Grandes Aventuras — Versão Oni Bellacosa
Sabe, El Jefe, quando a gente fala em grandes aventuras, o imaginário já puxa espada, dragão, nave espacial e um guerreiro cabeludo gritando numa montanha com raios ao fundo. Mas pra mim… ah, pra mim as maiores aventuras nunca foram essas de cinema. As minhas tinham cheiros, sabores, ruas de terra, vozes de vizinhos, galos cantando e ônibus fretado que as vezes quebrava no meio da estrada. Estar sempre correndo e sempre atrasado ao estilo coelho da Alice.
Minhas aventuras começaram cedo, lá no modo Oni Infantil 1.0, aquele build que vinha com joelhos ralados, coragem infinita e 0MB de noção de perigo. E eu era um pequeno oni, que estendia a corda ao limite, até imagino a dimensão da fatura, quando encontrar cara a cara com meu anjo-da-guarda e eles discriminar às vezes, que me salvou.
A primeira grande aventura foi explorar o quintal como se fosse a Amazônia inteira. Cada formigueiro era um templo perdido, cada galinha-brava uma criatura mítica pronta pra testar a minha bravura (e quase sempre eu perdia). A roupa suja, coitada, voltava pra minha mãe sem nenhuma esperança de ser recuperada. Mas ah, o orgulho de ter subido no pé de goiaba sem cair — isso, sim, era XP ganho. Teve o pulo no tanque de óleo queimado da oficina de tratores do primo Du, as bagunças na máquina de lavar roupa da vó Anna, as travessuras nos quartinhos de ferramenta desmontando e nunca conseguindo remontar cacarecos. As idas aos ferro-velhos e desmanche com meu pai. Às vezes ir no ônibus em que ele era motorista. Acompanhar suas reportagens fotográficas em casamentos, batizados, formaturas ou festas.
Depois veio a era das aventuras urbanas, quando fomos pra São Paulo. Ali o boss final chamava-se Metro, Trem e Ônibus Lotado das 6h. Só de entrar já valia um troféu. E tinha as microaventuras do cotidiano: atravessar uma rua movimentada com a ousadia de quem está em um RPG no modo “Hardcore”, comprar pão sozinho na padaria — e voltar com troco certo (ou apanhar da minha mãe por ter comprado bala com o troco, o que também fazia parte do processo educativo).
A primeira viagem sozinho a Campinas e depois a Praia Grande também foram marcos da expansão do meu pequeno mundo para dimensões estaduais, graças a autorização do juizado de menores em viajar sozinho.
Mas a maior aventura mesmo, aquela que moldou o Oni que vos escreve, começou quando comecei a trabalhar. Era o clássico enredo Bellacosa:
pouca grana, muita coragem, e um mundo gigante esperando pra ser descoberto.
A aventura era acordar 5:20, regime espartano, banhar-me, beber café, correr para pegar o trem lotado às 6:15, trabalhar o dia todo, estudar à noite, voltar pra casa destruído e ainda assim abrir um sorriso quando sentia o cheiro do bolo da Dona Mercedes assando no forno — sinal claro de que a vida, apesar de dura, tinha seus patches de atualização de felicidade.
E olha só que curioso: quando finalmente pude ajudar em casa e trazer dinheiro pra mesa, percebi que a aventura não estava em viajar longe ou enfrentar monstros imaginários. Estava ali, bem ali:
na sensação de fazer a vida melhorar um pixel por dia.
As grandes aventuras não foram viagens épicas, mas sim momentos — pequenos, imperfeitos, reais — que hoje carrego com carinho:
⭐ o primeiro salário
⭐ o primeiro almoço pago com meu esforço
⭐ o primeiro livro técnico que comprei sem parcelar
⭐ o primeiro “muito bem, filho” dito pela minha mãe
⭐ o primeiro sonho que começou a virar realidade
Crescer, sobreviver, evoluir… isso sim é uma aventura digna de mainframe:
robusta, resiliente, cheia de sistemas legados, mas que ainda entrega magia quando ninguém espera.
Hoje olho pra trás e percebo:
o mundo nunca me deu grandes aventuras; fui eu que transformei as pequenas em gigantes.
Isso que eu ainda não contei completamente da Vagneida.
Foram quase 15 anos, em que fui Odisseu, em minhas viagens pelo velho continente, uma vida Isekai, que enche de nostalgia e deixa algumas lagriminhas no canto do olho.
Tantos lugares, tantas pessoas, tantos sabores, culturas e idiomas diferentes, novo com velho, me senti em casa, me senti fazer parte de algo realmente grande e apesar das dimensões continentais do Brasil, realmente entendi o que era diferença, o que era pisar na terra dos meus ancestrais. Mas isso é uma longa história, que ainda tenho que desenrolar o fio desse novelo.
E sigo assim, El Jefe, Oni de coração, Bellacosa de essência, encarando cada dia como se fosse mais uma missão em um mapa aberto chamado Vida.
E que aventura maravilhosa tem sido.