GULLIVER — O REINO BRASILEIRO ONDE A IMAGINAÇÃO SEMPRE CABE NUMA MÃO
Um post ao estilo Bellacosa Mainframe para o blog El Jefe Midnight Lunch
Quando pensamos em Brasil das décadas de 60, 70, 80 e 90, muita gente lembra primeiro de TV preto-e-branco, carro com carburador, feira na calçada, mercearia da esquina… Mas há um fio invisível que costura a infância de milhões de brasileiros: uma pequena legião de soldados de plástico, índios bravos, cowboys destemidos, super-heróis troncudos e monstros improváveis.
Esse fio tem nome: Gulliver.
E como todo bom mito pop, a história da Gulliver mistura engenho brasileiro, ousadia industrial, guerra cultural, brinquedos que viraram patrimônio afetivo — e muitos easter-eggs que ninguém imagina. Prepare seu cavalo, pegue sua Winchester de plástico e siga comigo.
🌄 A ORIGEM — O DESERTO, O SONHO E O PLÁSTICO
A Gulliver nasce em 1956, em São Caetano do Sul (SP), fundada por José “Zeca” Matarazzo Filho — não o conde, mas um industrial com faro para um mercado que estava nascendo: o de brinquedos de plástico injetado.
Enquanto os brinquedos do Brasil ainda eram majoritariamente de lata, madeira ou pano, a Gulliver apostou forte na nova técnica. E acertou: o plástico permitia detalhes finíssimos, moldes ousados, variedade absurda e — principalmente — preço acessível.
E assim, num barracão no ABC paulista, começa o reinado que duraria gerações.
🏹 O FORTE APACHE — O PRIMEIRO UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO BRASILEIROO carro-chefe absoluto?
O Forte Apache.
Originalmente licenciado da empresa norte-americana Louis Marx & Co., a Gulliver tropicalizou, expandiu, redesenhou e reinventou o playset até transformá-lo em algo 100% culturalmente brasileiro.
Versões em madeira, versões em plástico, versões pintadas à mão…
Sede, quartéis, torres, cavalaria, índios apaches, cowboys, meninos sorridentes, cachorros pastores, carroções, canhões — um universo inteiro numa mesa de poucas polegadas.
O Forte Apache da Gulliver foi, para uma geração, o primeiro “metaverso” de verdade:
👊 A ERA DE OURO — SUPER-HERÓIS, MONSTROS E UM BRASIL POP
Dos anos 60 aos 90, a Gulliver reinou absoluta.
🦸 Super-Heróis
Licenciou Marvel e DC quando isso ainda não era cool.
Se você lembra de um Hulk verde berrante, um Thor cabeçudo, um Superman com peito em formato de barril, você sabe do que estou falando.
👽 Monstros
Godzilla, King Kong, criaturas do espaço — tudo ganhava forma em PVC duro e eternizava tardes inteiras de batalha no chão da sala.
⚔️ Playsets temáticos
Forte Apache, Castelo Medieval, Vila do Zorro, Piratas, Cavaleiros, Romanos…
Cada kit era um portal instantâneo para outra época.
🚀 Ficção Científica & Robôs
Robôs de fricção, astronautas, monstros radioativos — um eco direto da paranoia nuclear e dos seriados japoneses que chegavam ao Brasil.
🗡️ Os eternos gladiadores Gulliver
Pequenos, coloridos, com poses icônicas — presentes em cada mercearia, banca de jornal e lojinha da 25 de Março.
🧩 CURIOSIDADES E EASTER-EGGS PARA COLECIONADORES
✔ A Gulliver produziu peças para outras empresas — incluindo lotes secretos exportados sem marca.
Muita coisa hoje é “Gulliver sem saber”.
✔ Existem moldes perdidos — literalmente extraviados nos anos 80 e 90. Alguns foram recuperados décadas depois em galpões abandonados.
✔ A pintura a mão do Forte Apache original foi feita majoritariamente por equipes femininas do ABC Paulista, artesãs com precisão impressionante.
✔ O cachorro pastor preto que acompanhava o menino no playset original foi inspirado no cão real de um funcionário da empresa.
✔ Nos anos 70 e 80, a Gulliver teve licenças do Ultraman, Jaspion e outros tokusatsu, mas muitos produtos nunca chegaram às lojas.
✔ A empresa criou a primeira linha nacional de minimodelos históricos, usada até em escolas durante anos.
📉 O DECLÍNIO — A INVASÃO DOS IMPORTADOS
A partir dos anos 90, com a abertura econômica e a entrada massiva de brinquedos chineses, o cenário mudou:
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O custo de moldes metálicos era altíssimo.
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As linhas clássicas vendiam menos.
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O varejo migrou para produtos mais baratos e descartáveis.
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Empresas nacionais sofreram — a Gulliver, inclusive.
A produção foi reduzida, algumas linhas desapareceram, outras tiveram tiragens curtas. Mas a marca nunca morreu.
🔥 O ESTADO ATUAL — GULLIVER, A FÊNIX DO PLÁSTICO
Hoje, a Gulliver existe — viva, reinventada e nostálgica.
A empresa se reposicionou como marca clássica, apostando em:
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relançamentos de linhas vintage,
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séries de edição limitada,
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produtos colecionáveis,
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parcerias com grupos de fãs e historiadores do brinquedo brasileiro.
O público?
Adultos entre 35 e 60 anos que carregam na alma o chão da sala onde guerrearam com cavaleiros e apaches.
🌵 DICAS PARA COLECIONADORES (AO ESTILO BELLOSA MAINFRAME)
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Prefira moldes antigos — geralmente mais pesados, com PVC mais duro e detalhes mais finos.
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Evite restaurações mal feitas — tinta errada destrói valor.
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Guarde em estojos fechados — o PVC é sensível à luz e pode ficar quebradiço.
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Fique de olho em relançamentos oficiais — alguns são raros já ao nascer.
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A comunidade “Gullivermaníacos” no Brasil é riquíssima — grupos no Facebook, Orkut ressuscitado, fóruns especializados.
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Cuidado com falsificações chinesas — sim, existem.
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O Forte Apache completo com pintura à mão é um Graal — conserve como um DB2 catalog root page.
🌙 CONCLUSÃO — GULLIVER, O MAINFRAME DA NOSSA INFÂNCIA
O que o mainframe tem em comum com a Gulliver?
Longevidade, confiabilidade, legado e presença silenciosa na vida de milhões.
A Gulliver é o nosso “CICS da imaginação”:
E assim como o mainframe, ela atravessou gerações — sólida, nostálgica, parte da história nacional.
Se você teve um Forte Apache, um cowboy, um índio, um Hulk esquisitão, um gladiador colorido…
Você carrega Gulliver no coração.
E como sempre digo: nostalgia também é arquitetura — arquitetura da alma.