimpo choraram.
E a cabeça virou pirão — tão bom que me dá S0C1 de saudade até hoje.

Um peixe meio pescado, meio apanhado, meio furtado de uma rede de espera esquecida no rio Mogi-Guaçu que o boss dos trambiques, apanhou e entrou para o rol das historias do clã Bellacosa.


🌽 Os Milhos Proibidos da Faculdade de Agronomia

Garotos arteiros (não que eu estivesse incluso… cof cof) às vezes davam uma esticada até os milharais experimentais da faculdade.

O ato?
Tecnicamente “apropriação indébita vegetal”.
Na prática?
Milho assado no mato, lambari nos córregos e infância sendo infância.



🍽️ Conclusão Bellacosa:

Aquele meio ano parecia uma temporada inteira de um anime rural com culinária extrema.
Com OP cantado por Sora Matsuda, frames animados pela Toei e roteiro escrito por alguém que bebeu demais no Festival do Peixe.

Aprendi três coisas:

  1. Família é MMORPG — cada um tem seu papel, seu caos e suas habilidades especiais.

  2. Interior ensina que alimento é aventura e respeito ao que se come.

  3. Dourado de cinco quilos no porta-malas de um fusca é um evento raríssimo, tipo drop 0,0001%.

E até hoje, quando sinto o cheiro de pirão, é como se Pirassununga abrisse uma partição de memória no meu coração.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

🌄 Seu Zé, o Desbravador – A Saga do Bisavô Migrante

 


🌄 Seu Zé, o Desbravador – A Saga do Bisavô Migrante

Por El Jefe • Bellacosa Mainframe Midnight Edition

Existem homens que são rios.
Eles nascem finos, discretos, quase invisíveis…
mas seguem abrindo caminho até virarem correnteza,
energia, força, legado.

Meu bisavô José — o nosso Seu Zé — era desses.
Um gigante silencioso, daqueles que constroem mundos sem precisar falar sobre isso.
A família era pobre, a vida era dura, mas ele tinha um faro para futuro que parecia bússola mágica.




🌾 Pernambucano por nascença, aventureiro por destino

Seu Zé nasceu da linhagem dos que carregaram na pele cicatrizes de opressão e, na alma, uma coragem impossível de apagar.
Descendente de ex-escravos em Pernambuco, trouxe no sangue aquela toada de resistência que só quem conhece a terra rachada do sertão entende.

Tinha um pequeno pedaço de terra —
não era grande, mas era dele.
Poderia ter vivido ali, como tantos.
Mas enxergou que as raízes, às vezes, precisam se transformar em asas.

E, como tantos nordestinos do século XX, decidiu migrar.




🚢 A grande travessia – do Nordeste ao Sul

A memória aqui é como película antiga — falha, tremida, cheia de luz queimada — mas o coração lembra da história mesmo assim.

Diz-se que ele veio de barco, na cabotagem que era comum nas décadas de 1930 e 40.
Família na mão, esperança no peito, medo nenhum.

Chegando a São Paulo, seguiu pelos trilhos da companhia Sorocabana, descendo estação por estação…
Aquela velha trilha de aço que puxou milhares de sonhos do Nordeste para o interior paulista.

Até ouvir falar que, mais ao sul, um novo mundo estava brotando.




🌳 O Paraná chamava — e ele respondeu

Nos anos da grande expansão paranaense, cidades surgiam como pipocas estourando no tacho:
Londrina, Maringá, Cornélio Procópio, Cambará…
floresta abrindo, colonos chegando, futuro sendo plantado a enxadadas.

E foi ali que Seu Zé fincou raízes de verdade.
Minha maezinha nasceu nesse cenário de pioneiros, num tempo em que tudo era madeira, barro vermelho, estradas recém-riscadas, cheiro de mata cortada.

Ele trabalhou como lavrador, como a maioria.
Mas o destino tinha outro plano.




🥖 O padeiro do Paraná – o homem que alimentava a vizinhança

Um dia, entre amanheceres frios e mãos calejadas, Seu Zé virou padeiro.
Primeiro vendendo pães simples numa carroça puxada por burros.
Depois, dono de uma pequena padaria local.

A padaria era mais do que um negócio.
Era o centro comunitário.
O lugar onde a vida começava aquecida —
porque pão quentinho é quase abraço.

Criou os filhos, os netos rodavam em volta dele como cometas, e o mundo parecia seguir uma lógica simples:
trabalhar, cuidar, amar.

Até que veio o golpe do destino.




💔 O amor que tentou vencer a morte

Minha bisavó Josefa — filha de indígenas, mulher de fibra — adoeceu.
Câncer.
Aquela palavra que, na época, era quase sentença.

Seu Zé fez o que faz todo homem que ama sem limites:
vendeu tudo.
Deu adeus à padaria, à terra, às conquistas.
Pegou o dinheiro e trouxe a esposa para São Paulo, atrás de tratamento.

Foi nessa fase que eu, pequena fagulha de 3 ou 4 anos, conheci meu bisavô.




👣 As lembranças que ficam, mesmo quando a mente falha

Não me lembro dela —
não me lembro de sua voz, nem de seu sorriso —
mas sei que a visitamos no hospital.

Ela partiu naquele mesmo ano.

E Seu Zé, firme como o tronco de uma árvore muito antiga,
recomeçou tudo de novo.
Porque homens como ele nunca param:
apenas mudam de capítulo.




🌌 Conclusão – A saga de um homem que virou estrada

A história do bisavô José é a história do Brasil que se moveu.
É a saga de quem atravessou terras, mares, matas e tristezas
para que nós pudéssemos sonhar um pouco mais.

Ele é o fio invisível que costura gerações.
É o trilho da Sorocabana que ainda ecoa.
É o cheiro de pão que paira em memórias.
É o avô dos avós, o pioneiro, o andarilho, o provedor.

Um homem que, mesmo sem diploma, escreveu sua história como quem escreve código COBOL:
linha por linha, suor por suor,
trabalhando com a convicção de que o futuro vale o esforço.

Seu Zé não deixou riqueza.
Deixou legado.
E isso, meu amigo…
isso paga o resto da vida.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

🎥 A Primeira Sessão de Cinema

 


🎥 A Primeira Sessão de Cinema — Crônica Bellacosa Mainframe para o El Jefe Midnight Lunch


Pirassununga, 1983.


A cidade ainda cheirava a eucalipto, poeira e garapa.
O rádio AM chiava notícias, a ditadura militar respirava seus últimos fôlegos, mas para um garoto de 9 anos, nada disso importava. O mundo era simples, grande, cheio de segredos… e naquela tarde ia ganhar um novo brilho.

Porque — inspirado pela minha irmã Vivi, guardiã das boas histórias — eu vou falar daquela que ninguém esquece:

A primeira ida ao cinema.
(A verdadeira iniciação.
A que fica tatuada no disco rígido da alma.)



🎞️ O Cinema de 700 Lugares

Na Pirassununga dos anos 80, o cinema era praticamente um templo.
Havia só dois na cidade, mas bastava.

O Cine Jossandra era enorme para um garoto de 9 anos, seus mais de 700 lugares, a enorme tela branco, a sala do projetista, o requinte, o encanto, o luxo e o glamour, que enchiam os olhos de um garoto em sua primeira vez.


Poltronas de couro ainda com cheiro forte.
Carpete vermelho escuro que parecia o corredor de um teatro de capital.
A bombonière no hall com bala de hortelã, drops de anis, chicletes Ping-Pong, pipocas estourando em tacho de ferro.

E no meio desse cenário cinematográfico digno de uma abertura da Rede Globo de 1983…
estava ele.



🔦 Bene, o lanterninha que desafiou o mundo

Bene era uma lenda viva.
Um personagem que parecia saído de um filme de Fellini, mas colocado no interior paulista durante o governo Figueiredo.

Num tempo de conservadorismo rígido — e medo, e silêncio — Bene era livre.
Homem afeminado, carismático, espalhafatoso, amado por quase todo mundo.
A cidade o conhecia, ria com ele, contava histórias dele.


A porta-bandeira de uma das escolas de Samba da cidade.

E Bene trabalhava em mil coisas: ajudante aqui, vendedor ali, faz-tudo acolá…
Mas seu papel mais luminoso — literalmente — era o de lanterninha do cinema.

Uniforme vermelho impecável.
Chapéu alinhado.
Meias pretas.
Sapatos brilhando.
E a lanterna na mão, que parecia iluminar muito mais que o caminho até a poltrona:
iluminava coragem.



Num Brasil que ainda tinha medo de ser diferente, Bene era simplesmente Bene —
e isso já era revolucionário.



🎬 O Convite Mágico

Bene fez amizade com meus pais e frequentava nossa casa, adorava fotografia, amou as belas fotos que meu pai fez dele durante o desfile de carnaval. Em um desses papos que só adultos entendem, meus pais conversavam com ele.
E de repente Bene, com a naturalidade de quem abre portas para outros mundos, disse:

Vai ter matinê para as crianças. Estreia dos Trapalhões na Serra Pelada. Tenho ingressos, vocês querem?

Querer?
Querer era pouco.
Ganhar ingresso para a estreia dos Trapalhões era equivalente, para um garoto, a receber uma key da NASA para pilotar o foguete da Challenger.

O sábado se tornou o dia mais esperado do ano.



🍭 Pipoquinha Especial do Bene

A sessão estava lotada.
Crianças rindo, gritando, correndo.
Pais tentando manter alguma dignidade.

Eu ali, pequeno, com o coração batendo mais que a bateria do hino dos Trapalhões. Vivi emocionada com o local e o pequeno Dandan, ainda era muito inocente para ter participação ativa no rolê.

O filme começou — Dedé sério, Mussum sacana, Zacarias anjo, Didi detonando.
E de tempos em tempos…

Bene aparecia no corredor.
Como um NPC lendário trazendo bônus inesperados:

Pipoca.
Bala.
Doce.
Um aceno.
Um sorriso.

É difícil explicar o quanto isso marcava.
Para mim, aquele lanterninha era parte do filme.
Era como se a magia da tela vazasse para a vida real.


🌟 A Primeira Vez — registrada no spool da memória

O cinema escuro.
A tela enorme.
Os Trapalhões brilhando.
O cheiro de pipoca.
A risada coletiva, aquela energia que só uma sala cheia de crianças consegue criar.

Tudo aquilo se juntou numa memória cristalizada —
um checkpoint eterno que nunca será sobrescrito.

E quando a sessão terminou, eu saí flutuando.
Porque naquele sábado, eu tinha vivido duas estreias:

A estreia dos Trapalhões…
e a minha estreia no cinema.

E como em toda boa história Bellacosa, havia um herói improvável iluminando os caminhos:
Bene — o lanterninha que acendeu, sem querer, a primeira faísca do meu amor por telas, histórias e mundos imaginários.